QUAL CAMÕES, QUAL CARAPUÇA!

A abertura das actividades alusivas ao 8 de Janeiro, Dia da Cultura Nacional (do MPLA), acontece amanhã, no Memorial (27 de Maio de 1977) António Agostinho Neto, com a deposição de uma coroa de flores no sarcófago do, segundo o MPLA, maior poeta de língua portuguesa dos últimos oito séculos…

Esta efeméride foi aprovada em decreto-lei nº 21 e publicada no Diário da República nº 87, I série, de Novembro de 1986, em homenagem ao discurso sobre a Cultura Nacional do primeiro presidente de Angola, António Agostinho Neto, proferido em 1979, na tomada de posse dos corpos gerentes da União dos Escritores Angolanos (UEA), em Luanda. Na ocasião, o também poeta António Agostinho Neto, fez uma abordagem sobre a Cultura Nacional, que de então a esta parte, passou a ser referência fundamental em todas as discussões sobre a temática da Cultura angolana.

Num excerto do discurso proferido, referiu que «… a Cultura não pode se inscrever no chauvinismo, nem pretende evitar o dinamismo da vida. A Cultura evolui com as condições materiais e, em cada etapa, corresponde a uma forma de expressão e de concretização de actos materiais».

Para melhor compreender o que é Angola, nada melhor do que ler o órgão oficial do MPLA, Jornal de Angola, eficaz meio de branqueamento do regime e, neste caso, da imagem de um genocida (Agostinho Neto) que foi responsável pelo massacre de milhares e milhares de angolanos em 27 de Maio de 1977.

Vejamos então a composição da lixivia “made in” MPLA: «O Dia da Cultura Nacional, que constitui uma data de elevado simbolismo histórico, dimensão política e impacto filosófico, pode ser motivo para um debate aberto e abrangente, sobre o estado actual da cultura nacional e sua integração no processo de reconstrução de Angola.

A verdade é que, por mais estranho que possa parecer, continuam actuais as ideias expressas no referido discurso, “A cultura não se pode inscrever no chauvinismo, nem pretender evitar o dinamismo da vida. A Cultura evolui com as condições materiais e em cada etapa corresponde a uma forma de expressão e de concretização de actos materiais”, afirmava, profético, Agostinho Neto.

É curioso notar que o pensamento do Dr. António Agostinho Neto, embora eivado do primado da ideologia marxista, na sua sustentação filosófica, já possuía uma visão transnacional da cultura angolana, visando a sua internacionalização, evitando os “chauvinismos” e inscrevendo os preceitos do entendimento da cultura angolana no “dinamismo da vida”.

Uma leitura atenta do discurso do Primeiro Presidente de Angola, leva-nos a inferir que os riscos de divisão da sociedade pelas assimetrias no acesso à cultura e a sua vulnerabilidade às crescentes pressões de consumo dos produtos culturais vindos de fora, exigem que a promoção da cultura endógena seja fundamental para que os angolanos se desenvolvam livre, integral e solidariamente e afirmem os seus valores identitários no mundo, tal como previu Agostinho Neto.

Estamos numa época em que a cultura deve estar integrada no processo de desenvolvimento económico e a sua gestão entendida segundo os preceitos da modernidade e dos avanços das modernas tecnologias da esfera comunicacional. Para que tal desiderato se efective, é imperioso apostar na formação e capacitação técnica dos criadores e promotores culturais, promover o ensino das artes, empreender o restauro do património edificado, estimular a investigação e recuperar o espólio da cultura imaterial, respeitando, desta forma, as linhas de força do discurso pronunciado por Agostinho Neto.

O Plano Estratégico de implementação da política cultural de Angola “define as prioridades do Executivo para o sector e fornece um quadro para a tomada de decisões em relação à necessidade de alocação dos recursos internos e da assistência externa”.

