E OS MÍSSEIS INTERCONTINENTAIS?

Como o Folha 8 já noticiou, o Presidente angolano exonerou hoje o comandante-geral da Polícia Nacional, Paulo Gaspar de Almeida, uma semana depois dos actos de vandalismo que tiveram lugar em Luanda durante uma paralisação de taxistas. Há muito que os angolanos “reivindicavam” esta demissão, bem como a do próprio ministro do Interior, Eugénio Laborinho.

A decisão de João Lourenço, tomada após ouvir o Conselho de Segurança Nacional, foi divulgada através de uma nota da Casa Civil do Presidente da República.

A exoneração acontece uma semana depois dos incidentes que marcaram a paralisação dos taxistas, entre os quais a destruição e queima de um edifício do MPLA (partido no poder há 46 anos) em Benfica, nas proximidades de uma esquadra policial.

Há muito que Paulo Almeida era alvo de críticas por parte de Organizações Não Governamentais, nomeadamente o Observatório para a Coesão Social e Justiça, que apresentou queixa-crime contra o comandante da Polícia Nacional pelas declarações feitas após os confrontos que envolveram polícia e manifestantes em Cafunfo (Lunda Norte), no ano passado, de que resultaram mais de uma centena de mortes.

As intervenções “musculadas” e quase sempre irracionais da Polícia Nacional (do MPLA) foram também visadas no mais recente relatório da Human Rights Watch, que destacou as dificuldades das autoridades angolanas para conter o uso excessivo da força contra civis.

“Durante 2020, as autoridades angolanas debateram-se para conter os abusos das forças de segurança do Estado implicadas em mortes e uso excessivo da força contra pessoas desarmadas que alegadamente violaram as restrições impostas pela Covid-19”, adianta-se no documento.

Paulo de Almeida, que foi nomeado para o cargo em 31 de Julho de 2018, foi substituído por Arnaldo Manuel Carlos, até agora director geral do Serviço de Investigação Criminal, e que é também promovido a comissário-geral.

António Paulo Bendje, que assumia o cargo de director geral adjunto do Serviço de Investigação Criminal será o novo comissário-chefe de Investigação Criminal e Pedro Lufunfula, que era director de combate ao crime organizado do Serviço de Investigação Criminal será o director geral adjunto deste organismo.

DEMISSÃO HÁ MUITO REIVINDICADA

Em Fevereiro de 2021, UNITA, CASA-CE e PRS consideraram que ministro do Interior (Eugénio Laborinho) e comandante-geral da Polícia Nacional do MPLA (Paulo de Almeida) deviam ser exonerados. Para a oposição, autoridades tiveram “comportamento pouco digno” após incidente no Cafunfo.

Num comunicado divulgado após uma reunião que decorreu em Luanda, os representantes parlamentares da UNITA, CASA-CE e PRS defenderam a demissão do ministro do Interior, Eugénio Laborinho, e do comandante-geral da Polícia Nacional (do MPLA), Paulo de Almeida, salientando que “no Estado democrático de direito os cidadãos têm o direito de reunião e manifestação pacífica, ordeira e sem armas, nos termos da Constituição e da lei”.

Tinham razão. No entanto, como se provou, a definição de “Estado Democrático de Direito” varia muito. No caso do MPLA, Angola deve ser um “Estado Democrático de Direito” do tipo Coreia do Norte, ou do tipo República Popular de Angola da época em que era presidente Agostinho Neto e em que não havia tempo para “perder tempo com julgamentos”.

Na altura, participantes de uma manifestação promovida pelo Movimento do Protectorado Português Lunda Tchokwe (MPPLT), terroristas segundo a terminologia do Kim Jong-un do MPLA, Eugénio Laborinho (ou seraia João Lourenço?), e as forças de segurança do tal “Estado Democrático de Direito” envolveram-se em confrontos em Cafunfo.

Mais exactamente, de um lado estavam os impolutos arautos e defensores do tal “Estado Democrático de Direito”, e do outro aqueles que, sem sucesso, têm tentado cumprir a ordem superior do MPLA para que aprendam a viver sem… comer. Como têm falhado nesse desiderato revolucionário, a paga já não poderia ser “panos ruins, peixe podre, fuba podre, 50 angolares e porrada se refilarem”. Tinha mesmo de ser tiros na cabeça.

