POLÍCIA ANTICORRUPÇÃO NA MAGISTRATURA

O Cedesa, centro de pesquisa sobre Angola, defende a criação de um instituto autónomo para gerir verbas orçamentais e as do combate à corrupção da justiça angolana e a formação de uma polícia anticorrupção na magistratura.

“Além do reforço de verbas, seja através do Orçamento Geral do Estado, seja através dos bens recuperados nos processos da corrupção, deve ser encarado um novo modelo de gestão dos dinheiros da justiça que garanta a racionalidade e eficiência da alocação de recursos”, afirma o Cedesa.

Neste contexto, o grupo de académicos do Cedesa, que tem a sua sede em Lisboa, defende a entrega da gestão da justiça “a um instituto autónomo e com gestão transparente da administração da justiça, que geriria as receitas orçamentais, as receitas do combate contra a corrupção e poderia ter receitas próprias ligadas às actividades da justiça”.

O instituto teria “gestores profissionais e seria auditado por uma empresa internacional de auditoria” e o seu modelo de funcionamento “seria descentralizado com um gestor adstrito a cada tribunal de comarca e tribunal superior”, acrescenta.

No entender do Cedesa, com a criação deste instituto, haveria, “a par do reforço de verbas, uma autonomização da gestão dos dinheiros da justiça, que seriam administrados por um instituto com gestores profissionais constituído para o efeito e que funcionaria de forma descentralizada em cada tribunal”.

Além disto, o Cedesa propõe também “a criação de uma polícia anticorrupção na magistratura, dependente da Assembleia Nacional”.

Aquela polícia deveria funcionar “por sete anos, com poderes de investigação dos magistrados judiciais limitados a situações de corrupção”, considera.

Assim, teria um mandato muito restrito “para evitar acusações de interferência” e seria controlada pela Assembleia Nacional e também pela sociedade civil”, acrescenta.

“O controlo pela sociedade civil dar-se-ia através de um sistema estilo ‘grande júri norte-americano’ e “qualquer investigação que esta polícia decidisse levar a cabo contra algum magistrado judicial só avançaria depois de validada por um grupo de 12 membros da sociedade civil, que funcionariam como filtro e fiscalizador das intenções da polícia anticorrupção em relação aos magistrados”, específica.

Assim, “a investigação da corrupção de determinado juiz não seria apenas uma decisão policial, mas também da sociedade”, sublinha.

Após os sete anos, “seriam implementados sistemas de autocontrolo dentro da própria magistratura, esperando que no final desse tempo uma nova pedagogia e prática tivessem sido adoptadas”, conclui.

Para o Cedesa, que volta a descobrir a pólvora, a corrupção é um dos principais bloqueios da justiça angolana, a par de um contexto legal inadequado, falta de meios materiais e gestão eficiente do orçamento do sector e a questão política, ou seja a sua politização.

“Com o intuito de se propor uma reforma adequada da justiça angolana, haverá que prioritariamente identificar os bloqueios e impedimentos ao bom funcionamento desta, pois será nestes ‘nós górdios’, e não em declarações gerais e abstractas que se deverá centrar o processo reformista”, lê-se no documento.

O Cedesa adianta que realizou “um curto inquérito fechado” em relação à corrupção na magistratura angolana entre operadores judiciais, que lhe “permitiu chegar à conclusão que a maioria acredita que os juízes se deixam influenciar por razões monetárias ou políticas, e, nesse sentido, muitas das decisões são tomadas com base nessas influências, não tendo em conta o Direito aplicável”.

Segundo o grupo de académicos, há “mesmo referências, por parte de magistrados, de tentativas variadas de ofertas de presentes ou quantias monetárias”.

O centro de pesquisa ressalva que este inquérito não tem uma amostra suficientemente alargada para permitir retirar conclusões científicas. “Apenas nos dá uma impressão das opiniões existentes entre advogados, magistrados e funcionários judiciais”, sublinha.

