Covid, tuberculose, malária, fome…

Angola está entre os 16 países do mundo com maior impacto da Covid-19 sobre a tuberculose, estimando-se que a mortalidade possa aumentar até 20% em 2021, face ao ano passado, segundo um relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS). No que é mau estamos sempre no top.

Segundo o Relatório Global da Tuberculose, hoje divulgado, em 2020 morreram mais pessoas com a doença infecciosa do que no ano anterior.

“Aproximadamente 1,5 milhões de pessoas morreram de tuberculose”, com aumento do número de mortes “sobretudo nos 30 países” com índices mais elevados de tuberculose, entre os quais Angola, Brasil, China, Índia, Indonésia, Moçambique, Nigéria ou África do Sul.

Simultaneamente, acrescenta a OMS, “muito menos pessoas foram diagnosticadas” com a doença – de 7,1 milhões em 2019 para 5,8 milhões em 2020 -, tendo o número de pessoas com acesso a tratamento preventivo baixado 21% em relação a 2019.

Angola está entre os 16 países que mais contribuíram para a subnotificação da doença, num grupo liderado pela Índia, Indonésia e Filipinas e onde o país lusófono aparece na 11.ª posição.

“A redução substancial no número de casos de tuberculose detectados e reportados entre 2019 e 2020 reflecte, provavelmente, perturbações tanto a nível da oferta como da procura de serviços de tratamento e diagnóstico da tuberculose”, indica o relatório.

Entre estas “perturbações” estão a redução da capacidade dos serviços de saúde para continuar a disponibilizar tratamentos, menos disponibilidade e possibilidade de procurar cuidados num contexto de confinamento e restrições à circulação de pessoas, preocupações quanto ao risco de se deslocar às unidades de saúde em tempo de pandemia e o estigma associado à semelhança dos sintomas entre tuberculose e Covid-19.

Neste cenário, a OMS prevê que os impactos negativos a nível de mortalidade e incidência da tuberculose neste grupo de países irão ser muito piores em 2021 e 2022, esperando-se maior impacto a nível de mortalidade em 2021 e a nível de incidência em 2022.

No caso de Angola é esperado um aumento de 20% em 2021 face às taxas de mortalidade registadas em Janeiro de 2020, descendo para 10% em 2022 e continuando a reduzir-se até 2025, mas ainda assim acima dos níveis de 2020.

Em Angola, a tuberculose é a terceira causa de morte, depois da malária e dos acidentes de viação com uma incidência de 351 casos por 100.000 habitantes

Os últimos dados, divulgados pela agência de notícias angolana, ANGOP, indicam que o número de pacientes com tuberculose em Angola caiu de 78.305, em 2019, para 65.821, em 2020, representando uma redução de 12.484 casos.

A OMS constatou ainda, no seu relatório, uma diminuição da despesa com serviços essenciais relacionados com a tuberculose, a doença infecciosa mais mortífera a seguir à Covid-19.

“Em muitos países, recursos humanos, financeiros e outros foram realocados para a resposta à Covid-19”, observa a organização, considerando que “o principal desafio” abarca a interrupção no acesso a serviços de controlo da tuberculose e a redução dos recursos.

A tuberculose é uma doença grave, mas curável, transmitindo-se principalmente por via aérea, através da inalação de gotículas expelidas pela pessoa doente quando tosse, fala ou espirra.

Tuberculose? Malária? Pois…

Não há muito tempo, o director do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), Filomeno Fortes, disse que doenças como a tuberculose estavam a ficar descontroladas e pediu esforços conjuntos da Europa, União Africana e CPLP na luta contra a sindemia em África.

“Talvez fosse importante que a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), a presidência de Portugal na União Europeia (UE) e a União Africana (UA) se pudessem juntar, em algum momento, para criarem uma `task force` por causa da situação em África”, disse na altura Filomeno Fortes.

O médico angolano falava, em entrevista à agência Lusa, quando passava um ano desde que a pandemia de Covid-19 foi declarada.

“Isto já não é uma pandemia, é uma sindemia. Os casos de malária têm estado a aumentar, os casos de tuberculose estão a ficar descontrolados, a situação do VIH Sida está bastante complicada, os doentes não fazem tratamento e o confinamento tem estado a favorecer até a transmissão do vírus do VIH Sida”, disse.

A sindemia resulta da acção conjunta de duas ou mais doenças e de um ou mais problemas sociais ou económicos, que provoca o agravamento global do estado de saúde ou da estrutura socioeconómica de determinada população.

Por outro lado, apontou, as coberturas de vacinas “reduziram-se de forma drástica” e o seguimento de grávidas e crianças “está debilitado”.

De acordo com Filomeno Fortes, a isto junta-se a situação social e económica que tem estado a agravar malnutrição e de outros problemas ligados à saúde.

Fazendo um balanço dos impactos da pandemia de Covid-19 nos países africanos lusófonos, o médico angolano mostrou-se satisfeito pelo facto de algumas das preocupações iniciais relacionadas com a fragilidade dos sistemas de saúde e dos mecanismos de vigilância epidemiológica não se terem concretizado.

“À excepção de Moçambique, Angola, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau não tiveram, até ao momento, grande incidência de casos e a letalidade também não foi assim tão elevada”, considerou.

Para isso terão contribuído, segundo o médico, as medidas precoces de fecho de fronteiras e de vigilância epidemiológica, a média etária da população, bem como as temperaturas no continente.

“Todos estes factores fizeram com que os nossos países não tivessem explosões de casos”, disse.

No caso de Moçambique, Filomeno Fortes considerou que o país conseguiu, logo de início, uma boa capacidade de resposta, tendo desenvolvido rapidamente a capacidade de rastreio e de diagnóstico.

A proximidade com a África do Sul e a mobilidade na fronteira, as catástrofes naturais que têm atingido o país e a violência dos grupos armados “fizeram com que Moçambique apresente actualmente um padrão epidemiológico completamente diferente de outros países”, disse.

Os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) contaram com o apoio do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), nomeadamente através de sessões de esclarecimento e discussão científica dos aspectos ligados à pandemia, como o uso de máscaras ou a promoção da segurança dos profissionais de saúde.

O organismo deu igualmente apoio à criação de laboratórios para diagnóstico com PCR, mobilizando equipamento, mas também fazendo formação de técnicos.

Foram também promovidos projectos comuns de investigação, decorrendo actualmente estudos sobre as novas variantes em circulação, bem como testagem de anticorpos em países como Angola, Moçambique e Cabo Verde.

No caso concreto das vacinas destinadas a África, Filomeno Fortes considerou que “do ponto de vista logístico” são “uma insignificância muito grande”.

“Não temos garantido mais de 15 por cento de abastecimento logístico dessas vacinas para os nossos países, o que significa que temos de procurar alternativas quer com a China quer com a Rússia”, disse.

O médico adiantou que “já está comprovado que a vacina da Rússia é eficaz”, inclusive para as novas mutações identificadas na África do Sul, Brasil ou Reino Unido.

“Os 70 por cento de vacinas que estão a ser produzidas neste momento a nível mundial vão cobrir apenas 13 a 16 por cento da população mundial. A população em África, parte do Sudeste Asiático e da América Latina, neste momento, está com promessas entre 10 e 20 por cento de fornecimento de vacinas”, disse.

Artigos Relacionados

Leave a Comment