A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e o G7+, grupo de Estados frágeis, anunciaram hoje que vão reforçar a cooperação no domínio da saúde pública para acelerar a vacinação contra a Covid-19 nos seus Estados-membros. Mia Couto e José Eduardo Agualusa (e, a reboque, António Guterres), fizeram mais pela causa do que a própria CPLP. Obrigado.
No final de uma reunião entre representantes das duas organizações, na sede da organização lusófona, em Lisboa, o secretário-executivo da CPLP, Zacarias da Costa, referiu que foram apresentadas diversas propostas de cooperação “no formato sul-sul”, nomeadamente “o combate às enormes desigualdades existentes no que toca ao processo de vacinação” contra a covid-19.
Por seu lado, o secretário-geral do G7+, o timorense Hélder da Costa, referiu que o grupo está a viver uma “situação delicada” no campo da saúde pública, referindo que tem havido “uma aproximação a várias associações farmacêuticas e companhias para acelerar o processo de vacinação” nos seus países-membros, nomeadamente nos mais frágeis, onde a taxa de vacinação é muito baixa”.
“As pessoas não têm acesso à vacinação, e essa também é uma das tarefas que queremos desenvolver juntamente com a CPLP”, realçou.
Segundo o responsável da organização lusófona, foram abordadas ainda outras formas de cooperação, como a promoção e difusão da língua portuguesa e na concertação política e diplomática junto de organizações como as Nações Unidas.
“São diversas as formas de concretizar esta parceria CPLP – G7+, a implementação de iniciativas de interesse, com financiamento e co-financiamento, através do Fundo Especial” da organização dos países de língua portuguesa, sublinhou Zacarias da Costa.
Na reunião de hoje, o secretário-executivo da CPLP recebeu as cartas credenciais do G7+, que obteve a categoria de Observador Associado da CPLP na XIII Conferência de Chefes de Estado e de Governo que decorreu em 17 de Julho, em Luanda, Angola.
A entrega das cartas credenciais do G7+ contou com a presença do presidente do grupo, o ministro do Planeamento e Desenvolvimento Económico da Serra Leoa, Francis Kai Kai, e do secretário-geral, Hélder da Costa, que será a partir de agora o representante permanente daquele grupo de países em Lisboa.
Zacarias da Costa realçou ainda o facto de as duas organizações terem três Estados-membros em comum: Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste e que “vários dos países do G7+ conhecem diásporas de língua portuguesa e têm ligações históricas, culturais e económicas com os países da CPLP, que é uma organização promotora da paz e da solidariedade entre as nações”.
“Obviamente que todos esses aspectos abrem caminho a um enorme capital de empatia e amizade entre os nossos países que servem de base a uma relação de cooperação vibrante e dinâmica, que o estatuto de observador associado permitirá concretizar”, acrescentou.
Hélder da Costa, destacou, em declarações à Lusa à margem do encontro, um conjunto de planos de actividade na área da promoção do português, “uma língua para a disseminação da paz”, acrescentando que, “como São Tomé e Príncipe e Timor-Leste também fazem parte do grupo, irão trabalhar juntos no campo da concertação político diplomática entre as duas instituições”.
O responsável avançou que ainda estão a discutir com a CPLP “futuras parcerias no campo do desenvolvimento económico, “nomeadamente a promoção do sector privado” nos Estados-membros das duas organizações, “para promover a economia” dos seus países.
Hélder da Costa referiu que dentro do G7+, os países que mais preocupam a organização são o Afeganistão, que “pela mudança no poder é um problema global, reconhecido internacionalmente”, mas o Iémen, Haiti, República Democrática do Congo, Guiné-Conacri, “que recentemente teve um golpe de Estado”, ou o Sudão do Sul suscitam preocupações.
Assim, admitiu que “a cooperação na área da concertação política e diplomática junto de organizações como as Nações Unidas”, é um dos interesses do G7+ nesta aproximação à CPLP.
Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste são os nove Estados-membros da CPLP, que este ano celebrou o seu 25.º aniversário, contando já com 32 países e organizações como observadores associados.
O G7+ é uma organização internacional, com sete países, que viveram ou vivem em situação de conflito ou numa situação de particular fragilidade política.
Sob a pergunta “Duas pandemias?”, Mia Couto e José Eduardo Agualusa escreveram:
«No dia em que a Europa interditou os voos de e para Maputo, Moçambique tinha registado 5 novos casos de infecção, zero internamentos e zero mortes por COVID 19. Nos restantes países da África Austral a situação era semelhante. Em contrapartida, a maioria dos países europeus enfrentava uma dramática onda de novas infecções.
Cientistas sul-africanos foram capazes de detectar e sequenciar uma nova variante do SARS Cov 2. No mesmo instante, divulgaram de forma transparente a sua descoberta. Ao invés de um aplauso, o país foi castigado. Junto com a África do Sul, os países vizinhos foram igualmente penalizados. Em vez de se oferecer para trabalhar juntos com os africanos, os governos europeus viraram costas e fecharam-se sobre os seus próprios assuntos.
Não se fecham fronteiras, fecham-se pessoas. Fecham-se economias, sociedades, caminhos para o progresso. A penalização que agora somos sujeitos vai agravar o terrível empobrecimento que os cidadãos destes países estão sendo sujeitos devido ao isolamento imposto pela pandemia.
Mais uma vez, a ciência ficou refém da política. Uma vez mais, o medo toldou a razão. Uma vez mais, o egoísmo prevaleceu. A falta de solidariedade já estava presente (e aceite com naturalidade) na chocante desigualdade na distribuição das vacinas. Enquanto, a Europa discute a quarta e quinta dose, a grande maioria dos africanos não beneficiou de uma simples dose. Países africanos, como o Botswana, que pagaram pelas vacinas verificaram, com espanto, que essas vacinas foram desviadas para as nações mais ricas.
O continente europeu que se proclama o berço da ciência esqueceu-se dos mais básicos princípios científicos. Sem se ter prova da origem geográfica desta variante e sem nenhuma prova da sua verdadeira gravidade, os governos europeus impuseram restrições imediatas na circulação de pessoas.
Os governos fizeram o mais fácil e o menos eficaz: ergueram muros para criar uma falsa ilusão de protecção. Era previsível que novas variantes surgissem dentro e fora dos muros erguidos pela Europa. Só que não há dentro nem fora. Os vírus sofrem mutações sem distinção geográfica. Pode haver dois sentimentos de justiça. Mas não há duas pandemias.
Os países africanos foram uma vez mais discriminados. As implicações económicas e sociais destas recentes medidas são fáceis de imaginar. Mas a África Austral está longe, demasiado longe. Já não se trata apenas de falta de solidariedade. Trata-se de agir contra a ciência e contra a humanidade.»
Folha 8 com Lusa