A ADRA – Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente, organização não-governamental angolana, disse hoje que muitos angolanos continuam a manifestar dúvidas e receios sobre a implementação das autarquias locais no país, por falta de informação.
O problema foi referido pelo director-geral da ADRA, Carlos Cambuta, na abertura da Conferência Nacional sobre as Autarquias Locais e Desenvolvimento de Comunidades em Angola, realizada com o objectivo de promover um espaço de reflexão e partilha de conhecimento sobre o processo autárquico.
Angola tinha previsto várias vezes realizar as primeiras eleições autárquicas, sendo que a última previsão apontava para 2020, contudo, a intenção não se concretizou, por vários motivos, entre os quais a pandemia de Covid-19, segundo o Governo angolano. É claro que muito antes de existir a Covid já as eleições tinham sido sucessivamente prometidas e… sucessivamente adiadas.
Na sua intervenção, Carlos Cambuta disse que a ADRA está a implementar dois projectos de educação cívica autárquica, com apoios financeiros da União Europeia e da Fundação Hanns Seidel, ambos alcançando 6.335 pessoas com capacidade eleitoral, em 14 municípios das províncias do Huambo, Benguela, Bié, Cuando Cubango, Luanda e Malanje.
Segundo Carlos Cambuta, durante as sessões de educação cívica, que decorrem através de palestras, seminários, ‘workshops’, conferências municipais, simulações sobre como votar, entre outras formas, “têm-se levantado enormes questões sobre o processo de implantação de autarquias locais em Angola, sem, no entanto, merecerem respostas satisfatórias por parte de facilitadores, devido à sua complexidade”.
Carlos Cambuta enumerou questões como qual o ponto de situação sobre as autarquias no país, nomeadamente o que foi feito, o que está a ser feito, o que falta fazer, qual a calendarização conducente à implementação das autarquias locais, em que aspecto concreto os cidadãos elegíveis podem ajudar.
“Em nosso entender, estas questões demonstram, por um lado, a ansiedade e a vontade de os cidadãos participarem na construção de passos conducentes às autarquias do país, mas, por outro lado, demonstram a escassez de informação sobre o processo em curso”, referiu o director-geral da ADRA.
Para Carlos Cambuta, “esse facto não só desestimula o exercício da cidadania, como também abre espaço para especulações, o que deve ser evitado pelas implicações que elas podem provocar ao processo”.
Por sua vez, o secretário de Estado para as Autarquias Locais, Márcio Daniel, no seu discurso de abertura do evento, disse que foram já preparadas várias leis pelo executivo angolano, que foram submetidas à Assembleia Nacional, tendo já sido aprovadas algumas, todas elas por consenso, realçando o “espírito de abertura colaborativa no processo da sua aprovação”.
“Antecedeu-as um amplo processo de consulta pública, que permitiu introduzir nas propostas de lei um conjunto de atributos que derivaram directamente da contribuição dos cidadãos e da sua participação no processo da elaboração”, indicou o governante angolano em declarações emitidas pela rádio pública angolana.
Márcio Daniel salientou que, do ponto de vista das infra-estruturas necessárias para o funcionamento das autarquias locais, o executivo desembolsou através do Fundo Soberano de Angola uma quantia de dois mil milhões de dólares (1,7 mil milhões de euros) “para permitir que surgissem ao nível dos municípios um conjunto de iniciativas, seja de âmbito central seja de âmbito local, que vão dar mais vida aos municípios”.
O Presidente do MPLA (partido no Poder em Angola há quase 46 anos), também Presidente da República (não nominalmente eleito) e Titular do Poder Executivo, João Lourenço, disse o ano passado não era ainda o tempo para realizar as primeiras eleições autárquicas e prometia uma profunda renovação do partido no Congresso de 2021, ano em que a máquina eleitoral deverá estar afinada para, como sempre, dar a vitória ao… MPLA.
No discurso de comemorações dos supostos 64 anos do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), em Luanda, João Lourenço acusou alguns partidos e forças da sociedade civil de se posicionarem como se “fossem as únicas interessadas” na realização de eleições autárquicas. Tem razão. Para quê tanta pressão se já sabem que vão perder? A Oposição já se esqueceu que o “MPLA é Angola e que Angola é do MPLA”?
João Lourenço recordou que o MPLA, através do seu Grupo Parlamentar (conjunto de deputados altamente treinados para estarem sempre de acordo com o chefe, seja ele quem for), “muito tem contribuído com a aprovação das leis que fazem parte do chamado Pacote Legislativo Autárquico”, mas disse que ainda não havia condições para realizar eleições autárquicas em Angola. Só as haverá mesmo quando o MPLA tiver a certeza de que as ganha.
