Angola registou, nos últimos dois anos, 3,8 milhões de pessoas, no âmbito de um programa governamental de massificação do registo de nascimento e atribuição e bilhetes de identidade, anunciou hoje o ministro da tutela. Destes 3,8 milhões, cerca de 4 milhões devem ser militantes do MPLA…
Segundo o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos de Angola, Francisco Queiroz, que fazia o balanço do Programa de Massificação do Registo de Nascimento e Atribuição do Bilhete de Identidade, de Junho a Julho deste ano foram registadas 550.844 pessoas em todo o país e atribuídos, pela primeira vez, 280.013 bilhetes de identidade. Tanto quanto se sabe, o Governo não divulgou quantos cartões de membros do MPLA foram entregues conjuntamente com o Bilhete de Identidade.
Francisco Queiroz salientou que, de Novembro de 2019, data de arranque do programa, a Julho deste ano, foram também emitidos, pela primeira vez, 1,9 milhões de bilhetes de identidade.
O governante referiu que o número alcançado até à data “ainda está longe das metas preconizadas”, ou seja, 5.276.049 registos de nascimento e 4.282.531 bilhetes de identidade, pelo que a equipa deve continuar “a trabalhar árdua e incansavelmente”.
Sobre o problema de centenas de bilhetes de identidade que se encontravam por levantar, situação que preocupava o Governo, Francisco Queiroz anunciou a “boa notícia”, porque o número passou dos cerca de 750 mil documentos de identificação para 203 mil.
O titular da pasta da Justiça e dos Direitos Humanos manifestou-se “seriamente preocupado” com os furtos de equipamentos que se têm registado em algumas províncias.
“A polícia tem feito o seu trabalho para identificar os criminosos e recuperar alguns bens roubados”, salientou Francisco Queiroz, apelando aos delegados provinciais e suas equipas de trabalho para que redobrem a vigilância e adoptem medidas preventivas para evitar os furtos.
O governante enquadrou estes furtos num âmbito político, por parecer “alguma sabotagem”, que deve ser identificada e combatida.
O ministro da Justiça e dos Direitos Humanos anunciou que vão ser adquiridos novos equipamentos para o sector, designadamente 15 milhões de cartões brancos e 500 malas (kits) de recolha de dados biométricos e biográficos.
De acordo com Francisco Queiroz, o executivo aprovou um Plano de Expansão do Programa de Atribuição do B.I. na diáspora e no interior do país, para o registo eleitoral dos cidadãos residentes no exterior e a conclusão do programa de massificação em curso até 2022. Entre os novos equipamentos a serem adquiridos, acrescentou o ministro, constam igualmente viaturas.
A orgia de gozar com o Povo
Estávamos em Setembro de… 2014. Uma comissão envolvendo onze ministérios iria estudar formas de “massificar” o acesso da população ao registo de nascimento e à emissão do Bilhete de Identidade, segundo um decreto presidencial.
À cabeça deste organismo estaria o então ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Rui Mangueira que, em 2013, tinha anunciado uma campanha de três anos, para promover o registo civil gratuito da população, tendo como meta atingir oito milhões de cidadãos angolanos.
A criação desta comissão interministerial, refere o decreto presidencial, que entrou em vigor de no dia 5 de Setembro de… 2014, visava nomeadamente “fazer face ao actual problema de acesso ao registo de nascimento, identificar os constrangimentos e melhorar o sistema de registo de nascimento”.
A falta de informação sobre o registo civil, as dificuldades logísticas, de pessoal e as grandes distâncias que a população tem de percorrer para aceder a estes serviços são factores de constrangimento relatados publicamente.
A análise das condições de funcionamento dos órgãos responsáveis pelo registo de nascimento e pela emissão do BI, “avaliando as suas estruturas, o quadro de pessoal, a capacidade de deslocação, os equipamentos e os sistemas de informação e de fiscalização”, serão competências da Comissão Interministerial, que estaria em funções até Setembro de 2017.