A Polícia do MPLA informou que cerca de 300 pessoas ligadas ao Movimento do Protectorado Português Lunda Tchokwe (MPPLT), que há anos defende a autonomia daquela região, tentaram invadir, munidas de metralhadoras, uma esquadra policial e, “em legítima defesa” as forças de ordem e segurança atingiram mortalmente seis pessoas.

A versão policial foi contrariada pelos dirigentes do MPPLT, partidos políticos na oposição, organizações internacionais, sociedade civil local (incluindo a Igreja Católica), que falaram logo em mais de uma dezena de mortos. Acresce que os mortos (Paulo de Almeida esclareceria que eles, antes de morrerem, estavam vivos) mesmo assim tiveram sorte. É que o inqualificável Comandante da Polícia chegou a pensar pedir apoio à Força Aérea. Se o tivesse feito, os mortos iriam morrer… mais do que uma vez!

Os representantes parlamentares (meras figuras decorativas no tal “Estado Democrático de Direito” importado de Pyongyang) salientaram, no comunicado, os motivos, entre muitos outros, das reivindicações na Lunda Norte: “A falta de tudo o que é básico para a sobrevivência humana, nomeadamente água potável, energia eléctrica, alimentação de qualidade, educação de qualidade, assistência médica e medicamentosa de qualidade, emprego, salários compatíveis com o custo de vida, que é dos mais caros do país, estradas”.

No seguimento dos incidentes, cinco deputados da UNITA e dois activistas deslocaram-se para Cafunfo, mas ficaram retidos a cinco quilómetros da entrada da vila mineira. Situação que, para a UNITA, CASA-CE e PRS, além de “uma humilhação para membros de um órgão de soberania, foi um atentado à dignidade, aos direitos humanos e uma forte violação à lei fundamental da República de Angola”.

Nada a fazer. Esta malta da Oposição anda, com certeza, a fumar coisas estranhas. Essa de o Parlamento ser um órgão se soberania é mesmo para rir. Por alguma razão os polícias que impediram a passagem destes deputados (se fossem do MPLA haveria até uma passadeira vermelha) se fartaram de rir, embora sem tirar o dedo do gatilho.

“Não podemos aceitar que os nossos colegas deputados sejam tratados sem o mínimo de dignidade por parte de agentes da autoridade, em clara violação do artigo 1.º da nossa Constituição que estabelece o princípio da dignidade da pessoa humana”, referiram na nota. Mas, então, os deputados não representam o Povo? Se representam, terão pensado os sipaios do Comandante Paulo de Almeida, devem ser tratados como Povo. E se, para o MPLA, o Povo é uma espécie menor de gente, escravos, ou há igualdade ou todos levam porrada.

Os grupos parlamentares consideraram que, “pelo comportamento pouco digno, quer do ministro do Interior, quer do comandante-geral da Polícia Nacional, ambos deviam colocar os seus cargos à disposição, por terem prestado um mau serviço à democracia e à paz, já por si só frágeis”.

“Ou na eventualidade de não terem essa decência, o Titular do Poder Executivo exonerar estes seus auxiliares”, exortaram. É verdade. Mas como, afinal, são todos fuba do mesmo saco, a orgia dos vampiros seguiu durante mais de um ano sob as ordens de Paulo de Almeida/Eugénio Laborinho.

Na nota, exigiram ainda “a reposição da ordem e do direito dos deputados”, apelando ao executivo que os mesmos “sejam incondicionalmente autorizados a entrar na Vila do Cafunfo, exercendo a sua actividade parlamentar junto do eleitorado”.

O CONTADOR DE ANEDOTAS MACABRAS

Recorde-se que Paulo de Almeida defendeu o uso de “meios desproporcionais” para responder efectivamente contra ameaças ao Estado. O agora exonerado comandante-geral da Polícia Nacional afirmou (como aliás fez o seu primeiro presidente, Agostinho Neto, ao manda massacrar milhares de angolanos em 27 de Maio de 1977), que na defesa da soberania de um Estado não pode haver proporcionalidade, como defendem os juristas.

“Isso é muito bom na teoria jurídica, nós aprendemos isso no Direito. O Estado não tem proporcionalidade, você quando está a atacar a unidade, o Estado, o símbolo, está a atacar o povo“, disse Paulo de Almeida, numa conferência de imprensa destinada a supostamente esclarecer os incidentes na região do Cafunfo.

Paulo de Almeida avisou que “aqueles que tentarem invadir as esquadras ou qualquer outra instituição para tomada de poder, vão ter resposta pronta, eficiente e desproporcional da Polícia Nacional”. Por alguma razão a Polícia do MPLA é tão forte com os fracos mas bate com as patas no mataco a fugir velozmente quando o adversário é forte.

