Deixem-nos ser o que não somos: livres!

A presidente da Comissão da Carteira e Ética, Luísa Rogério, diz que “censura explícita” faz com que a Angola (um país que é mais um reino, um reino que é mais uma propriedade privada do presidente do MPLA) que a comunicação Social apresenta “não pareça muito real”.

Escreve a DW África que, depois da crescente abertura vivida pelos órgãos de comunicação angolanos a partir de 2017, com o fim da chamada “era José Eduardo dos Santos”, a liberdade de imprensa em Angola tende “a piorar a um ritmo crescente e preocupante”.

Quem o diz é a presidente da Comissão da Carteira e Ética de Angola, Luísa Rogério, em entrevista à DW África, a propósito do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, assinalado hoje, segunda feira.

“Em 2017/2018 ficámos todos muito encantados porque os media passaram a publicar assuntos que até ao momento eram tabus. Se virmos bem, todas estas questões têm a ver com a governação passada, com a gestão decorrente do presidente José Eduardo dos Santos, que esteve no poder até 2017. Mas quando os assuntos, quando os grandes dossiês ligados à governação presente passaram a ser abordados, aí é que vimos que afinal havia um retrocesso”, começa por explicar.

Mais uma vez o Folha 8 teve razão… antes do tempo. Fomos dos poucos jornais que, logo em 2017, questionamos a “validade científica” do MPLA que, perante o mundo, garantia que – com João Lourenço – os novos filhos dos jacarés eram vegetarianos ou até mesmo veganos.

Para a jornalista Luísa Rogério, não tem havido uma evolução: “Não há um programa e nem sequer existem políticas públicas exequíveis. O próprio Estado não faz nenhum incentivo com vista a estimular a comunicação social privada. Portanto, há um défice acentuado de liberdade de imprensa que se manifesta por via da redução do pluralismo. Os maiores órgãos são controlados pelo Estado. E nós sabemos que isso acontece, que a nomeação dos PCA’s, dos conselhos de administração desses órgãos públicos, ainda é feita pelo titular do poder executivo”.

Casos de detenção e intimidação de jornalistas em Angola têm chamado a atenção de entidades internacionais como o Comité para a Protecção dos Jornalistas (CPJ) que, recentemente, pediu “liberdade” para a imprensa em Angola.

O país tem em consulta pública uma adequação do pacote legislativo da Comunicação Social feito à medida e por medida pelo MPLA. Luísa Rogério diz que a proposta é “encorajadora”. A actual lei de imprensa está em vigor desde Janeiro de 2017 e foi promulgada pelo então Presidente José Eduardo dos Santos.

Segundo a presidente da Comissão da Carteira e Ética, a criminalização da actividade jornalística – prevista na legislação actual em casos de difamação e calúnia – continua a ser um dos grandes entraves ao exercício da profissão. Ou seja, o presidente do MPLA quer (e bem) que a nossa liberdade termine onde começa a dele. No entanto, não aceita que a liberdade dele termine onde começa a nossa.

“Os crimes de honra não deviam resultar na privação da liberdade. Há muito tempo que defendo e acredito que as penas podiam ser convertidas em multas”, frisa Luísa Rogério.

A jornalista fala também em “censura explícita” e autocensura que condicionam o retrato do país nos órgãos de comunicação social.

“Se virmos os nossos noticiários vamos ficar com a sensação que Angola é outro país. A Angola que a media apresenta, de modo geral, não parece muito real. Tudo quanto acontece no espaço público devia ter igual tratamento na media e não tem”, diz Luísa Rogério.

Importa, contudo, recordar que quando o Presidente da República afirma que não há fome em Angola, os fazedores de informação têm de reproduzir essa afirmação, mesmo sabendo que é mentira. Só mesmo os Jornalistas (que nada têm a ver com fazedores de informação nem o são só por terem carteira profissional) se atrevem a dizer – com todas as letras – que o Presidente mente. E é por isso que Angola tem fazedores de informação até dizer basta, mas tem poucos (cada vez menos) Jornalistas.

“A media privilegia principalmente as acções do governo, dos titulares de cargos públicos do partido governante. A sociedade civil, por exemplo, só é retratada com equidade quando tem alguma proximidade ou quando o assunto não belisca nenhum interesse superior. Isso acontece porque há um medo, um excesso de zelo nas redacções que acaba por condicionar o desempenho dos jornalistas o que, naturalmente, se repercute negativamente no serviço prestado”, lamenta Luísa Rogério. Não é o caso, acrescente-se também com todas as letras, da Redacção do Folha 8.

