O (NEG)ÓCIO DAS ARMAS… PRIVADAS

A Polícia angolana deu hoje início ao processo de recolha de armas de guerra em posse das empresas de segurança privada. A Lei sobre as Empresas Privadas de Segurança, aprovada em Maio de 2014, impunha (isto é como quem diz) um plano gradual de substituição de cerca de 30 mil armas de guerra, na posse destes elementos, por outras de autodefesa.

A cerimónia foi presidida pelo comandante-geral da Polícia Nacional, Paulo de Almeida, que, simbolicamente, recebeu armas de guerra de duas empresas de segurança privada, que entregaram armas de defesa pessoal.

O comandante-geral da Polícia Nacional disse que esta é uma das recomendações do Governo em obediência à Lei das Empresas de Segurança Privada, aprovada em 2014, para retirar da posse dos cidadãos comuns as armas de guerra.

Paulo de Almeida frisou que o prazo de execução dessa medida é de seis meses, passados os quais a retirada será coerciva, admitindo que “não será um processo fácil”, por exigir alguns recursos por parte das empresas de segurança privada.

“Com esta medida, estamos de certa forma a prevenir que situações de âmbito criminal venham sucedendo com a utilização de armas de fogo e armas de guerra por parte dos autores da delinquência”, disse.

O chefe máximo da Polícia Nacional exortou todas as empresas a dinamizarem-se e organizarem o seu processo de substituição das armas, fazendo todo um esforço no sentido de adquirir as armas de defesa pessoal, tarefa para a qual poderão contar com a ajuda das autoridades policiais.

“Todos nós compreendemos as razões do porquê que as empresas de segurança privada, até aqui, vinham possuindo armas de guerra, foi toda uma situação histórica, mas hoje estão criadas as condições quer legais, e mesmo materiais, para começarmos este processo de substituição ou de retirada das armas de guerra que estão na posse das empresas de segurança privadas”, disse.

Segundo Paulo de Almeida, as armas de guerra são propriedade dos órgãos de defesa e segurança e dos serviços que se responsabilizam pela segurança privada dos cidadãos e das instituições de vários estabelecimentos devem ter armas de defesa pessoal.

“Nós estamos também numa fase de reestruturação do funcionamento das empresas de segurança privadas. Elas devem ser um serviço auxiliar e complementar da Polícia Nacional, de modo que vão ser estabelecidos mecanismos e interligações que vão facilitar, dar uma melhor cobertura de segurança às comunidades e aos próprios estabelecimentos, cidadãos, aquilo que é realmente o objecto social das empresas de segurança privadas”, salientou.

Paulo de Almeida apelou aos cidadãos que ainda possuem ilicitamente armas de guerra para que façam a sua entrega voluntária à polícia, sob pena de serem responsabilizado criminalmente e sofrerem uma reacção coerciva por parte das autoridades policiais.

Às empresas de segurança, o comandante-geral da Polícia Nacional disse que os instrumentos que a partir de hoje irão funcionar são de defesa e não ofensivos.

“É mais para prevenir, para salvaguardar”, disse, exortando que “eles sejam bem protegidos e que não vão parar na mão da delinquência”.

“Saibam utilizar, há pouco tempo o Governo aprovou a alteração da lei das empresas de segurança privada onde uma das exigências será a formação”, disse, explicando que esta ficará a cargo de entidades privadas, sob fiscalização da Polícia Nacional.

Por sua vez, o porta-voz da Polícia Nacional, Orlando Bernardo, disse que o processo começou agora porque foi dado tempo às empresas de segurança privada para se organizarem e criarem condições, por obrigar a algum esforço financeiro.

Orlando Bernardo referiu que existem em Angola mais de 1.300 empresas de segurança privada e quase 280 empresas de serviço de autoprotecção, com um total de 160.000 efectivos de empresas de segurança em todo o país, em posse de mais de 30.000 armas de guerra.

De acordo com o porta-voz, a Polícia tem o controlo da quantidade de armas em posse de cada empresa de segurança e, nesse sentido, será feita a troca de armas de guerra por armas de defesa pessoal, a serem adquiridas no exterior sob licença da polícia.

Em declarações à imprensa, José Rodrigues, da K&P Transporte Construção Civil Lda., disse que esta empresa de segurança privada já foi notificada para o processo, tendo já adquirido as armas a uma empresa indicada pela Polícia Nacional na Turquia.

Instado a comentar se constitui uma preocupação as empresas passarem a usar armas de defesa pessoal enquanto os delinquentes fazem uso de armas de guerra, José Rodrigues disse que as armas agora em posse da empresa também “respondem bem a todas investidas de quem vier com arma de guerra”, por serem semiautomáticas.

Por seu turno, Jorge Silva, da empresa MPCP, procedeu hoje à substituição de 20 armas de guerra existentes em Luanda, um processo que terá continuidade com as restantes representações nas províncias, vendo com bons olhos esta medida.

Jorge Silva sublinhou que o processo de aquisição não é muito simples, “mas já está mais facilitado neste momento”, devido a uma maior celeridade da polícia na emissão das licenças de importação.

Sobre se o prazo de seis meses é suficiente para este processo, o responsável manifestou algum cepticismo, porque está em causa toda uma organização económica, logística, processos de desalfandegamento, de importação, “todo um critério de procedimentos”.

Em declarações à Lusa, o vigilante Manuel Fernandes, há três anos a exercer essa função, mostrou-se pouco satisfeito com esta alteração “por ser complicado”.

“Estamos a trabalhar num estabelecimento em que há movimentação de altas somas monetárias e precisamos de uma arma de fogo para podermos garantir mais segurança”, referiu, lembrando que tem uma arma de fogo e que em diversas situações precisou fazer uso dela.

