António Venâncio, militante do MPLA há 48 anos, é o primeiro a anunciar a sua candidatura à liderança do partido no poder em Angola (há 46 anos) no próximo congresso, em Dezembro, ambicionando uma instituição mais “prestigiada” e democrática.
Em declarações à Lusa, o engenheiro e actual coordenador do grupo técnico para as questões de engenharia do MPLA assinalou que o partido está em condições de liderar a democratização do país.
António Venâncio lembrou que a partir do VII Congresso, realizado em 2017, o partido abriu-se “de forma inequívoca” à democracia interna e permitiu que os militantes que reúnam os requisitos para apresentar a sua candidatura à liderança o façam.
“Estou há 48 anos no MPLA e reúno os requisitos. Tenho uma estratégia e uma visão para o país e acho que é altura de fazer chegar essa visão aos militantes e aos delegados (ao Congresso)”, disse, realçando que “é altura de transformar o MPLA numa instituição mais prestigiada”.
António Venâncio quer uma “nova era” para o MPLA, com um partido democratizado que permita avançar também para um país mais democrático.
“O MPLA tem tudo para liderar o processo de democratização do país dando um exemplo ao mundo”, destacou, acrescentando que é altura de os militantes fazerem valer os seus direitos estatuários.
António Venâncio é o primeiro militante a formalizar uma candidatura para desafiar o actual presidente do partido, João Lourenço, que é também chefe do Estado e Titular do Poder Executivo, no próximo congresso, que acontece em Dezembro, numa altura em que falta menos de um ano para o país realizar eleições gerais, se se cumprir o que está previsto.
O engenheiro foi activista político desde 1974 e esteve à frente do grupo que recebeu a primeira delegação do MPLA vinda do `maquis`, tendo estado também ligado à organização do primeiro comício do MPLA em Luanda.
Com a candidatura já formalizada, António Venâncio acredita que deverá sair da condição de pré-candidato para a de candidato já nos próximos dias.
Também Irene Neto, filha do primeiro presidente de Angola, Agostinho Neto fez saber através de um comunicado que não fecha portas a um convite para apresentar uma moção de estratégia e uma lista à liderança do MPLA, embora não seja, neste momento, candidata.
Irene Neto disse que está concentrada em provar a inocência do seu marido, o empresário Carlos São Vicente, que se encontra detido em Luanda desde o ano passado acusado dos crimes de branqueamento de capitais e peculato.
O VIII Congresso Ordinário do MPLA está marcado para 9 a 11 de Dezembro de 2021.
Se o arrependimento fosse democracia, Angola seria uma democracia
João Lourenço, general, antigo ministro da Defesa de José Eduardo dos Santos, e actual dono de uma grande parte do MPLA, não deve estar preocupado com a candidatura de António Venâncio. Mas…
Em 19 de Agosto de2017, perante o erro de casting que foi a escolha/imposição de João Lourenço, José Eduardo dos Santos apareceu, pela primeira vez em campanha, ao lado do cabeça-de-lista do MPLA às eleições gerais angolanas, procurando em passar a mensagem que o MPLA continua a ser Angola e que Angola continua a ser do MPLA. Na altura marcaram presença também Marcolino Moco e Fernando Heitor.
Numa intervenção de poucos minutos, e depois de ambos entrarem lado a lado no comício que encerrou os grandes actos de massa da campanha eleitoral do regime/Estado/MPLA, José Eduardo dos Santos, chefe de Estado, Titular do Poder Executivo e presidente do partido, justificou a presença com o objectivo de “reiterar” o “apoio pessoal” a João Lourenço, a convicção na vitória eleitoral e apelando ao voto.
“Será eleito o próximo Presidente da República de Angola”, afirmou José Eduardo dos Santos, sobre João Lourenço, numa breve intervenção e não ficando na tribuna para assistir ao discurso que se seguiu do cabeça-de-lista.
“É grande a responsabilidade que me colocam sobre os ombros”, disse, por seu turno, João Lourenço, na mesma intervenção, perante (segundo a Lusa) dezenas de milhares de pessoas, dirigindo-se a José Eduardo dos Santos.
“Digam ao nosso líder que estamos com ele para sempre”, ouvia-se, pouco depois, pela voz do speaker de serviço, incentivado o público presente na zona do Camama, arredores de Luanda.
Após meses de especulações sobre a sucessão, o chefe de Estado e presidente do partido anunciou a 3 de Fevereiro de 2017, em reunião do Comité Central do MPLA, que não seria recandidato ao cargo nas eleições gerais desse ano, deixando assim o poder ao fim de 38 anos de um consulado para o qual nunca foi nominalmente eleito.
Nessa reunião, José Eduardo dos Santos anunciou que tinham sido aprovados pelo partido os nomes de João Lourenço, para cabeça-de-lista do partido e concorrendo assim ao cargo de Presidente da República, e Bornito de Sousa, como número dois e candidato à eleição para vice-Presidente.