A meta é consagrar a cultura como um direito de cidadania, incorporando as novas tecnologias para a produção e difusão cultural, a conservação do Património e sua sustentabilidade, visando o estabelecimento de uma gestão pública moderna eficiente e eficaz. Caberá então ao Estado estabelecer, na prática, todas as condições necessárias para que a cultura angolana no seu conjunto seja de facto preservada e difundida, através da construção e manutenção de infra-estruturas, formação de quadros, garantindo a identidade e permanência cultural de Angola, num mundo globalizado.

Apesar dos inegáveis avanços das novas tecnologias da esfera comunicacional e ao contrário dos profetas que advogam o fim do livro, onde a escrita alfabética seria substituída por uma cultura de sinais, o livro ainda é a melhor ferramenta de trabalho, de acesso à cultura e o companheiro ideal para todos os momentos. As igrejas, o Estado, a sociedade e as associações culturais, devem estar atentas ao crescente movimento editorial angolano, que, no passado, teve momentos gloriosos de edição, sobretudo depois da independência, e, no presente, vem dando sinais de qualidade concorrencial e consequente afirmação internacional.

A construção de bibliotecas públicas, para a fruição da leitura pelos munícipes e a criação de espaços de lazer cultural, podem inverter a tendência crescente dos números da delinquência juvenil, um mal com que nos deparamos, frontalmente, no nosso quotidiano. Sabe-se que o livro não dispersa, pelo contrário fixa e condensa a generalidade dos conhecimentos que estão na base de todo o progresso individual e colectivo. A realização de feiras do livro pode constituir um momento, entre vários outros, que complementa o ciclo do sistema literário, dinamizando um processo que inclui a promoção e defesa dos direitos do autor, editor, importador e do livreiro.

Embora as cidades, incluindo a capital, sejam os espaços de maior concentração das populações, congregando em si parte substancial das práticas de intervenção cultural e económica, é imperioso deslocar, contextualizar e rentabilizar a acção cultural em outros pontos do país. De facto, um dos preceitos da política cultural está consubstanciado na descentralização das acções do Executivo angolano e reorienta uma agenda cultural nos Municípios, ou seja, fora dos grandes centros urbanos. Sabemos que a maioria esmagadora das províncias, ostenta um enorme potencial patrimonial, cuja conservação e restauro deve merecer a atenção do Estado angolano.

Segundo os princípios defendidos pelas políticas culturais, “O financiamento da cultura é condição determinante para a realização dos objectivos definidos para o desenvolvimento sustentável, uma vez que os retornos dos investimentos na cultura são mais qualitativos do que quantitativos e a intervenção da cultura na consolidação da nação não tem preço.

O Executivo tem um papel decisivo e insubstituível no financiamento da implementação da Política Cultural, devendo contar com o concurso dos distintos sectores da economia e da sociedade, nomeadamente das agremiações sócio-profissionais, das fundações, das associações e organizações não-governamentais”. Daí que se torna urgente regulamentar os princípios básicos que definem o Mecenato Cultural, sobretudo da investigação, no domínio da cultura.»

O Gabinete de Comunicação Institucional e de Imprensa, do Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente, informou, em comunicado, que o Dia da Cultura Nacional constitui um marco importante para a difusão da diversidade cultural do nosso (eles, MPLA) país e pelo sentido de endogeneidade caracterizado pela relação entre tradição e modernidade.

O comunicado refere que, inibidos pelo impacto negativo da Covid-19, “restringimos a edição deste ano, a programação das comemorações do dia 8 de Janeiro, Dia da Cultura Nacional, a temas musicais maioritariamente instrumentais, um recital de poesia e a tradicional outorga de diplomas de mérito a artistas e funcionários, pela sua contribuição para o desenvolvimento da cultura angolana”.

No ano passado, a abertura das actividades alusivas ao 8 de Janeiro foi marcada pela inauguração de uma exposição colectiva de artes plásticas, realizada no Museu de História Natural, em que foi homenageado o pintor Paulo Jazz.

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