Certificado para Astrazeneca de origem indiana? O MPLA resolve…

O embaixador português em Luanda, Pedro Pessoa e Costa, admitiu hoje estar preocupado com a situação dos portugueses vacinados em Angola com a vacina Astrazeneca produzida na Índia que as autoridades europeias não têm certificado.

“A Astrazeneca deveria ser igual tanto a produzida na Índia como noutros sítios”, porque este é “um combate de todos”, afirmou aos jornalistas Pedro Pessoa e Costa, durante o início da administração das vacinas trazidas por Portugal na quinta-feira pela comitiva do Presidente português, que esteve presente na Conferência de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

Em Angola vivem milhares de portugueses e estão a ser abrangidos pelos programas estatais de vacinação do país, que administra as vacinas da Pfizer, Astrazeneca, Sinovac e a Sputnik B, estas duas últimas não reconhecidas pela Autoridade Europeia do Medicamento (EMA, sigla em inglês)

Trata-se de “uma situação que temos vindo a acompanhar”, explicou o embaixador.

As vacinas Astrazeneca distribuídas ao abrigo da iniciativa Covax (um pacote mundial de oferta aos países mais pobres) têm origem em fábricas indianas e vários países europeus já levantaram questões sobre a sua certificação.

Esta situação está a dificultar o reconhecimento da Astrazeneca pelas autoridades portuguesas. “Aos poucos estamos a trabalhar nesse acesso ao certificado”, afirmou o diplomata, que preferiu destacar a distribuição universal de vacinas em Angola, independentemente das nacionalidades.

“Esta é uma luta que deve ser de todos: o que interessa é a vacinação. Para a comunidade portuguesa, que teve um tratamento igual a todos os outros” angolanos, uma “generosidade” saudada por Pedro Pessoa e Costa.

Já quanto ao reconhecimento das vacinas chinesas e russa, Sinopharm e Sputnik, administradas aos portugueses, Pedro Pessoa e Costa reconheceu que esse é um problema mais difícil de resolver.

“Terá de ser feito um trabalho com as autoridades de saúde portuguesa e com a agência europeia que é quem faz a certificação das vacinas”, explicou.

Tendo em consideração os vasos comunicantes entre o Governo português e o MPLA, a situação será com certeza resolvida a contento. Esta será certamente uma questão que Pedro Pessoa e Costa deverá abordar, presume-se em breve, com a vice-presidente do MPLA, Luísa Damião, partido no poder vai para 46 anos, com quem – aliás – abordou recentemente a relação bilateral entre os dois países, tendo na altura reiterando a contribuição do Governo português com vacinas contra a Covid-19 para o país.

Por outras palavras, o interlocutor do Governo português é o MPLA e não o Governo, embora na prática seja uma e a mesma coisa.

Pedro Pessoa e Costa, que falava no final do encontro com Luísa Damião, vice-presidente do MPLA, disse que foram passados em revista aspectos da relação bilateral (PS/MPLA? Governo de Lisboa e de Angola?), aproveitando também para felicitar as autoridades angolanas sobre o esforço que tem vindo a fazer no combate à pandemia de Covid-19.

O diplomata português frisou que realçou igualmente o esforço que é feito e tem vindo a ter resultados no combate à corrupção, que deve ser entendido como de todos, para que haja reformas e Angola seja cada vez mais uma referência no continente africano e no mundo.

Para Pedro Pessoa e Costa, a corrupção tem que ser cada vez mais entendida como algo que hipoteca o presente de muita gente.

“Tive a oportunidade de falar também sobre o tema da vacinação, sobre a importância da vacina e que este processo de vacinação seja cada vez mais democrático e disse que Portugal reitera o seu compromisso com a atribuição aos PALOP [Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa] de 5% das vacinas que adquire, o que significa cerca de um milhão de vacinas Covid-19 para os PALOP e Timor-Leste”, afirmou.

Segundo o embaixador português, a cooperação bilateral entre os dois países (pelo exemplo dado será mais entre PS e MPLA) é “muito especial, de grande cumplicidade, de grande amizade, e que vai mais além da relação entre governos, entre países, é uma relação de povo”.

Pedro Pessoa e Costa admitiu que a pandemia de Covid-19 teve um impacto negativo nas relações comerciais, contudo, as empresas portuguesas continuaram presentes no mercado angolano.

“As empresas portuguesas não vêm ao mercado angolano, as empresas portuguesas estão no mercado angolano, com os angolanos, fazem verdadeiras parcerias, capacitação de talento angolano, o que faz toda a diferença nesta relação”, sublinhou.

Portugal? PS. Angola? MPLA

O MPLA pertence à Internacional Socialista (IS). O português PS também. Os socialistas portugueses, mau grado uma ou outra voz discordante, continuam na posição em que mais gostam de estar e que, aliás, parece estar no seu ADN: de cócoras perante as ditaduras ricas de África, neste caso perante o dono de Angola que, agora, até preside à CPLP.