Mas, conclui, “tem-se criado uma imagem de insegurança jurídica junto dos operadores judiciários e investidores e [que] é fundamental ser ultrapassada”, afirma.

Outra bloqueio e questão na ordem do dia é a da politização dos tribunais angolanos, refere.

“Não existe dia que não surja uma opinião publicada, geralmente, ligada à oposição, indicando a falta de credibilidade, sobretudo dos tribunais superiores, e nestes do Tribunal Constitucional, devido à sua politização”, nomeadamente relacionadas com a filiação partidária dos juízes e porque “directa ou indirectamente, a larga maioria dos juízes acaba por depender da nomeação do Presidente da República ou do partido maioritário na Assembleia Nacional, o MPLA”.

A posição de Portugal. A desberlinização em curso

Segundo o Cedesa, numa análise de Novembro de 2021, estabelecida que está a relevância da intensificação das relações de Angola com Espanha e a Turquia, coloca-se uma questão óbvia: e Portugal?

Portugal tem tentado ser o parceiro por excelência de Angola, e para isso tem-se acomodado, no passado, aos vários ímpetos da governação angolana.

Actualmente, escreve o Cedesa, existem boas relações políticas entre Angola e Portugal. Ainda recentemente, João Lourenço afirmou o seguinte: “Tive a felicidade de durante este meu primeiro mandato termos sabido manter a um nível bastante alto as relações de amizade e cooperação entre os nossos dois países.” Acrescentando ainda que as “relações pessoais também ajudam. Portanto, nós soubemos construir ao longo dos anos essa mesma relação com o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e com o primeiro-ministro António Costa.”

Não existem dúvidas que estão estabelecidas relações favoráveis entre Angola e Portugal. A isso ajuda também que Portugal conta com três laços que se fazem sentir todos os dias; os laços históricos, os laços culturais, sobretudo linguísticos, e os laços emotivos.

“Contudo, e apesar do contentamento expresso pelo Presidente angolano naquilo que diz respeito às boas relações entre os dois países, há questões estruturais que lançam sombras no relacionamento e tornam a posição de Portugal menos relevante para Angola do que no passado, gerando alguma cautela da parte angolana em relação a demasiados envolvimentos com Portugal”, escreve o Cedesa, acrescentando: “Efectivamente, há um declínio da posição portuguesa em Angola, face a Espanha ou à Turquia, ou à Alemanha, França ou Reino Unido. Há uma desberlinização em curso da política externa angolana”.

João Lourenço verá Portugal como aliado na CPLP, “mas não como porta de entrada ou plataforma para a Europa. Aí quer relacionar-se directamente a cada um dos países europeus em concreto. A velha ideia que perpassava nalgumas chancelarias europeias que os assuntos angolanos eram específicos de Portugal e deviam ser tratados a partir, ou pelo menos, com o concurso de Lisboa (que chamamos berlinização), terminou. Cada um dos países europeus lida agora com Angola sem a intermediação portuguesa e vice-versa”.

Este facto “resulta essencialmente de três factores. Um de natureza económica, e dois de natureza política”.

“Em primeiro lugar, Angola procura nesta sua incursão pelo mundo países com potencialidade e capital para investir. Está à procura de capital para desenvolver a sua economia. Ora Portugal, saltando de crise em crise e tendo uma manifesta falta de capital para o seu desenvolvimento, muito menos terá meios para deslocar para Angola. E no famoso Plano de Recuperação e Resiliência português não se encontra nada específico para investimento em África ou Angola em concreto. Consequentemente, não havendo provisões destacadas para Angola no Plano português, bem se percebe que o país africano terá de ir procurar massivos investimentos noutras paragens”, considera a análise do Cedesa.

