Investigadores do Centro Africano de Estudos Estratégicos norte-americano consideram o mesmo que, há muito, diz o Folha 8. Ou seja, que o MPLA (no poder há 46 anos) está, novamente, a protagonizar um “conjunto de manobras” com o objectivo de “maximizar o seu controlo sobre as estruturas estatais”, em vésperas das eleições presidenciais e legislativas angolanas em Agosto. Aliás, o fim do Poder será o fim do MPLA.
“O Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA), no poder, tem mantido um controlo contínuo sobre a política angolana desde 1975 e parece ter a intenção de garantir que este continua a ser o caso após as eleições” legislativas e presidenciais de 2022, em que o Presidente João Lourenço se recandidata a um segundo mandato como cabeça-de-lista do MPLA, escreve o instituto de análise norte-americano, num relatório agora divulgado.
“O MPLA prossegue sistematicamente este objectivo através de uma série de manobras, maximizando o seu controlo sobre as estruturas estatais”, acrescentam os autores do texto, Joseph Siegle e Candace Cook.
A título de exemplo, o relatório denuncia a forma como o partido no poder em Angola desde a independência, graças sobretudo à razão da força, utilizou “a sua profunda influência sobre os tribunais” (forma simpática de dizer que o MPLA manda e os tribunais obedecem) para condicionar as candidaturas dos seus principais rivais, a UNITA de Adalberto da Costa Júnior, e o PRA-JA Servir Angola, de Abel Chivukuvuku, criando “obstáculos burocráticos” a uma “oposição, que prometeu formar uma coligação unificada nas eleições de 2022, a Frente Patriótica Unida”.
Por outro lado, e “a pretexto da pandemia”, o MPLA está há mais de três anos a adiar as eleições locais, “negando essa dinâmica à oposição antes das eleições presidenciais”.
Siegle e Cook denunciam, por outro lado, a “curiosa fórmula” de que resulta a composição da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), “estipulada para ser proporcional à representação dos partidos na legislatura, institucionalizando assim o enviesamento e perpetuando a influência do partido no poder”.
Os investigadores do Centro Africano de Estudos Estratégicos antecipam por outro lado uma ameaça à lisura das próximas eleições, que resulta da hipótese de uma revisão constitucional poder vir determinar que a contagem dos votos das futuras eleições – incluindo já as de 2022 – seja feita a nível central e não a nível local, “desafiando as melhores práticas eleitorais e reduzindo assim a supervisão e a responsabilização pela contagem dos votos”.
O texto dá ainda voz a “preocupações” de líderes da sociedade civil “com o facto de João Lourenço poder vir a utilizar a revisão constitucional como justificação para reiniciar o relógio do limite do mandato”.
“Embora o controlo do MPLA sobre a arquitectura institucional possa conseguir manter o seu estrangulamento sobre a política angolana, esta não é uma estratégia sustentável para o país, de uma forma geral”, consideram os investigadores.
Angola viveu seis anos de contracção económica, apesar de abundante em recursos naturais, a sua dívida externa ascende a 40 mil milhões de dólares dos quais metade está nas mãos da China, os preços da alimentação e produtos de primeira necessidade têm vindo a subir e “a percepção de corrupção continua a estar entre as mais altas do mundo”, resume-se no relatório.
“A combinação de frustrações políticas e económicas levou a uma série de protestos antigovernamentais em Luanda, os quais foram reprimidos violentamente pelas forças de segurança angolanas, que utilizou munições reais”, segundo o centro.
“O que poderia ser uma das eleições mais consequentes no continente – sinalizando um compromisso com reformas genuínas, uma participação política mais inclusiva, e o respeito pelo Estado de Direito – é provavelmente pouco mais do que uma formalidade”, concluem os investigadores norte-americanos.
O relatório detém-se ainda sobre um conjunto de eleições em África, prevendo que venham a ser “diferentes de tudo o que o continente tem visto nos últimos anos”.
Líbia, Somália, Mali, Guiné-Conacri e Chade têm eleições previstas para este ano que resultam de adiamentos sucessivos, decorrentes de golpes ou de conflitos. Em vários casos, os parâmetros que moldam estes processos eleitorais têm ainda de ser finalizados e mesmo os respectivos calendários permanecem incertos.
“As eleições de 2022 em África, portanto, serão dinâmicas e complexas. Dada a autoridade legitimadora que um processo eleitoral credível pode trazer, é a forma como estas eleições serão geridas, mais do que os resultados específicos, que será significativa para moldar a governação e o ambiente de segurança em África”, sublinha-se no texto.
O QUE O MPLA ESCONDE DO MUNDO
Recorde-se que Angola vive hoje (em bom rigor, vive há quase 46 anos) uma degradação progressiva ante a incapacidade do Governo do MPLA de reverter o quadro de penúria generalizada que a esmagadora maioria das famílias angolanas enfrenta.
O País está falido, doente e sem rumo. A juventude, que é o futuro da Nação, sente-se traída e impotente, porque os governantes, ao invés de governarem para o povo, roubaram o País e roubaram também o futuro da juventude.
No Sul, aldeias inteiras assistem o êxodo das suas populações assoladas pela fome e pela falta de água que agravam a pobreza e semeiam a morte, como o Folha 8 demonstrou em algumas das suas reportagens. Nos centros urbanos, o preço galopante dos alimentos faz as suas vítimas, e a classe média que há alguns anos atrás brotava vai minguando.