“Assistimos a um coro de lamentações e de manifestações pela não realização das eleições autárquicas no decorrer deste ano que agora termina (2020), como se fosse suficiente reivindicar para que elas sejam realizadas, o que não é verdade e muito menos possível”, reconheceu o líder do MPLA. Certo, Presidente. Certo. A Oposição ainda não percebeu quanto custa ter uma máquina eleitoral que consiga não só pôr os mortos a votar como garanta que esses votos são para MPLA.
“Mas nós somos um Estado Democrático de Direito, que deve assentar toda a sua acção na base da lei. O país deve instituir o poder autárquico? Sim, mas não a qualquer preço, de forma ilegal e atabalhoada, porque se o fizéssemos e o MPLA vencesse a esmagadora maioria das câmaras, temos a certeza de que seriam essas mesmas forças que de forma irresponsável dizem poder-se organizar já essas eleições, que invocariam ter havido fraude, só porque não as ganharam”, explicou João Lourenço.
Muito bem explicado. Pelos anteriores simulacros eleitorais, a Oposição (os observadores internacionais, sejam da União Europeia, da CPLP ou de qualquer outro “elefante branco” só dirão o que o MPLA autorizar) sabe que é normal, no tal “Estado Democrático de Direito” de que fala João Lourenço, haver círculos eleitorais onde aparecem mais votos do que votantes, por exemplo. Também sabe que o magnetismo extra-sensorial da máquina divina do MPLA leva até, por exemplo, os militantes da UNITA a votar no MPLA. Portanto, o melhor mesmo era evitar mais delongas, mais despesas, e declarar já a vitória total do MPLA nas eleições autárquicas que talvez um dia se realizem.
Recordando que 2021 seria o ano da realização do próximo Congresso do MPLA, João Lourenço propunha-se realizar uma “renovação superior” dos diferentes órgãos do partido, preparando assim o seu candidato para as eleições gerais de 2022. Ajoelhem-se os candidatos, munam-se de declarações médicas que atestem que lhes foi retirada a coluna vertebral e o cérebro transferido para os intestinos.
“Na composição dos nossos órgãos de Direcção, para além de prestarmos sempre particular atenção à representatividade feminina e juvenil, precisamos de atrair franjas da sociedade e grupos representativos de cidadãos que, de forma mais abrangente, reflictam melhor o mosaico étnico-cultural, empresarial e académico-científico nacional”, prometeu o líder do partido.
O antigo dirigente socialista português, João Soares, considerou poucos dias antes que as eleições gerais de 23 de Agosto de 2017 seriam uma “fraude de uma ponta à outra”, acusando o governo do MPLA de não querer um escrutínio limpo. Acertou em cheio.
“Em Angola, (as eleições) nunca foram limpas e decentes. E estas (as eleições gerais de 23 de Agosto) continuam no mesmo modelo, não há observação eleitoral internacional, não há cadernos eleitorais decentes, não há presença dos partidos de oposição nas estruturas da direcção do processo eleitoral”, acusou João Soares, que participou em várias missões internacionais, inclusivamente em África, para acompanhar votações. Nada mudará. Em equipa que ganha não se mexe.
No dia 23, “não vai haver controlo dos votos, em lado nenhum, nunca houve e vai continuar a não haver”, acusava João Soares, que foi próximo da UNITA.
Desde o processo de democratização, na década de 1990, “as eleições no país são sempre uma fraude, uma fraude equivalente à ladroagem de que aquela nomenclatura é responsável em Angola”, afirmou o antigo ministro da Cultura português, que criticou a falta de atenção dada pelos ‘media’ portugueses.
“Durante muitos anos foi um poder de partido único, num regime comunista como do leste da Europa e depois passou a ser um regime pluripartidário, com a presença de vários partidos políticos, mas nunca houve eleições legítimas e sérias”, salientou João Soares.
O MPLA tem de facto no seu ADN o fenómeno típico dos cobardes que é o de atirar a pedra e esconder a pata. Um dia destes lá vamos ver, voltar a ver, o seu Boletim Oficial (Jornal de Angola) a criticar, em editorial, o estado das relações com Portugal, aproveitando para criticar forte e feito, pelas costas, todos aqueles que em Portugal, por exemplo, teimarem em pensar primeiro nos angolanos.
É claro que, a nível político e partidário relevante, a praça portuguesa está nas mãos de João Lourenço. Do Ti Celito a Ferro Rodrigues, de António Costa a Rui Rio, passando por Jerónimo de Sousa, Catarina Martins e José Rodrigues dos Santos, todos vão à missa do novo querido líder e proprietário de Angola.
Folha 8 com Lusa