O presidente da Confederação Empresarial da CPLP, Salimo Abdula, manifestou “satisfação” por a presidência angolana da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) dar prioridade à cooperação económica e falar da criação de um banco. Na verdade, quanto mais dólares e euros existirem na gamela… melhor.
O presidente da Confederação Empresarial da CPLP (um emblemático elefante branco), Salimo Abdula, defende – por exemplo – que a Guiné Equatorial não deve ser afastada da organização e está preocupado com posições públicas de governantes sobre aquele país-membro. É muito mais fácil e rentável negociar com ditaduras do que com regimes democráticos. E o resto que se lixe.
“Tivemos uma reunião da comissão executiva da confederação e falamos sobre este assunto e, mesmo alguns elementos representantes de Portugal, mostraram-se muito preocupados por afirmações vindas de governantes de Portugal” relativamente à Guiné Equatorial, afirmou Salimo Abdula, em entrevista à Lusa em Abril de 2019.
O empresário moçambicano defendeu ainda que “a Guiné Equatorial está a precisar de se abrir à comunidade” e reforçar a sua “convivência com a Europa, com a Ásia, e outros países com mais experiência no plano democrático”.
Por isso, “fechá-los [num isolamento diplomático] só estamos a condená-los ao pior”, afirmou. E que tal oferecer, para já, o estatuto de país observador da CPLP à Coreia do Norte, por exemplo?
Na opinião de Salimo Abdula, os membros da CPLP devem ajudar os responsáveis da Guiné Equatorial “a dirimir as pequenas diferenças que possam existir, mas não [devem] abandoná-los”. Pequenas diferenças? E assim vai esse pechisbeque que dá pelo nome de CPLP.
O empresário moçambicano e presidente da CE-CPLP referia-se assim às declarações feitas por governantes de vários países da CPLP relativamente à permanência da Guiné Equatorial como estado-membro da comunidade, um país que vive há dezenas de anos sob um regime ditatorial e onde ainda existe a pena de morte. Coisa pouca, portanto. “Pequenas diferenças”, diz Salimo Abdula.
O primeiro-ministro português, António Costa, disse na altura que se a Guiné Equatorial quer permanecer na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) “tem que se rever” num “quadro comum” que não inclui a pena de morte. Disse em 2019, repetiu em 2021 e voltará a repetir nos próximos anos.
“Somos uma comunidade que assenta nos valores da liberdade, da democracia, de respeito dos direitos humanos e da dignidade de pessoa humana, que é absolutamente incompatível com a existência da pena de morte em qualquer dos países membros”, afirmou António Costa.
O primeiro-ministro luso falava aos jornalistas juntamente com o primeiro-ministro de Cabo Verde, Ulisses Correia e Silva, no final da V Cimeira Portugal-Cabo Verde, que decorreu em Lisboa. António Costa indicou que a declaração final da cimeira “refere expressamente” que a “CPLP é um espaço democrático, respeitador do Estado de direito e sem pena de morte”.
No dia 15 de Abril de 2019 o chefe da diplomacia angolana (agora novamente a presidir à “coisa”) defendeu ser necessária “alguma pressão” sobre a Guiné Equatorial, referindo que a “identidade da CPLP tem princípios inegociáveis e que a abolição da pena de morte é um deles”.
O então ministro dos Relações Exteriores de Angola, Manuel Augusto, reafirmou a posição, dizendo que o fim da pena de morte é um dos “princípios inegociáveis” da organização.
“É do interesse da Guiné Equatorial fazer parte da CPLP. É interesse dos países da CPLP ter a Guiné Equatorial no seu seio. Agora, é preciso também aqui a vontade da maioria, mas sobretudo que os princípios básicos da organização sejam respeitados”, respondeu Manuel Augusto.
A Guiné Equatorial foi aceite no seio da CPLP com a promessa de vir (provavelmente ainda durante este… século) a conformar-se com os estatutos da CPLP.
“Nós empresários, não nos vamos meter nas politiquices” considerou o presidente da CE-CPLP, lembrando, porém que a Guiné Equatorial foi admitida por uma decisão política. Assim, para Salimo Abdula ditadura e pena de morte são apenas “politiquices”.