Os preços dos alimentos da cesta básica sobem todos os dias sem qualquer controlo. O preço do açúcar, mesmo o produzido em Malange, por exemplo, continua a ser manipulado a favor dos cartéis e contra os interesses do povo desprotegido por quem o devia proteger.
Não se compreende que mesmo quando o câmbio do dólar se mantém inalterado e a oferta de produtos nacionais aumenta, os preços desses produtos continuem a aumentar a um ritmo superior à taxa da desvalorização da moeda, em violação das leis do mercado.
A incapacidade do MPLA resolver os problemas sociais tornou-se estrutural e congénita, tendo transformado a falta de água potável, as doenças endémicas, o desemprego, a educação sem qualidade, a falta de saneamento básico, a incompetência do governo e a corrupção em verdadeiros inimigos do povo angolano.
Para agravar a situação, o Partido Estado/MPLA capturou o Estado, subverteu a democracia e delapidou os recursos do País para beneficiar meia dúzia dos seus oligarcas.
Prova disso é a persistência na contratação directa das mesmas empresas para as principais empreitadas de obras públicas, quando a maioria das construtoras que outrora empregavam milhares e milhares de cidadãos e lhes mitigavam a fome, asfixiadas pelo não pagamento da divida pública vão minguando no esquecimento.
A conduta desviante de quem governa, que não escuta os seus parceiros sociais, não dialoga sequer com os partidos fora da sua órbita, cria uma crise insanável na relação entre governantes e governados, que obriga a Nação a rever os fundamentos da relação intrínseca existente entre responsabilidade política e legitimidade governativa.
O republicanismo ensina que a responsabilidade política dos governantes constitui o fundamento das obrigações políticas dos cidadãos, no sentido em que as regras de conduta responsável a que os governantes estão vinculados são também regras de legitimidade política.
Quando os governantes quebram tais regras, tomando decisões que lesam manifestamente o bem da comunidade ou quando praticam crimes, isso significa que as condições que tornariam o seu poder legítimo e válido se desfizeram.
Nesta base, o Partido Estado/MPLA perdeu a legitimidade política para continuar a governar Angola. De facto, o republicanismo e a democracia representativa, não permitem o exercício do poder representativo sem responsabilidade.
A responsabilidade é uma condição da democracia, tal como a democracia é uma condição da responsabilidade. O povo admite apenas a cedência do seu poder aos seus governantes porque conserva a oportunidade de os vigiar e de os remover.
É convicção generalizada (até mesmo de muitos angolanos do MPLA) que o Partido Estado/MPLA perdeu a legitimidade política para continuar a governar Angola por manter o Estado capturado, asfixiar as liberdades democráticas, manter de alguma forma a corrupção e manter a economia refém de interesses hegemónicos, solidamente entrincheirados nas esferas do poder e por ter passado a governar contra os interesses do povo soberano de Angola.
Angola precisa de adoptar um Programa de Emergência Nacional para tirar o País da crise em que se encontra. A fome, a saúde, a educação, o desemprego, a habitação e a criminalidade tornaram-se problemas de segurança nacional e precisam de ser tratados como tal.
Os angolanos querem governantes que sejam patriotas, que amem o povo, respeitem a Lei e não sejam corruptos. Não querem governantes que estejam comprometidos em salvar os seus partidos, mas governantes comprometidos em salvar Angola e os Angolanos.
O tempo da democracia tutelada, para perpetuar no poder alguns e excluir outros, tem de acabar. Ou acaba ou Angola morre. Também tem de acabar o tempo da República sem republicanismo; o tempo da democracia sem liberdade de imprensa; o tempo de todos ficarem amordaçados à vontade de uma só pessoa.
O problema não está na filiação política das pessoas. Está nas práticas erradas e na incapacidade dos dirigentes de governar para o povo, olhar para todos.
É preciso negociar uma solução pacífica, democrática e definitiva para o conflito em Cabinda. É preciso ouvir as pessoas e conciliar as suas aspirações com as do país inteiro.
A manipulação de procedimentos e resultados eleitorais praticadas até aqui firmam a convicção de que a liderança do MPLA quer para Angola um capitalismo de partido único e uma democracia que não produza alternância, que encara eleições como um ritual, cuja função é revestir, com as aparências da legalidade, a “vitória anunciada” do partido do governo, a qualquer custo e por qualquer meio.
Angola já rejeitou no plano formal este modelo de governação em 1992 e também em 2002. O passo que falta para Angola tornar-se de facto um Estado de Direito Democrático é garantir que as eleições deixem de ser um ritual controlado pelo Partido Estado; e passem a ser eleições democráticas, livres e justas, que reflictam sempre e só a vontade soberana do povo.
Em 2017, chegamos ao cúmulo de ver uma CNE dividida a anunciar resultados que não produziu. Ficou confirmado que a CNE serviu e tem servido apenas de testa de ferro das ordens superiores. Até hoje, ela não tem os resultados eleitorais reais, mesa por mesa, assembleia por assembleia, porque são manipulados.
Importa recordar que os problemas de Angola dizem respeito a todos os seus filhos, incluindo os que vivem na diáspora e também aos investidores estrangeiros que escolheram Angola como seu local de residência e àqueles que investiram aqui o seu dinheiro, contando com o justo retorno do capital investido.
Por isso é normal que as forças democráticas do País conversem com os investidores e lhes reafirmem garantias de estabilidade. Eles sabem tudo o que se passa em Angola. Sabem coisas que o povo não sabe. Porque é lá no estrangeiro que estão os dinheiros de Angola, é lá que se cozinham os contratos que o povo não conhece.
Folha 8 com Lusa