Angola agendou “oficialmente” a cimeira da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) para 16 e 17 de Julho, em Luanda, onde deverão ser apresentadas “surpresas, no bom sentido” da Guiné Equatorial, que voltou a prometer abolir a pena de morte. Será simpático ver o espectáculo circense de ter em Luanda os especialistas a mostrar as potencialidades de um… elefante branco.
Em entrevista à Lusa, o ministro dos Negócios Estrangeiros e da Defesa cabo-verdiano, Rui Figueiredo Soares, explicou que irá ser anfitrião de uma reunião a 8 de Maio, na ilha de São Vicente, com o seu homólogo de Angola, país que irá assumir a presidência da CPLP após a Cimeira de Chefes de Estado e de Governo. “Oficialmente”, a data da cimeira está marcada e “realiza-se a 16 e 17 de Julho em Luanda”, explicou.
A grande bandeira da Presidência cabo-verdiana, a proposta para a mobilidade de pessoas no espaço da comunidade, cujo texto já está fechado e aprovado em Conselho de Ministros da CPLP, será um dos temas principais da cimeira, que irá abordar questões económicas, a escolha de um novo secretário executivo ou a realização de uma conferência económica.
Nesse encontro, a Guiné Equatorial terá oportunidade de apresentar o ponto de situação sobre o fim da pena de morte, uma das condições da sua adesão à organização, em 2014.
“Podemos ter surpresas nesta matéria, no bom sentido, relativamente à questão da pena de morte. Sabemos os avanços que a Guiné Equatorial tem feito nesse sentido, mas não posso adiantar mais”, afirmou Rui Figueiredo Soares. Certamente Teodoro Obiang garantirá que a pena de morte já não se aplica aos que morreram, o que será suficiente para os restantes membros da “coisa” (CPLP).
O país está no processo de aprovação legislativa de um novo Código Penal, que prevê o fim da pena de morte. “Tivemos oportunidade de conversar há pouco com o meu colega dos Negócios Estrangeiros da Guiné Equatorial e os nossos Presidentes da República também já conversaram sobre isso. E é muito possível que a Guiné Equatorial nos traga surpresas nesta matéria”, afirmou o ministro cabo-verdiano.
E há de facto razões para estar optimistas. Como todos sabem, Teodoro Obiang só mente às segundas, quartas e sextas. Às terças, quintas e sábados só aldraba. Ao domingo… ri-se da palhaçada (sem ofensa para os palhaços) que é a CPLP.
A Guiné Equatorial tinha a pena de morte quando aderiu à CPLP e, desde então, diz ter “dado passos significativos nesse sentido”. Trata-se de uma “questão em relação à qual temos de exercer uma diplomacia de influência”, mas “respeitando também os limites impostos” pela soberania de cada Estado, acrescentou Rui Soares. Tem razão. Previsivelmente daqui a 20 anos o problema deverá estar resolvido. Transitoriamente deve gozar do benefício da dúvida, até porque Teodoro Obiang dá ainda garantias de que só são mortos os cidadãos que estejam… vivos.
A escolha da data para a realização da Cimeira tem a ver com o facto de se pretender fazê-la coincidir com a data em que se assinalam os 25 anos da CPLP, 17 de Julho, referiu o ministro.
“Nós estamos a aguardar agora a comunicação oficial dos Chefes de Estado do convite para aquela data”, afirmou.
Porém, tudo o que foi discutido até agora sobre assuntos a levar à cimeira foram tratados “essencialmente ao nível do comité de concertação permanente, dos embaixadores, ao nível dos pontos focais”, admitiu.
A conferência, constituída pelos Chefes de Estado e/ou de Governo de todos os Estados membros, é o órgão máximo da CPLP e compete-lhe definir e orientar a política geral e as estratégias da CPLP, adoptar instrumentos jurídicos necessários para a implementação dos presentes Estatutos, podendo, no entanto, delegar estes poderes no Conselho de Ministros.
De acordo com os estatutos da CPLP, a reunião de Chefes de Estados e de Governo reúne-se, ordinariamente, de dois em dois anos. A última, a XII Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP, realizou-se em 2018, em Cabo Verde, país que assumiu então a Presidência rotativa da organização.