Por isso, “não fomos nós que admitimos, mas ficamos galvanizados, porque há oportunidades para empresários da lusofonia lá”, afirmou Salimo Abdula.
Salimo Abdula tem razão. É muito mais fácil negociar com um regime ditatorial do que com um que seja democrático. É muito mais fácil negociar com alguém que, à partida, se sabe que irá estar na cadeira do poder durante toda a vida, do que com alguém que pode ao fim de um par de anos ser substituído pela livre escolha popular.
É muito mais fácil negociar com o líder de um clã que representa quase 100 por cento do Produto Interno Bruto, do que com alguém que não seja dono do país mas apenas, como acontece nas democracias, representante temporário do povo soberano.
Vergonha precisa-se, urgentemente!
Em 2016 os observadores da CPLP consideraram que as eleições presidenciais na Guiné Equatorial decorreram “de forma ordeira e pacífica” e registaram uma predominância de elementos do partido no poder. Teodoro Obiang ganhou com 98% dos votos. Que melhor prova de democracia poderia querer a CPLP?
“A votação decorreu de forma ordeira e pacífica, não havendo registo de incidentes. O acto eleitoral foi acompanhado de um visível dispositivo de segurança”, considerou a equipa de “turistas” da CPLP.
Os observadores/turistas da organização lusófona, a que a Guiné Equatorial aderiu em 2014, constataram, nas deslocações realizadas, “a predominância de elementos de campanha eleitoral do PDGE [Partido Democrático da Guiné Equatorial, no poder] face às demais candidaturas”.
Por outro lado, a equipa observou a presença de delegados do PDGE “em todas as mesas visitadas, e a presença, em menor número de mesas, de delegados de outras candidaturas”.
“O dia eleitoral decorreu conforme os procedimentos operacionais previstos para o efeito, designadamente no Manual de Instrução para os Membros das Mesas” e, “nos locais visitados, os membros das mesas de voto demonstraram o necessário conhecimento sobre os procedimentos a seguir, o mesmo acontecendo com a generalidade dos eleitores”, descreveu a missão de acompanhamento.
Os observadores verificaram ainda que as mesas visitadas “dispunham do material necessário ao seu bom funcionamento e ao exercício do voto por parte dos eleitores”.
Segundo a CPLP, a acção da equipa “foi condicionada pela chegada tardia ao país, o que não permitiu o acompanhamento do ciclo eleitoral, designadamente do período de campanha, nem assegurar a cobertura da parte continental do território nacional”. O então secretário executivo da comunidade, Murade Murargy, disse que tal se deveu a constrangimentos financeiros.
Por outro lado, acrescentava a nota da missão de acompanhamento, não foram disponibilizadas listas das mesas de voto em tempo útil, o que “não permitiu a identificação atempada dos locais de acompanhamento do ato eleitoral”.
A missão decorreu a convite das autoridades da Guiné Equatorial e a equipa é foi chefiada pelo então representante permanente de Timor-Leste junto da CPLP, embaixador Antonito de Araújo, integrando ainda diplomatas das representações de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe e elementos do secretariado-executivo.
Recorde-se que, segundo Domingos Simões Pereira, então Secretário Executivo da CPLP, o processo de adesão da Guiné Equatorial à CPLP consistia em:
“Por um lado, a Guiné-Equatorial já está cumprindo com a aprovação da língua portuguesa, como língua oficial. Mas também há princípios que têm a ver com o exercício democrático no país, com uma maior abertura, com os direitos humanos. Há todo um conjunto de princípios no país que nós achamos que têm que ser respeitados”.
Era, na altura, uma tentativa, vã e coxa, de querer dar credibilidade à CPLP.
É evidente que a entrada da Guiné Equatorial na CPLP “não vai mudar nada no regime de Teodoro Obiang” (onde está a novidade?), afirmou já em Julho de 2010 à Agência Lusa um dos líderes da oposição em Malabo.
“Obiang está no poder desde 1979 e vai continuar a violar os direitos humanos, a torturar e a prender”, declarou Celestino Bacalle, vice-secretário geral da Convergência para a Democracia Social (CPDS).