Em Angola não há Dia Mundial que nos valha. E não há porque aos jornalistas restam duas opções: serem domados e manter o emprego, ou o inverso. É claro que no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa (repugna-nos comemorar uma coisa que não existe), vemos toda a espécie de gentalha (desde os que trocam jornalistas por fazedores de textos aos políticos que lhes dão cobertura) dizer que são a favor do direito universal à liberdade de expressão.

Com a hipocrisia típica e atávica que caracteriza os donos da verdade em Angola, até vemos alguns dos carrascos a recordar que os jornalistas têm sido assassinados, mutilados, detidos, despedidos e por aí fora por exercerem, em consciência, a liberdade de expressão à qual, em teoria, têm direito.

Aliás, estamos mais uma vez à espera de ver muitos dos malandros do regime que amordaçam os jornalistas aparecerem na ribalta com a bandeira da liberdade de expressão. Se calhar até João Lourenço será visto na ribalta com a bandeira desta causa.

E se até agora o principal barómetro da liberdade de Imprensa era o número de jornalistas mortos no cumprimento do dever, hoje junta-se-lhe uma outra variante para a qual Angola dá um notório e inédito contributo: os jornalistas mercadoria.

E até veremos alguns dos algozes da liberdade de expressão (desde os donos dos jornalistas aos donos dos donos dos jornalistas) citar o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.

Há alguns anos, o então secretário-geral da ONU defendeu uma tese que se tornou suicida no caso angolano. Kofi Annan disse que os jornalistas “deveriam ser agentes da mudança”.

Eles tentaram, eles tentam, eles continuarão a tentar o que aliás sempre fizerem, mudar a sociedade para melhor. Acontece que o seu conceito de sociedade melhor não é igual ao dos donos do reino, José Eduardo dos Santos ontem, João Lourenço hoje. E a resposta não se faz esperar: Jornalista bom é jornalista no desempregado ou amputado da coluna vertebral e, por isso, tapete do Poder.

Jornalistas e meios de comunicação nos países das regiões Oriental e Austral da África sofreram ataques crescentes no último ano, apesar do papel importante da imprensa na divulgação de notícias durante a pandemia da Covid-19 e outras crises na região.

A conclusão é da Amnistia Internacional (AI) num comunicado divulgado esta segunda-feira, no qual aponta que esse retrocesso acontece quando é maior a necessidade de acesso à informação.

“O que testemunhamos no ano passado, no que diz respeito aos meios de comunicação e liberdade de imprensa, só pode ser descrito como um período mau”, escreve Deprose Muchena, director da AI para a África Oriental e Austral.

“Em toda a região, trabalhadores da imprensa foram demitidos, estações de televisão suspensas ou encerradas, imprensa privada foi atacada e jornalistas foram intimidados, num duro golpe contra o direito à liberdade de expressão e acesso à informação”, segundo Muchena, para quem “este ataque flagrante ao jornalismo independente em toda a região envia uma mensagem assustadora de que a crítica e a revelação de verdades incómodas não serão toleradas”.

Para a AI, os Governos na região “devem parar com esse retrocesso da liberdade da imprensa e garantir que os profissionais da imprensa estejam seguros e protegidos para fazer o seu trabalho”.

Deprose Muchena enfatiza que “uma imprensa vibrante, independente e livre é a pedra angular de qualquer sociedade livre porque permite o livre fluxo de informações e ideias que constroem os países”.

No relatório, a organização de defesa da liberdade e direitos humanos apresenta como exemplo a decisão do Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social (MINTTICS) de Angola de suspender as licenças de três canais de televisão, “que resulta na perda de centenas de postos de trabalho”.

“As três empresas de comunicação foram surpreendidas com a suspensão das licenças, por alegarem não terem recebido informação prévia ou notificação de qualquer procedimento administrativo contra elas”, até ao passado dia 19 de Abril, acrescenta a AI.

O incêndio na redacção do semanário independente Canal de Moçambique em Agosto de 2020 é referido como “um ameaça à liberdade da imprensa em Moçambique”.

A destruição das instalações e equipamentos por um grupo de desconhecidos que até hoje não foi descoberto nem levado à justiça ocorreu, como lembra a AI, “quatro dias depois de o jornal publicar uma reportagem investigativa que revelou aquisições alegadamente anti-éticas por indivíduos com fortes ligações políticas e altos funcionários do Governo, no Ministério dos Recursos Minerais e Energia, em negócios com empresas de gás natural em Cabo Delgado”.

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