“No entanto, acreditamos que este não é a principal causa para o declínio relativo da posição portuguesa nas prioridades da política externa angolana. Existem outras duas razões, aliás interligadas”, refere a organização, acrescentando que, “neste sentido, existe um factor que tem causado a inquietação da actual liderança angolana face a Portugal. Este factor reside no facto de no passado próximo, Portugal ter constituído aquilo a que o Financial Times de 19 de Outubro qualifica como o local onde a elite rica (e corrupta) de Angola coleccionou troféus em activos, uma espécie de recreio dos filhos do Presidente José Eduardo dos Santos e de outros membros da oligarquia. Ora, a governação angolana, aparentemente, olha com alguma desconfiança para Portugal devido a isso, sobretudo, considerando a intervenção que bancos, advogados, consultores e toda uma panóplia de prestadores de serviços portugueses tiveram no branqueamento e ocultação de activos adquiridos com dinheiro ilicitamente saído de Angola. Há o perigo de todas estas entidades estarem a desenvolver esforços para prejudicar o famoso combate contra a corrupção encetado por João Lourenço”.

O Cedesa escreve também que “o que se verificou durante os anos de crescimento feérico de Angola, entre 2004 e 2014, sensivelmente, é que Portugal funcionou como íman para as poupanças e rendimentos dos angolanos. As elites dirigentes angolanas em vez de investir o dinheiro no seu país foram investi-lo, ou meramente parqueá-lo em Portugal, com consequências desastrosas para Angola, que se viu sem o capital necessário para tornar sustentável o seu crescimento. O raciocínio que se poderá atribuir ao governo angolano é que Portugal deixou que o dinheiro angolano obtido ilicitamente fosse branqueado no seu sistema económico e financeiro com tal profundidade que agora é de recuperação muito difícil. Ana Gomes, sensatamente, sempre alertou sobre isto. Na verdade, se repararmos em relação a activos recuperados por Angola com grande significado ainda não houve notícia pública que algum deles proviesse de Portugal. Houve os 500 milhões de dólares que vieram de Inglaterra, mas em Portugal, a EFACEC foi nacionalizada pelo governo português- e bem do ponto de vista do interesse nacional de Lisboa- mas percebeu-se que Angola não receberia nada daí, como também não se vê um caminho claro de recebimento de outras situações”.

“A este fenómeno adiciona-se um segundo que se nota presentemente. Lisboa está a servir como plataforma para a articulação mais ou menos dissimulada de fortes ataques da oposição ao governo angolano. Seja através de consultoras, imprensa ou escritórios de advogados. Neste caso, ao contrário eventualmente, do caso dos investimentos e possíveis branqueamentos, essas actividades decorrerão de acordo com a lei e as protecções adequadas dos direitos fundamentais. No entanto, criará um mal-estar na liderança angolana, que possivelmente verá uma ligação entre os dois fenómenos, isto é, entre o facto de Portugal ter sido um safe heaven para activos angolanos obtidos ilicitamente, no passado, e agora se tornar um local de encontro e conspiração da oposição, sobretudo, à chamada luta contra a corrupção. Percebe-se que muitos dos movimentos ocorrem em Portugal e as suas elites continuam a ajudar aqueles que foram apelidados por João Lourenço como “marimbondos”, seja em termos judiciais, seja na procura de novos locais para esconderem o seu dinheiro”, dizem os “peritos” do Cedesa.

Considera o Cedesa que “em termos concretos, o episódio da nacionalização EFACEC aliado à recente decisão judicial de “descongelar” as contas de Tchizé dos Santos em Portugal, e à generalização de uma corrente anti João Lourenço em largos espaços da comunicação social portuguesa, embora constituam decisões ou atitudes que se justificam em termos políticos, legais ou éticos em Portugal, são eventos que fazem reforçar alguma desconfiança angolana face à atitude portuguesa, que podem ver a antiga potência colonial numa espécie de jogo de sombras”.

Mas há mais, de acordo com o Cedesa: “Estas situações que se têm alargado nos últimos meses, estão a provocar algum desconforto em Angola, que poderão considerar Portugal como uma espécie de porto seguro para actividades que prejudicam o país. Paulatinamente, as conspirações oriundas de território português abundam, como as reuniões, encontros e demais eventos”.

Folha 8 com Lusa

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