“Nada mudou na ditadura nestes anos todos nem vai mudar com a entrada na CPLP. Quem muda são os que antes criticavam a situação na Guiné Equatorial e agora são convencidos pelo dinheiro, pelo petróleo e pelos negócios”, acusou o número dois da maior plataforma da oposição equato-guineense.
“Hoje, os que tinham uma posição crítica sobre a ditadura de Obiang mudam de posição depois de visitarem Malabo”, ironizou o dirigente da oposição, responsável pelas relações políticas internacionais da CPDS.
“A adesão à CPLP não nos surpreende. A candidatura era previsível, na linha do que Obiang tem feito com outras organizações internacionais. Ele quer mostrar ao povo guineense que o dinheiro pode comprar tudo o que ele quiser. O pior é que tem razão”, denuncia o dirigente da CPDS.
“Obiang está a conseguir que as portas se abram em todo o lado para o regime. Apoiam-no agora para ter o nosso petróleo mais tarde”, sublinhou.
“O que constatamos é que África avança a três velocidades, não a duas. Há uma África dos países que já atingiram a democracia, há outra dos países que estão a caminho de atingir esse objectivo e depois há o grupo da Guiné Equatorial, onde assistimos a um retrocesso”, afirmou Celestino Bacalle.
“A Guiné Equatorial faz parte do pior de África, mas isso não interessa a quem fica convencido pelas promessas de negócios”, acrescentou o líder da oposição.
“É uma vergonha para muitos governos africanos que fecham os olhos ao que se passa na Guiné Equatorial”, uma crítica que, diz Celestino Bacalle, “serve também para o Governo português”.
“Obiang não admite influência de ninguém porque não tem essa humildade. Quanto à promessa que ele fez de declarar o português como língua oficial da Guiné-Equatorial, vai acontecer o mesmo que aconteceu ao francês: é língua oficial há muitos anos e quase ninguém fala entre a população”, conclui o dirigente da oposição.
Obiang, como aliás os angolanos, sabe que o que hoje é verdade para os governos da CPLP amanhã pode ser mentira. Também sabe, tal como José Eduardo dos Santos, que ontem era bestial mas que hoje é uma besta.
Obiang, que a revista norte-americana “Forbes” já apresentou como o oitavo governante mais rico do mundo, e que depositou centenas de milhões de dólares no Riggs Bank, dos EUA, tem sido acusado de manipular as eleições e de ser altamente corrupto.
Obiang, que chegou ao poder em 1979, derrubando o tio, Francisco Macias, foi agora reeleito (isso é que é democracia) com 98 por cento dos votos oficialmente expressos (também contou, como em Angola, com os votos dos mortos), mantendo-se no poder graças a um forte aparelho repressivo, do qual fazem parte os seus guarda-costas marroquinos.
A Amnistia Internaciona (AI) diz que no país do Presidente Teodoro Obiang ainda se registam “vários casos de detenções e reclusões arbitrárias por motivos políticos”, que normalmente ocorrem “sem que a culpa dos detidos seja formada e formalizada”, e sem que haja “um julgamento justo”.
“Tais práticas não constituem apenas violação dos padrões internacionais de Direitos Humanos aplicáveis às regras processuais policiais, penais e jurisdicionais, mas constituem também forma grave de restrição à liberdade de expressão”, afirma a AI.
As “fortes restrições à liberdade de expressão, associação e manifestação”, os “desaparecimentos forçados de opositores ao Governo”, os “desalojamentos forçados” e a existência de “tortura e outros maus-tratos perpetrados pelas forças policiais” são outras das preocupações expressas pela AI referentes à Guiné Equatorial.
Por outro lado, a AI destaca que “60 por cento” da população da Guiné Equatorial vive “abaixo do limiar da pobreza”, ou seja, com “menos de um dólar americano por dia”, apesar dos “elevados níveis de crescimento económico do país, da elevada produção de petróleo e de ser um dos países com o rendimento per capita mais elevado do mundo”.
Atente-se, contudo, no que dizia o moçambicano Tomaz Salomão, então secretário executivo da SADC (Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral): “São ditadores, mas pronto, paciência… são as pessoas que estão lá. E os critérios da liderança da organização não obrigam à realização de eleições democráticas”.