MILHÕES DE DÓLARES EM “PROJECTOS FALIDOS”

A dívida da Empresa Nacional de Diamantes de Angola (Endiama) com a banca angolana, decorrente de “projectos falidos”, rondava os 150 milhões de dólares (131 milhões de euros) e grande parte foi já amortizada, anunciou hoje a empresa.

A informação foi avançada hoje pelo presidente do Conselho de Administração da Endiama, José Ganga Júnior, dando conta que o volume global da dívida era com o Banco de Fomento Angola (BFA), Banco Angolano de Investimentos (BAI) e com o Banco de Poupança e Crédito (BPC).

Pelo menos 100 milhões de dólares (87 milhões de euros) referentes à dívida global foram já amortizados, referiu o responsável, na sequência de uma “renegociação que permitiu que obter algum perdão da dívida”.

Ganga Júnior, que falava em conferência de imprensa de apresentação das realizações de 2021 e projecções para 2022, deu conta que a sua administração encontrou “dívidas relevantes que nem sequer eram dívidas resultantes de créditos directos obtidos pela empresa”.

Trata-se de “dívidas em que a Endiama na altura prestou o seu aval, a sua garantia de projectos de empresas que faliram, que por mais distintos motivos abandonaram as operações e, que, naturalmente, a dívida ficou e estava a constituir uma limitação em termos de abertura no mercado financeiro”, explicou.

Segundo o presidente da estatal (do MPLA) diamantífera angolana, a não-regularização da dívida “impôs vários entraves à empresa”, sobretudo na busca de financiamento junto da banca para desenvolver projectos, período em que a dívida junto dos três bancos rondava os 150 milhões de dólares.

A “renegociação e definição de formas de amortização da dívida”, frisou Ganga Júnior, foi o mecanismo utilizado pela empresa que dirige, sendo que a renegociação “permitiu a obtenção de algum perdão da dívida, quer de capital, como de juros”.

“E definimos também um plano de amortização desta dívida e hoje está já regularizada integralmente relativamente ao BFA e ao BAI e junto do BPC eles transferiram os seus direitos de crédito para a cobrança da ‘recredit’ que está em curso neste momento”, notou.

No quadro do saneamento feito, realçou, a dívida regularizada ronda hoje os 100 milhões de dólares e as acções nesse domínio, disse, foram bastante importantes” porque se pretendeu colocar a empresa em bolsa”.

Parte do capital social da Endiama (40%) será privatizado via Bolsa de Dívidas e Valores de Angola (Bodiva), no âmbito do Programa de Privatizações (ProPriv) do Governo angolano.

Com o saneamento da referida dívida, referiu, a Endiama “tem hoje as portas abertas” e está neste momento a negociar com o BAI para um financiamento de 100 milhões de dólares (86,7 milhões de euros) para os seus projectos em lançamento, nomeadamente a mina do Luaxe.

“Já conseguimos obter um financiamento de 20 milhões de dólares (17,5 milhões de euros) junto do Banco Caixa Geral de Angola, por exemplo, e este foi o resultado do trabalho que fizemos de expurgar essa dívida”, rematou o presidente da Endiama.

De acordo com dados do presidente do Conselho de Administração da Endiama, revelados em Julho de 2018, até ao fim do ano de 2017 tinham sido recebidas “750 solicitações” para legalização de pequenas cooperativas de extracção artesanal e semi-industrial de diamantes.

“Ao que nos apercebemos, as solicitações foram exageradas e nem sequer houve condições para tratar de forma correcta os processos. Então, as autorizações de exploração foram rapidamente dadas verbalmente, sem documentação, sem nada disso”, situação que José Ganga Júnior explicou com o período eleitoral que o país viveu em 2017.

Entretanto, a empresa estatal responsável pelo sector diamantífero, o segundo produto de exportação de Angola, com mais de mil milhões de euros de vendas anuais (2017), referiu que no levantamento então efectuado a este tipo de actividade já detectara mais de 400 processos de solicitação ou cooperativas já em funcionamento, que se sobrepõem a áreas concessionadas para exploração industrial ou de outras cooperativas.

Daí que, defendeu José Ganga Júnior, era necessário que esta actividade de garimpo artesanal seja “mais controlada”, com a Endiama a ultimar a entrega ao Ministério dos Recursos Minerais e Petróleos, para licenciamento final, de mais 230 cooperativas.

Desde 2016 que as empresas interessadas em negociar diamantes do mercado artesanal angolano, extraídos por pequenas cooperativas, estavam obrigadas a comprar, mensalmente, o equivalente a quatro milhões de dólares (3,5 milhões de euros).

A informação constava do documento com a nova Política de Comercialização de Diamantes Brutos, aprovada por decreto presidencial no final de Agosto de 2016, e que mantinha a comercialização (da produção industrial e artesanal) obrigatoriamente através da empresa pública Sodiam.