“Criar condições para melhorar o sistema actual de registo de nascimento e de emissão do Bilhete de Identidade, através da sua expansão a todo o território nacional e da sua implementação nas unidades de saúde”, lê-se ainda no decreto.
Para além do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, a comissão envolveu ainda os ministérios da Defesa, Interior, Finanças, Administração do Território, Planeamento e Desenvolvimento Territorial, Assistência e Reinserção Social, Saúde, Telecomunicações e Tecnologias de Informação, Comunicação Social e Relações Exteriores e teria de apresentar resultados trimestralmente ao então Presidente José Eduardo os Santos.
Ao contrário da emissão do cartão de militante do MPLA, que do ponto de vista da funcionalidade prática do quotidiano vale mais do que o BI, já que este nos coloca todos em pé de igualdade e o primeiro separa os angolanos de primeira dos outros, não é fácil obter o Bilhete de Identidade.
Mas o BI é mais uma extensão do cartão do partido do que qualquer outra coisa. Essa estratégia de culto ao chefe que levava o país a ter no Bilhete de Identidade de Cidadão Nacional, as efígies de Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos, por sinal, dois presidentes do MPLA, que foram – reconheçamos – competentemente incompetentes na criação de símbolos verdadeiramente nacionais, mostrava a incomensurável distância a que estamos de um verdadeiro Estado de Direito.
A inclusão de uma imagem dos dois dirigentes do MPLA nos Bilhetes de Identidade viola os princípios da democracia, mas como esta foi – no dizer de Eduardo dos Santos – imposta, nem tem validade para quem, por vontade própria, excluiria a efígie do primeiro presidente, tão certo está da sua eternidade que, contudo, João Lourenço fez caducar.
Para mascarar as “fotos máscaras” na banda óptica do Bilhete de Identidade, foi dado um ar de legalidade através da Lei nº 4/09, feita à medida e por medida, sobre o regime jurídico da identificação civil e da emissão do Bilhete de Identidade do cidadão nacional.
Segundo a sui generis explicação daquele que foi Director Nacional do Arquivo de Identificação Civil e Criminal, Irondino Pinheiro Muxiri, a legalidade resulta da alínea j) do nº2 do artigo 8º, da mesma Lei, onde consta que existirá no BI foto máscaras na banda óptica com representações gráficas de segurança.
Ora, na mais reaccionária e fraccionista prova do autocrático regime que por cá impera, o Ministério da Justiça, como entidade proponente, escolheu, à semelhança do que acontece nas notas do Kwanza, as fotografias do fundador da Nação, Agostinho Neto, e do actual Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, que então serviram de referência.
Na ânsia de mostrar a justeza, mas sobretudo a legalidade da decisão anacrónica que foi motivo de chacota nos países civilizados, referiu-se que o projecto-lei foi aprovado em Conselho de Ministros e motivo de ovação (consta que até foi ouvida na África do Sul) por parte dos deputados na Assembleia Nacional (do MPLA).
Assim, se o Governo do MPLA e os deputados do MPLA aprovaram a existência das foto máscaras dos dois presidentes do… MPLA, se o MPLA entendeu que Angola é do MPLA, o regime não vê razões para alterar a situação.
O Ministério da Justiça justificou que o nosso BI poderá no futuro transformar-se numa galeria de imagens (certamente estariam à época na linha de partido Isabel dos Santos bem como todos os elementos do clã presidencial), à semelhança do que acontece com o “green card”, nos EUA, onde constavam as fotos dos anteriores presidentes e, na altura, de Barack Obama.
Não dizem, contudo, que o “green card” (literalmente “cartão verde”), oficialmente United States Permanent Resident Card (“Carta de Residência Permanente nos Estados Unidos”) é um visto permanente de imigração concedido pelas autoridades daquele país e não um Bilhete de Identidade nacional.