E assim sendo, não se cansa de elogiar o MPLA, mesmo sabendo que o regime está no topo dos mais corruptos e violadores dos direitos humanos, entre outras “qualidades”, atribuindo-lhe os méritos de uma não só boa como exemplar governação. E se o PS o diz…

Não fosse o drama do Povo e até seria uma anedota simpática. Não deixa, contudo, de ser uma eficiente operação de branqueamento.

“A Internacional Socialista segue com muita atenção e satisfação os progressos de Angola e reconhece que os avanços são reflexos da boa governação do partido no poder”, já dizia em Março de 2017 o então secretário do bureau político do Comité Central do MPLA para as relações internacionais, Julião Mateus Paulo “Dino Matrosse”, adiantando que a organização estava muito satisfeita com o trabalho do MPLA de uma forma geral.

O também, na altura, secretário-geral do MPLA, referiu, entretanto, que os membros da Internacional Socialista destacaram positivamente a organização e estruturação do seu partido, o que o anima a continuar a trabalhar com a mesma determinação e fortalecer-se cada vez mais. O que significa trabalhar para os (seus) poucos que têm milhões, esquecendo os milhões que têm pouco ou… nada.

No regime político português, o MPLA colhe apoios na (quase) totalidade do espectro partidário. Desde o Partido Comunista, de quem recebeu o poder aquando da independência, à ex-maioria governamental, social-democrata e democrata cristã. Está ainda fortemente irmanado com o Partido Socialista, seu parceiro na Internacional Socialista, bajulador de primeira linha e invertebrado há longos anos.

Recorde-se que, por exemplo, José Eduardo dos Santos, também à época líder do MPLA, foi recebido com honras militares no Palácio do Eliseu, em Paris, pelo homólogo francês e camarada na Internacional Socialista, François Hollande.

A visita, doze anos depois do caso “Angolagate”, relançou a cooperação socialista na estratégia de limpeza de imagem e de branqueamento de um regime politicamente moribundo mas economicamente pujante.

François Hollande e o seu Partido Socialista estavam apenas interessados que as petrolíferas francesas, entre outras empresas, regressassem rapidamente e em força a Angola, do que em se preocupar com os valores éticos em que se baseia a própria França. Paris achava, à luz desses valores éticos e apesar de ter engavetado o socialismo, que Eduardo dos Santos era uma besta. Mas quando olhava para a economia, substituía a palavra besta por bestial. Hoje com João Lourenço passa-se o mesmo.

Só por mero desconhecimento dos elogios da IS ao MPLA é que a organização não-governamental Corruption Watch condenou a decisão da Suíça de não reabrir o caso “Angolagate”, uma decisão que punha em causa a vontade das autoridades suíças de acabar com o crime financeiro.

“Obviamente, tanto nós, Corruption Watch, no Reino Unido, como a Associação Mãos Livres, em Angola, estamos extremamente desapontados e surpresos perante esta decisão”, disse na altura o seu director, Andrew Feinstein.

Recorde-se que, em Abril de 2013, um relatório intitulado “O acordo corrupto de dívida Angola-Rússia” serviu de base a uma denúncia penal, depois descartada pelo Ministério Público suíço, que considerava que esta denúncia [de cidadãos angolanos e da Corruption Watch] não apresentava nenhum elemento novo que justifique uma reabertura do procedimento”.

A razão foi, contudo, outra. Tudo se deveu ao facto de o caso criar uma série de dificuldades em relação a informações adicionais sobre correntes de dinheiro que podiam estar (como mais tarde se confirmou) ligadas à corrupção através de contas bancárias suíças.

Apesar de o Ministério Público suíço alegar a inexistência de novos elementos que justifiquem a reabertura do processo, a Corruption Watch garantia que foram apresentadas questões que não estavam disponíveis na altura dos mais recentes procedimentos penais do Ministério Público de Genebra, em 2010.

Aliás, um dos protagonistas do “Angolagate” terá aberto contas bancárias em Chipre, através das quais fez elevadas transferências de dinheiro, desconhecidas tanto pelo tribunal de Genebra como pelos seus próprios parceiros de negócio, que o terão processado duas vezes fora da Suíça.

Relembre-se que, por exemplo, o partido fundado por Hosni Mubarak no Egipto, durante décadas no poder, estava integrado na Internacional Socialista, sendo por isso, como já em 2011 lembrava o especialista angolano Eugénio Costa Almeida, “interessante ver como muitos partidos ditos democráticos, mas com práticas bem autocratas e ditatoriais e no poder há muitos anos, alguns há mesmo mais de vinte anos, são aliados ou associados da Internacional Socialista.”

Angola é uma ditadura? Formalmente não, de facto sim. Mas o que é que isso importa à Internacional Socialista no geral e ao Partido Socialista de Portugal, em particular? A esta organização – como à CPLP, à UA, à ONU – só interessa saber se tem petróleo. Se tem, e tem muito, coisas menores como os direitos humanos, a democracia, a liberdade, a cidadania, a justiça social são mesmo isso – menores.

Folha 8 com Lusa

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