Na componente da extracção artesanal, que tem vindo a ser impulsionada pelo Governo angolano, por juntar os garimpeiros em cooperativas e assim aumentar a produção ao mesmo tempo que travam o garimpo ilegal, o documento definia que a Sodiam – que pertence à concessionária estatal diamantífera Endiama – devia subcontratar empresas especializadas para essas compras.

Contudo, como requisitos, essas empresas assumiam a obrigatoriedade de comprar mensalmente o equivalente a quatro milhões de dólares de diamantes “no mínimo” e de patrocinarem as cooperativas artesanais e semi-industriais, bem como dos artesãos individuais.

Recorde-se que o então Presidente da República e Titular do Poder Executivo ordenara a criação de uma comissão de apoio ao Conselho de Segurança Nacional, integrando governantes, polícias, militares e serviços secretos, para (entre outras valências) combater o tráfico de diamantes a partir de Angola.

João Lourenço, ao contrário de um conhecido provérbio, parece acreditar (ao arrepio do que pensou durante 38 anos José Eduardo dos Santos) que “Roma e Pavia se fizeram num dia”. Mas, passada a euforia inicial, tudo vai melhor… na mesma.

A medida consta de um despacho, assinado pelo chefe de Estado, criando esta comissão, então liderada pelo general Pedro Sebastião, e – na altura – ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente da República, hoje designada Casa Militar.

O documento apontava a “necessidade de se reforçar as medidas de combate à criminalidade organizada, controlar os fluxos migratórios, de reforço da segurança fronteiriça, bem como assegurar a convivência pacífica e ordenada entre os cidadãos angolanos e estrangeiros em todo o território nacional”.

Louvável iniciativa. Mais vale tarde do que nunca, é certo. Pena é que um problema que tem dezenas de anos não tenha sido resolvido por anteriores governos, todos do MPLA, nos quais João Lourenço teve voz activa, fosse como dirigente do partido ou como ministro da Defesa.

Esta comissão de apoio passaria a reunir-se semanalmente e devia apontar medidas para “reforçar os mecanismos de combate à imigração ilegal e ao tráfico ilícito de diamantes”.

O garimpo ilegal de diamantes, normalmente realizada por imigrantes ilegais, provenientes sobretudo da vizinha República Democrática do Congo, nas províncias diamantíferas do leste, tem sido apontado como problemático, pelas autoridades angolanas.

Recorde-se que, no final de Novembro de 2017, as autoridades angolanas tinham expulsado milhares de imigrantes ilegais do município de Cambulo, província da Lunda Norte, no âmbito da operação “Luembe”, contra o garimpo de diamantes, que já levou à saída voluntária de mais de 20.000 ilegais.

A comissão (uma de muitas) criada pelo Presidente João Lourenço ficou encarregue de “tratar do planeamento estratégico das questões atinentes à imigração ilegal e ao tráfico ilícito de diamantes”, bem como da “análise e formação de medidas a serem executadas” com vista ao “controlo da imigração, do registo e acompanhamento dos residentes estrangeiros no país e do combate à exploração, posse e comercialização ilícita de diamantes”.

Integravam esta comissão, ainda, os então ministro de Estado e chefe da Casa Civil, Frederico Manuel Cardoso, como coordenador adjunto, bem como os ministros da Defesa Nacional, Interior e da Justiça e dos Direitos Humanos, além do Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas Angolanas, do comandante-geral da Polícia Nacional, dos chefes dos serviços secretos e do Serviço de Investigação Criminal e do próprio presidente da concessionária estatal para o sector diamantífero angolano, a Endiama.

Estava ainda definido que os governadores das províncias de Cabinda, Lunda Norte, Lunda Sul, Zaire, Malanje, Uíge, Moxico, Cuando Cubango, Cunene, Namibe e Luanda participariam nesta comissão como convidados, juntamente com um representante da Procuradoria-Geral da República.

Recorde-se que o Presidente João Lourenço exortou a nova administração da Endiama, a segunda maior empresa nacional, a definir “boas políticas” para o sector, de forma a captar “grandes investidores estrangeiros”.

“Precisamos de boas políticas neste sector dos diamantes. Políticas que atraiam os grandes investidores, as multinacionais do diamante, de forma a que elas se sintam motivadas a investir no nosso país, a exemplo do que fazem em outras partes do mundo”, disse João Lourenço, na intervenção que fez após dar posse à nova Administração da Endiama.

“Acreditamos que se encorajarmos uma política de comercialização que seja justa e transparente, vamos com isso atingir dois grandes objectivos. Atrair os investidores, por um lado, e de alguma forma desencorajar, afastar, o garimpo [ilegal, de diamantes] do nosso país”, apontou ainda, na mesma intervenção, João Lourenço.

Folha 8 com Lusa

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