“Você está a atacar o Estado angolano com faca, ele responde-te com pistola, se você estiver a atacar com pistola ele responde com AKM, se você estiver a atacar com AKM, ele responde com bazuca, se você estiver a atacar com bazuca, ele responde com míssil, seja terra-terra, terra-mar ou ainda que for um intercontinental, vai dar a volta depois vai atacar”, referiu com o brilhantismo de um gorila anão o então Comandante Paulo de Almeida.

E, enquanto o míssil “intercontinental vai dar a volta depois vai atacar”, o Presidente João Lourenço olhava para o lado e assobiva.

O comandante-geral da Polícia Nacional rejeitou, no caso de Cafunfo, que haja conflito com o Movimento do Protectorado Português Lunda Tchokwe, que luta pela autonomia da região, afirmando que conflito só existe “com alguma coisa legalmente existente”.

“O que aconteceu foram elementos que foram atacar a nossa unidade, às quatro horas da manhã. Não foram fazer uma participação de uma ocorrência, não foram a um banco de urgência, que são as unidades que têm piquete para atendimento ao público. Foram com catanas, armas, meios contundentes, feiticeiros, para atacar a unidade“, disse Paulo de Almeida. Isto, é claro, sem referir os ataques dos catuituís que estavam nas mangueiras próximas e que foram avisados que Paulo de Almeida iria disparar mísseis intercontinentais, os tais que dão a volta e depois voltam a atacar…

“Eles não foram lá com lenços brancos, ninguém aqui perguntou como é que estão os nossos feridos, o oficial da polícia que apanhou machadada e catanada (…) o oficial das FAA que lhe deram catanadas, queimaram-lhe, ninguém pergunta, não são pessoas”?, questionou.

Por isso, justificou o fuzilamento já que, segundo Paulo de Almeida, a acção da Polícia foi de legítima defesa e “foi assim que houve essas mortes”. Registe-se que, apesar do seu brilhantismo oratório (tipo míssil intercontinental), o Comandante não esclareceu que antes de serem assassinados os angolanos estavam… vivos.

O então comandante-geral da Polícia Nacional angolana disse que pelo lado das autoridades não estava a decorrer nenhum inquérito, apenas o processo-crime que foi aberto. Bem visto. Se, até prova em contrário (que só o MPLA pode determinar) todos somos culpados, não há necessidade de inquéritos. Isso só acontece em estados ditatoriais. Nas democracias e estados de Direito que são referência para o MPLA, os inquéritos não existem. Vejam-se os casos da Coreia do Norte e da Guiné Equatorial.

“Vou inquirir o quê? Eu não fui lá [Cafunfo] para fazer inquérito, fui lá para constatar a situação que ocorreu. Há um processo-crime que está a correr os seus trâmites legais, é aí e ponto final, não há inquérito. Se algumas organizações querem fazer isso já é um outro assunto, connosco não há inquérito, fique bem claro”, afirmou Paulo de Almeida. Eventualmente melhor do que Paulo de Almeida para chefiar a Polícia só mesmo uma reencarnação de Idi Amin Dada.

Recorde-se que o então Comissário Chefe da Polícia Nacional, Paulo de Almeida, dizia em Dezembro de 2015 que as últimas manifestações convocadas pelos partidos da Oposição tinham como objectivos a tomada do poder, um golpe de Estado, portanto, motivo pelo qual as forças de segurança as impediram. Nessa altura foi “capturado”, tal como agora na Lunda, um vasto arsenal bélico, com destaque para umas centenas de… cartazes contra o regime.

A Polícia Nacional afirma, reafirma, continua a afirmar ter provas mais do que cabais que provam que esses meliantes (hoje já são terroristas) pretendiam mesmo derrubar o regime. Ontem eram uns, hoje são outros, amanhã seremos todos nós.

Entrevistado pela Rádio Ecclésia sobre o balanço das actividades desenvolvidas pela Policia Nacional, eis que o então seu Segundo Comandante Geral sacou da pistola, perdão, da cartola, a mais bombástica revelação:

“Temos provas de que as orientações eram de um grupo chegar ao Palácio do Governo Provincial, outro grupo saía do Baleizão para chegar ao Palácio Presidencial. As provas recolhidas sustentam a tese de que o objectivo da última manifestação era o assalto ao poder”. Na altura ainda não estavam disponíveis os mísseis intercontinentais…

Artigos Relacionados

Leave a Comment