O MPLA, partido no poder em Angola há 45 anos, enalteceu hoje a “coragem e convicção demonstradas” pelo seu Presidente, João Lourenço, na gestão do que considera “tão sensível processo” que envolve responsáveis da Casa de Segurança do chefe de Estado.
O secretariado do Bureau Político do Comité Central do MPLA, em comunicado tornado público hoje, “encoraja” igualmente João Lourenço a “permanecer firme na liderança do combate sem tréguas à corrupção, à impunidade e ao nepotismo”. Para os camaradas do MPLA, no poder desde 1975, as acções em curso visam a “moralização da sociedade”.
O combate à corrupção, à impunidade e ao nepotismo constituem alguns das bandeiras da governação de João Lourenço, também presidente do MPLA, há quase quatro anos no poder.
Hoje, na sua décima reunião ordinária orientada pela vice-presidente do partido, Luísa Damião, o Comité Central do MPLA saudou igualmente João Lourenço pela mensagem dirigida à nação sobre as “execuções sumárias” de 27 de Maio de 1977, ordenadas por Agostinho Neto – o único herói nacional, segundo o MPLA – “solidarizando-se com o seu conteúdo”.
Entretanto, a UNITA, partido da oposição que o MPLA ainda permite em Angola, considerou hoje que o “esquema de corrupção” que envolve o major Pedro Lussaty, ligado à Casa de Segurança da Presidência da República, configura a “fragilidade do sistema de segurança” de João Lourenço e do “Estado angolano em geral”.
Para Álvaro Chicuamanga, secretário-geral da UNITA, o “caso Lussaty” demonstra o “nível de gravidade” que atingiu o problema da corrupção em Angola”.
“Por não ser normal que um oficial, naquela patente, e nem que fosse general tenha tanto dinheiro que pode até superar o orçamento de muitos Estados”, afirmou hoje, Álvaro Chicuamanga.
A “nossa impressão é que o problema é grave”, mas, realçou, “é difícil entender que apenas um major tenha abocanhado aquele dinheiro todo para as suas malas e carros, é um processo que está a ser investigado”.
“Que a justiça faça o seu trabalho e tragam ao público a conclusão real da situação se é mesmo ele que desviou ou é apenas um testa-de-ferro de personalidades que estão por detrás deste escândalo”, notou.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) angolana anunciou na passada semana a detenção do major Pedro Lussaty, ligado à Casa de Segurança do Presidente da República angolana, encontrado em posse de milhões de dólares, kwanzas e euros guardados em malas e caixotes.
O major Pedro Lussaty é, ainda, dono de 45 imóveis, dos quais uma penthouse no Talatona, cinco apartamentos em Lisboa, um apartamento na Namíbia; dois iates de luxo, dezanove malas abarrotadas de dólares, euros e kwanzas, duas dezenas de relógios de luxo revestidos de diamantes e ouro rosa e quinze viaturas topo de gama e comprovativos de avultadas e ilegais transferência bancárias para fora do país.
Mais de 10 oficiais generais, incluindo o ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente, general Pedro Sebastião, já foram exonerados por João Lourenço (igualmente general) na sequência deste caso cujo processo continua sob investigação na PGR.
O general Francisco Pereira Furtado, ex-Chefe do Estado Maior Geral das Forças Armadas Angolanas (FAA), é o novo ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente, empossado ao cargo nesta terça-feira.
Álvaro Chicuamanga definiu como “sinal positivo” as exonerações das altas chefias militares “para que elas possam responder em juízo” por “se presumir o envolvimento destes”, frisou, “neste escândalo”.
Mas, por outro lado, sublinhou, “isto (caso Lussaty) revela a fragilidade não só do sistema de segurança do Presidente da República, do Estado em geral, mas também a fragilidade com o processo de combate à corrupção está a ser levado”.
O político da UNITA considerou também que a nomeação do general Francisco Pereira Furtado como “uma forma de olhar o problema”, acusando, no entanto, este de “ter um rastilho negativo no seu currículo não esclarecidos até agora pela PGR”.