Em 2020, Angola, que assume em Julho a Presidência rotativa, pediu o adiamento da cimeira devido à pandemia, levando ao prolongamento do mandato de Cabo Verde.
A Guiné Equatorial, antiga colónia espanhola, tornou-se membro de pleno direito da CPLP em Julho de 2014, mediante um “roteiro de adesão” (de branqueamento) que incluía a divulgação do português como língua oficial e a abolição da pena de morte, medida que ainda não foi ratificada pelo presidente equato-guineense, Teodoro Obiang.
Teodoro Obiang Nguema, o Presidente africano há mais anos no poder, desde 1979, e o seu Governo são acusados por várias organizações da sociedade civil de constantes violações dos direitos humanos e perseguição a opositores.
Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste são os Estados-membros da CPLP.
A outra face da geringonça da CPLP
E então, que tal assumir (isso é que era bom!) que a entrada da Guiné Equatorial no bloco lusófono foi, é e será uma questão que envergonha a organização?
É, de facto, uma vergonha do tamanho da própria Lusofonia. Já não bastavam os problemas que a CPLP tem desde a nascença, pois não? E que tal olhar de forma séria para a Guiné-Bissau, que hoje é um “Estado-falhado”, um “narco-Estado”?
Não. Nada disso. A Guiné Equatorial é que é importante, mesmo sabendo-se que Teodoro Obiang é um dos governantes mais antigos à frente de um Governo em África, lugar que ocupou depois de um golpe de Estado contra o próprio tio, Francisco Macías, que foi posteriormente fuzilado.
Obiang e membros da sua família (nomeadamente o seu filho ‘Teodorin’ Obiang) – que têm uma das maiores fortunas em África segundo a revista Forbes – enfrentam processos em alguns países por corrupção, fraude e branqueamento de capitais, assim como o Presidente enfrenta acusações de violação dos direitos humanos.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse confiar que a CPLP poderá desempenhar “um papel positivo” quanto à pena de morte, em relação à qual a Guiné Equatorial impôs uma moratória.
“A pena de morte está espalhada em todos os continentes ainda, infelizmente. Mas tenho confiança que a CPLP possa desempenhar um papel positivo neste domínio”, defendeu o responsável da Organização das Nações Unidas.
Sobre problemas de desrespeito de direitos humanos em países lusófonos, o secretário-geral da ONU considerou que “há passos significativos a dar em matéria de direitos humanos em todo o mundo” e lembrou que é uma das “questões essenciais da agenda das Nações Unidas”.
“Espero que a CPLP, como todas as organizações internacionais, tenha um papel muito importante no sentido de que os direitos humanos se transformem num ponto essencial da agenda internacional. Estou confiante que a CPLP, também aí, exercerá um papel muito importante”, defendeu.
Antes, Guterres sublinhou: “Temos de ir ao essencial. O essencial, para mim, depois de ter sido co-fundador da CPLP, é uma profunda alegria estar como secretário-geral (na altura ainda não tinha tomado posse) das Nações Unidas numa reunião da CPLP e ver que está viva, empenhada numa agenda internacional que coincide com a agenda das Nações Unidas”.
E, pelos vistos e fazendo fé nas declarações de António Guterres, a Guiné Equatorial é o único problema – pequeno, certamente – da CPLP. Até porque, disse o secretário-geral da ONU – “o essencial” é – veja-se – que a CPLP está viva.
No dia 16 de Junho de 2010, quando Pedro Pires recebeu o seu homólogo da Guiné Equatorial, ficou a saber-se que o então presidente de Cabo Verde era cada vez mais apologista da entrada do reino de Teodoro Obiang Nguema Mbasogo na Comunidade de Países de Língua(?) Portuguesa.
Na altura, os mais ingénuos estranharam que Pedro Pires tenha barrado os jornalistas quando estes, numa coisa a que se chama liberdade de imprensa, se aproximaram para chegar à fala com Teodoro Obiang.
Pedro Pires impediu as câmaras da televisão de filmarem a entrada para o veículo oficial que levou Obiang para a Assembleia Nacional, o que gerou manifestações de repúdio dos jornalistas, tal o ineditismo do gesto, que foi mostrado e comentado de forma crítica pela televisão local.
Folha 8 com Lusa