“A nossa marca de campanha estará no boletim de voto, como foi no passado: É a bandeira do MPLA e a cara do nosso candidato a Presidente da República. Estes símbolos devem ter uma grande divulgação no seio do povo, rumo à nossa vitória”, declarou ainda José Eduardo dos Santos, referindo-se a João Lourenço.
Na pré-campanha que João Lourenço, José Eduardo dos Santos não marcou presença em qualquer acto com o candidato do MPLA, o mesmo acontecendo na campanha eleitoral.
Desde 3 de Fevereiro, e por entre algumas deslocações a Barcelona, Espanha, onde segundo o ministro das Relações Exteriores, Georges Chikoti, recebia habitualmente tratamento médico, José Eduardo dos Santos não mais se referiu, publicamente e de qualquer forma a João Lourenço. Já era tarde…
A única excepção aconteceu a 25 de Julho, apenas para o chefe de Estado conceder, por despacho, dispensa de serviço, enquanto ministros e candidatos a Presidente e vice-Presidente e conforme decorre da lei eleitoral, a João Lourenço e Bornito de Sousa.
Nem Marcolino Moco faltou…
E porque José Eduardo dos Santos estava presente neste comício de 19 de Agosto de 2017, por lá apareceram velhos e novos convertidos ao regime, casos de Marcolino Moco e Fernando Heitor, um ex-UNITA que graças ao excelente olfacto que tem cheirou um novo tacho na mesa do MPLA. Chegou onde queria, mas foi manado borda fora logo a seguir.
Só em ditadura, mesmo que legitimada pelos votos comprados a um povo que quase sempre pensa com a barriga (vazia) e não com a cabeça, é possível estar tantos anos no poder. Em qualquer estado de direito democrático tal não seria possível.
Aliás, e Angola não foge infelizmente à regra, África é um alfobre constante e habitual de conflitos armados porque a falta de democraticidade obriga a que a alternância política seja conquistada pela linguagem das armas. Há obviamente outras razões, mas quando se julga que eleições são só por si sinónimo de democracia está-se a caminhar para a ditadura.
Com Eduardo dos Santos passou-se exactamente isso. A guerra legitimou tudo o que se consegue imaginar de mau. Permitiu ao actual presidente perpetuar-se no poder, tal como como permitiu que a UNITA dissesse que essa era (e pelo que se vai vendo até parece que tinha razão) a única via para mudar de dono do país.
É claro que, é sempre assim nas ditaduras, o povo foi sempre e continua a ser (as eleições não alteraram a génese da ditadura, apenas a maquilharam) carne para canhão.
No entanto, a típica hipocrisia das grandes potências ocidentais, nomeadamente EUA e União Europeia, ajudou a dotar José Eduardo dos Santos com o rótulo de grande estadista. Rótulo que João Lourenço foi célere a retirar-lhe. Essa opção estratégica de norte-americanos e europeus tem, reconheça-se, razão de ser sobretudo no âmbito económico.
É muito mais fácil negociar com um regime ditatorial (do MPLA, no caso) do que com um que seja democrático. É muito mais fácil negociar com alguém (João Lourenço) que, à partida, se sabe que irá estar na cadeira do poder durante muitos anos, do que com alguém que pode ao fim de um par de anos ser substituído pela livre escolha popular.
Reconheça-se, entretanto, a estatura política de José Eduardo dos Santos, visível sobretudo a partir do momento em que deixou de poder contar com Jonas Savimbi como bode expiatório para tudo o que de mal se passava em Angola.
Desde 2002, o presidente de Angola tem conseguido fingir que democratiza o país e, mais do que isso, conseguiu (embora não por mérito seu mas, isso sim, por demérito da UNITA) domesticar completamente todos aqueles que lhe poderiam fazer frente. Já João Lourenço não tem necessidade de fingir. Assume que é dono do país. Está, contudo, em ser dono do MPLA. Os marimbondos têm-se multiplicado e podem causar estragos.
Acresce, e nisso os angolanos não são diferentes de qualquer outro povo, que continua válida a tese de que “se não consegues vencê-los junta-te a eles”. Não admira por isso que José Eduardo dos Santos tivesse enquanto detentor do poder cada vez mais fiéis seguidores. O mesmo se está a passar com João Lourenço. No entanto, a estratégia de “assassinar” o “pai” pode levar a que o tiro lhe saia pela culatra.
É claro que, enquanto isso, o Povo continua a ser gerado com fome, a nascer com fome, e a morrer pouco depois… com fome. E a fome, a miséria, as doenças, as assimetrias sociais são chagas imputáveis ao Poder. E quem está no poder há 46 anos é o MPLA…
Até um dia, como é óbvio. Pensou-se que poderia ser a 23 de Agosto de 2017. Mas não. Apenas mudaram algumas moscas. Poderá, contudo, ser em 2022. Desde logo porque há muitos marimbondos dispostos a dar uma ajuda ao “Galo Negro”.
Folha 8 com Lusa