“MÁFIA” DOS COMANDOS PORTUGUESES CHEGA AO PODER ANGOLANO

O Ministério Público (MP) de Portugal está a investigar eventuais ligações da “Máfia” dos Comandos portugueses colocados em missões da ONU na República Centro-Africana, a figuras da cúpula do poder em Angola, suspeitando de um elemento que integra um órgão da Presidência de João Lourenço.

Em causa estão as ligações de um dos principais suspeitos em torno da rede de tráfico de diamantes, ouro e droga, um advogado identificado como Artur A. que terá participado na lavagem de milhões de euros em operações financeiras efectuadas entre Lisboa e Luanda.

O MP acredita que este homem terá “conhecimentos privilegiados” em Angola, conforme destaca o jornal português Expresso, frisando que manteria “contactos frequentes com empresários de Angola” e seus familiares.

Uma das empresas angolanas que está a ser investigada pelo MP é a Sublimedestino, onde o advogado é sócio. Também sócio desta empresa será um elemento do Conselho Económico e Social (CES), um órgão da Presidência de Angola.

O Presidente João Lourenço criou o CES em 2020 como um conselho consultivo, composto por 45 especialistas, gestores e empresários, para apoiar as suas decisões no âmbito de medidas económicas e sociais.

O MP acredita que o líder da “Máfia” dos Comandos, o ex-militar Paulo Nazaré, teria “a cumplicidade de alguns oficiais do Exército e de ex-militares” portugueses, mas também de pessoas da República Centro-Africana (RCA), de Angola, Guiné-Bissau, Dubai, África do Sul, Brasil e Reino Unido, como refere o Expresso.

Mas “só o evoluir da investigação poderá densificar, ou não, os contornos integrais desta rede, a sua hierarquia e extensão, quer em Portugal, quer na RCA, quer em Angola, quer nos outros países onde os detidos mantinham contactos frequentes”, aponta o juiz de instrução Carlos Alexandre no processo.

Segundo o jornal português Diário de Notícias, a mancha caiu sobre a maior e mais emblemática missão militar portuguesa no estrangeiro: a Polícia Judiciária pôs no terreno uma mega-operação de buscas por suspeitas de tráfico de ouro, diamantes e droga, que terão sido transportados a partir da República Centro-Africana (RCA) por comandos portugueses integrados na Minusca, a missão das Nações Unidas naquele país africano. A operação, que envolveu 100 mandados de busca, terminou com dez detidos, entre militares, ex-militares e civis.

Ao que o DN apurou, as suspeitas prenderam-se com militares da 5.ª Força Nacional Destacada, um grupo de Comandos que esteve na RCA entre Março e Setembro de 2019. Nesse mês foram substituídos pela 6.ª força destacada para o território, maioritariamente composta por paraquedistas do Exército. Foi ao comandante deste batalhão, tenente-coronel paraquedista Victor Gomes, que uma fonte local contou a história do tráfico (sendo que a referência inicial reportava-se apenas a diamantes).

Uma denúncia que foi comunicada ao Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA), em Lisboa, que por sua vez passou o caso à Polícia Judiciária Militar (PJM), que viria depois a entregá-lo à PJ civil. O DN contou, no início de Novembro, que a denúncia inicial envolvia apenas dois militares, contratados, que deixaram entretanto as Forças Armadas, tendo agora sido detidos já na PSP e GNR.

O ministro da Defesa de Portugal, João Gomes Cravinho, disse ter sido informado sobre as suspeitas de tráfico de diamantes e ouro em Dezembro de 2019, pelo Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, almirante António Silva Ribeiro, que lhe comunicou então a intenção de levar o caso à PJM. Cravinho afirmou também que deu conhecimento das suspeitas à ONU “nos primeiros meses” de 2020.

Segundo o titular da pasta da Defesa de Portugal, a informação que lhe foi dada “dizia respeito a dois militares”, que “já não estavam na RCA na altura da denúncia”. O ministro garantiu que os militares que “tinham sido indicados como suspeitos já não regressaram à RCA em missões posteriores”.

Num comunicado de 7 de Novembro, o Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) português adiantou que estava em investigação “uma alegada rede criminosa, com ligações internacionais, que se dedica a obter proveitos ilícitos através de contrabando de diamantes e ouro, tráfico de estupefacientes, contrafacção e passagem de moeda falsa, acessos ilegítimos e burlas informáticas, tendo por objectivo o branqueamento de capitais”.

Já o EMGFA (Estado-Maior General das Forças Armadas) veio referir que “o que está em causa é a possibilidade de alguns militares” que estiveram na RCA “terem sido utilizados como correios no tráfego de diamantes, ouro e estupefacientes” e que “estes produtos foram alegadamente transportados nas aeronaves de regresso” das forças militares portuguesas ao território nacional.

Na altura e no espaço de poucas horas, o Presidente da República e o ministro dos Negócios Estrangeiros vieram a público defender que a designada operação Miríade não afectava a imagem das Forças Armadas, nem das missões nacionais no estrangeiro.

“Não atinge minimamente o prestígio das Forças Armadas. Pelo contrário, o facto de investigarem casos isolados que possam ter ocorrido, de tomarem essa iniciativa só as prestigia [às Forças Armadas] em termos internacionais”, disse o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, à RTP. Também o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, veio sublinhar a mesma ideia: “Não afecta a nossa imagem internacional. Se as autoridades judiciais entendem que há indícios que exigem investigações, essas investigações devem ser feitas”.

Mas o certo é que esta investigação, e as suspeitas de tráfico, recaem sobre aquela que é, na actualidade, a maior e a mais emblemática missão internacional dos militares portugueses – que já por várias vezes estiveram envolvidos em combates – muitas vezes apontada como um exemplo da excelência das forças nacionais.

“É óbvio que esta situação belisca” a imagem da instituição militar, disse ao DN o major-general Carlos Branco, que esteve na RCA em 2019, a convite das Nações Unidas, sublinhando que os responsáveis do Governo e o Presidente da República “dizem o que têm que dizer no papel institucional que têm”. Portugal tem, actualmente, 180 militares envolvidos na missão da ONU no país.

Folha 8 com DN

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