A UNITA considera que o problema da corrupção em Angola “não deve envolver apenas o MPLA, partido no poder há 45 anos, e o seu Governo, mas outras personalidades, sobretudo da sociedade civil, ilesas de qualquer um desses escândalos”.
“Continuamos a apelar que o combate à corrupção é um assunto sério, é de interesse nacional, mas o Presidente da República deve olhar isso com mais atenção, envolvendo outras personalidades e não deve ver a questão como um problema apenas do Governo e não haja aqui meias medidas para se combater à corrupção”, apontou o político.
Sobre o assunto, o secretário para a Informação do bureau político do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder desde 1975), Rui Falcão, disse que “combate à corrupção continua a todos os níveis”.
“Só é possível trazer a público estes e outros factos, porque o combate à corrupção é efectivo e sério. Não fosse isso, jamais esses casos seriam conhecidos. Corrigir o que está mal não é uma vereda de facilidades”, escreveu Rui Falcão.
Questionado sobre a reacção do MPLA, Álvaro Chicuamanga considerou-a como “uma versão propagandística do assunto”, referindo que “o problema é muito mais grave do que aquilo que o MPLA está a tonar público”.
“Há tempo já houve uma acusação ao director do gabinete do Presidente da República, Edeltrudes Costa, e, até agora, não se tem resposta sobre isso, agora mais um outro escândalo em volta do pessoal da Presidência da República, portanto a coisa é tão grave”, rematou Álvaro Chicuamanga.
Anteriormente, o presidente da CASA-CE, Manuel Fernandes, já tina afirmado: “Estamos perante uma situação bastante grave, uma situação que vai afectar a reputação de Angola no ponto de vista económico e financeiro, porque não é admissível que avultadas somas financeiras fiquem fora do sistema financeiro”.
“E descredibiliza (o país), de certa maneira, face a potenciais investidores, conferindo assim o estatuto de Angola de um país que não é sério, é grave”, sublinhou.
Manuel Fernandes aplaude as exonerações, mas pede responsabilização dos implicados, que classifica como “autênticos antipatriotas”, considerando estar-se diante de uma situação “periclitante, com agravante de ser um agente que está ligado ao epicentro do poder”.
Do ponto de vista da imagem de Angola, da mobilização de investimentos, realçou, “esta situação vem manchar o bom nome de Angola e concorre para inibir potenciais investimentos para Angola”.
“Não sei se as exonerações bastam como tal, as pessoas devem ser responsabilizadas, porque tudo indica que é uma rede e todos aqueles que estimulam esse tipo de exercício devem ser responsabilizados porque são autênticos antipatriotas”, defendeu.
O também deputado da CASA-CE lamentou ainda a actual “degradação social das famílias, o elevado nível de pobreza no país e a debilidade do sistema de saúde”, enquanto “há pessoas a brincarem com avultadas somas monetárias que dizem respeito a todos os angolanos”.
Já o presidente da FNLA, Lucas Ngonda, enaltece que esses factos sejam tornados públicos nesta fase, contrariamente ao consulado do ex-Presidente angolano José Eduardo dos Santos, considerando que João Lourenço “é um homem de muita coragem”.
“Porque tudo está a acontecer na sua própria casa, agora, na Presidência da República é onde se está a descobrir que um major que não tem um salário famoso aparece com milhões. Isso até é uma pouca-vergonha”, frisou.
Para o também deputado da FNLA, na oposição, essas práticas traduzem-se em “crimes que devem ser sancionados de uma forma exemplar”, referiu. “Sim, algumas pessoas foram exoneradas, mas o exonerar não é suficiente, é preciso que a justiça funcione de uma forma exemplar para que isto marque o período que estamos a viver e que as coisas não tornem a acontecer”, rematou.
O combate à corrupção, à impunidade e ao nepotismo constituem os principais eixos das promessas de governação do Presidente angolano, João Lourenço, há quase quatro anos no poder.
Folha 8 com Lusa