FAA queriam controlar armamento

Recorde-se que, em 2016, foi anunciado que as Forças Armadas Angolanas (FAA) queriam criar uma base de dados e controlar as armas de guerra nas mãos de particulares, empresas privadas de segurança e as utilizadas pela polícia, face à falta de informação actual.

Armas de guerra nas mãos de populares? Finalmente, dirão alguns. Outros pensaram que a ideia era outra e que, com esta medida, as FAA estavam a ajudar o regime a encontrar razões para voltar ao fantasma da guerra, forma típica de perpetuar no poder os mesmos de sempre, os mesmos que lá estão desde 1975.

A posição foi transmitida aos jornalistas pelo chefe da Direcção Principal de Armamento e Técnica das FAA, tenente-general Afonso Neto, à margem de uma reunião metodológica, em Luanda, sobre armamento.

“Nós, Forças Armadas, utilizamos armas e também há outros operadores, outras organizações, que utilizam armamento. Pensámos que este trabalho que estamos a fazer (registo de armas) necessariamente terá de evoluir para os outros sectores (…) obrigatoriamente teremos de encontrar uma modalidade que permita que tudo o que é armamento de guerra que não esteja nas FAA seja controlado por nós”, explicou.

O objectivo passava mesmo por “absorver”, colocando em depósitos de armamento, essas armas, disse ainda.

Em Angola, e apesar de legislação já aprovada proibindo a utilização de armas de fogo, continua a ser usual observar seguranças privados a circularem e patrulharem a via pública munidos de metralhadoras e outras armas de guerra. Ou seja, estamos num país em que vale tudo, até mesmo a existência de exércitos privados.

A Polícia tem também vindo a admitir o crescente número de assaltos e outros crimes violentos utilizados com recurso a armas de guerra, sobretudo metralhadoras AK.

Além de uma base de dados com registo e informação sobre as armas de guerra, as FAA queriam igualmente controlar o armamento do género na posse da Polícia. Então a Polícia nem tem autonomia? E a Guarda Presidencial tem?

“Os órgãos de polícia têm armamento de guerra que têm de ser controlados por nós. Temos de ter uma base de dados para saber que essas armas estão na Polícia Nacional”, sublinhou o tenente-general Afonso Neto, admitindo que no cenário da altura (2016) não havia informação sobre estas armas.

“Em toda a parte do mundo a única entidade que faz o controlo e registo das armas de guerra são as Forças Armadas”, concluiu o oficial das FAA.

E a lei de Maio de 2014?

A Lei sobre as Empresas Privadas de Segurança, aprovada em Maio de 2014, impunha (isto é como quem diz) um plano gradual de substituição de cerca de 30 mil armas de guerra, na posse destes elementos, por outras de autodefesa.

Na altura, o coordenador da Comissão Nacional para o Desarmamento da População Civil, comissário-chefe Paulo de Almeida, admitiu, contudo, que “há ainda muitas coisas que precisam ser devidamente esclarecidas” no âmbito desta legislação, aprovada pela Assembleia Nacional em Maio de 2014.

A Lei envolvendo as Empresas Privadas de Segurança colocava exigências relativas à formação do pessoal, um valor mínimo obrigatório de remuneração ou um capital mínimo para a sua constituição.

O uso de armas do tipo de autodefesa, em substituição das armas de guerra utilizadas diariamente até agora sem qualquer tipo restrição pelas ruas das cidades angolanas – estima-se que cerca de 30 mil -, seria a principal mudança e uma das maiores preocupações das autoridades.

“Há uma outra lei que se vai associar a esta, é a Lei do Uso e Porte de Armas. Isto vai definir o que é que são armas de defesa pessoal – armas de caça, de recreio, os calibres – e vai exigir os requisitos que devem ter os possuidores desse tipo de armas”, explicou Paulo de Almeida.

O também, na altura, segundo comandante-geral da Polícia Nacional sublinhou que a substituição de armas será feita de forma gradual, tendo em conta que Angola não possui casas de venda de armas de autodefesa.

“Eles vão ter que necessariamente importá-las, procurar outros mercados para adquirirem essas armas e depois há todo um procedimento de verificação, fiscalização, controlo e então vai levar um certo tempo”, frisou aquele alto oficial da Polícia, hoje seu Comandante-Geral.

Instado a comentar a contradição sobre as empresas de segurança privada usarem armas de autodefesa – com menor poder de fogo – enquanto os meliantes têm na sua posse armas de guerra, como se constatava (e constata) nos assaltos, Paulo de Almeida assumiu uma “incongruência” neste aspecto.

Ainda assim, salientava, essa substituição é um imperativo: “Nós não podemos ter vários exércitos e a posse de armas de guerra, em mãos de serviços, que não são forças militares, nem paramilitares, são serviços, pode acarretar outros problemas, um deles é esse da irresponsabilidade e da negligência e às vezes da não assunção sobre essa perda de armas”.

Segundo o coordenador do processo de desarmamento da população civil angolana, em curso desde 2008 e que já tinha permitido recolher até 2014 mais de 80 mil armas, uma das maiores preocupações tinha a ver com as armas em posse das empresas de segurança privada que vão parar às mãos dos delinquentes por negligência do pessoal.

“De facto precisamos melhorar um pouco mais a qualidade operacional e mesmo de resposta das forças privadas de segurança e também criar outros sistemas de controlo, sobretudo que reforçam a capacidade de segurança e de observação das próprias empresas”, adiantou.

“De modo que a própria preparação vai fazer com que eles [seguranças], mesmo com estas armas de autodefesa, consigam contrapor essas acções dos bandidos, porque embora sejam armas de autodefesa, matam, aleijam, ferem”, rematou.

Folha 8 com Lusa
Foto: Lusa

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