Adalberto da Costa Júnior, líder da UNITA (o maior partido da oposição que o MPLA ainda permite que existe em Angola), disse hoje, em Luanda, que é preciso iniciar “imediatamente o diálogo” e parar com a guerra na província de Cabinda, norte do país. A posição foi expressa numa mensagem por ocasião da celebração do Dia da Paz e da Reconciliação Nacional, que se assinala no domingo.
“A democracia tem formas de solucionar reivindicações regionais, históricas ou sociais, no quadro do Estado unitário de Angola. É preciso parar com a guerra e dialogar. Não se pode celebrar a paz em Luanda enquanto se faz guerra em Cabinda”, referiu Adalberto da Costa Júnior.
A província de Cabinda, protectorado português até 1975, ano e que foi anexado por Angola, que há vários anos reivindica a sua autonomia/independência, será palco em 4 de Abril das comemorações dos 19 anos de paz do país.
Em bom rigor factual registe-se o dia 4 de Abril (de 2002), por incapacidade política, social e governativa, não é (ainda não é) o Dia da Paz e da Reconciliação Nacional. As armas calaram-se, é certo, mas o que aconteceu foi a rendição de um dos beligerantes (a UNITA) e a ditatorial usurpação da vitória pelo vencedor (o MPLA). Veja-se os anos que passaram para que Jonas Savimbi tivesse direito a um funeral (mais ou menos) condicente com o que representou para uma grande parte dos angolanos. Também falar de “reconciliação nacional” num país com 20 milhões de pobres é como falar em ir a Marte de bicicleta.
A situação político-militar de Cabinda tem merecido nas últimas semanas alguma atenção e pronunciamentos de entidades políticas e da sociedade civil, nomeadamente do MPLA que – como as hienas – chora como uma criança para atrair as vítimas.
Na quarta-feira, como o Folha 8 noticiou – o antigo chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas, Francisco Pereira Furtado, advogou igualmente a necessidade de se encontrar uma solução para a situação naquela região norte do país.
“A situação político-militar do país é estável, o país está em paz, independentemente da necessidade de solucionar um pequeno detalhe da província de Cabinda. O país está pacificado e é esta paz que os militares têm que preservar, manter a estabilidade, com vista a garantirmos uma efectiva reconciliação nacional”, afirmou Francisco Pereira Furtado.
O antigo chefe do Estado-Maior disse que existem mecanismos para a situação actual da província de Cabinda, salientando que o “Governo está empenhado” no assunto. Empenho que, como acontece desde 1975, se baseia em usar a razão da força para calar a força da razão.
Por muito que isso custe também à UNITA, o seu fundador e primeiro presidente, morto em combate pelo MPLA em Fevereiro de 2002, Jonas Savimbi, reconheceu em várias intervenções públicas que Cabinda nunca fez parte integrante de Angola, nem antes, nem durante, nem depois da retirada do colonizador português.
Em oposição a esta corajosa declaração de Jonas Savimbi, surgiu o único suporte ao qual se agarra com unhas e dentes o regime do MPLA para justificar a sua apetência expansionista sobre Cabinda: o Acordo de Alvor.
Acordo de Alvor que permitiu a (in)dependência de Angola e a anexação por esta de Cabinda, representa, segundo disse o próprio Almeida Santos, um dos signatários, apenas “um pedaço de papel” que “não valeu nada”.
Almeida Santos, tal como a restante equipa portuguesa, sabia à partida que o Acordo de Alvor só valeria se o MPLA não ficasse no Poder. Como ficou…
O dirigente socialista, que a 15 de Janeiro de 1975 era ministro da Coordenação Interterritorial e integrava a delegação portuguesa que assinou com os líderes dos três movimentos de libertação de Angola (MPLA, FNLA e UNITA) o Acordo de Alvor, no Algarve, referiu que, assim que viu o documento, soube que “aquilo não resultaria”.
“Aquilo não resultaria”, como não resultou, porque Portugal viciou as regras do jogo no sentido de dar o Poder a uma das partes, o MPLA, sem esquecer que era necessário correr à força com os portugueses de Angola e depois, como defendia Vasco Gonçalves e Rosa Coutinho, entre outros, metê-los no Campo Pequeno já que – dizia Mário Soares – eram um fardo pesado.
De facto, se o valor do Povo português se medisse pelo nível dos políticos portugueses que assinaram o Acordo de Alvor, não há dúvidas de que Portugal há muito era uma província espanhola (a Ibéria tão desejada por José Saramago).
“Do Acordo de Alvor sou apenas um escriba, não sou mais do que isso”, disse Almeida Santos (que foi Ministro da Coordenação Territorial em quatro governos provisórios, ministro da Comunicação Social, da Justiça, ministro de Estado, candidato a primeiro-ministro, presidente da Assembleia da República), mentindo mais uma vez ao dizer que Portugal não teve outra alternativa, senão assinar por baixo.
Se o Acordo de Alvor não serviu para nada, importa ter a mesma coerência no sentido de também o considerar inválido no que respeita à anexação de Cabinda por Angola,
Na véspera da proclamação das independências de Angola (em 11 de Novembro de 1975, uma em Luanda pelo MPLA e outra no Huambo pela UNITA e FNLA), tanto o primeiro-ministro como o presidente da República de Portugal reconheceram que não tinham capacidade para controlar a situação, devendo esta constatação também contribuir para a anulação do Acordo de Alvor.
A autonomia para a “província” de Cabinda foi, aliás, uma das propostas do anteprojecto de Constituição da UNITA, apresentado em Maio de 2009 em Luanda pelo seu então líder, Isaías Samakuva.
Seria meio caminho andado… se os donos do poder da potência ocupante, Angola, a isso estivessem receptivos. Mas não estiveram nem estarão, tal é a ambição desmedida pelo poder.
A UNITA no seu anteprojecto de Constituição elegeu a descentralização político-administrativa de Cabinda, por entender que é, era, seria, a via para a resolução da “complexidade dos problemas históricos” do que chama enclave.
A proposta referia que só essa “descentralização” permite “maior agilidade, participação democrática e eficiência” na administração territorial e “consolidação da paz política e social” em Cabinda.
Talvez por ter sido escrita em português, a proposta da UNITA não conseguiu ser digerida pelos donos do poder que, diga-se, só falam uma língua: o “mplaês”.
Mas, como dizia Jonas Savimbi, ainda é a dor que nos faz andar, ainda é a angústia que nos faz correr, ainda são as lamúrias e as lamentações, que de vários cantos do país nos chegam, que nos fazem trabalhar; ainda é a razão dos mais fracos contra os mais fortes que nos faz marchar.
São muitos os angolanos (sobretudo dos que não têm o cérebro nos intestinos) que pensam que Cabinda não faz parte de Angola e que, por isso, deve ser um país independente. Dir-nos-ão alguns, sobretudo os que se julgam donos de uma verdade adquirida nos areópagos da baixa política angolana ou portuguesa, que isso é uma utopia.
Mais coisa menos coisa, são os mesmos que há umas dezenas de anos diziam o mesmo a propósito da independência de Angola, de Moçambique, da Guiné-Bissau, de Cabo Verde, de Timor-Leste. São os mesmos que há pouco tempo diziam algo semelhante a propósito do Kosovo. São os mesmos que nesta altura dizem o mesmo quanto ao País Basco.
Mas, tal como se disse em relação a Angola e ao Kosovo, um dia destes estará por aqui alguém a falar da efectiva independência de Cabinda.
Até que esse dia chegue, continuará a indiferença (comprada com o petróleo de Cabinda), seja de Portugal, da Comunidade de Países de Língua Portuguesa ou da comunidade internacional.