A Assembleia Nacional (do MPLA) de Angola aprovou hoje – numa mera formalidade recomendada quando se quer fingir que o país é uma democracia – a proposta de revisão pontual da Constituição da República, apresentada pelo Presidente do MPLA, com a UNITA, maior partido da oposição que o MPLA ainda permite, a abster-se na votação.
A proposta, como estava determinado por quem manda, passou com 157 votos a favor do MPLA, da CASA-CE, do PRS e da FNLA, e a abstenção da UNITA e de deputados (in)dependentes.
Na apresentação da proposta de revisão pontual da Constituição da República de Angola, por solicitação, no início deste mês, do Presidente (não nominalmente eleito), João Lourenço, o chefe da Casa Civil do Presidente da República afastou a intenção de se adiar as eleições gerais de 2022. Talvez tenha razão. Ainda este ano o MPLA vai definir a margem da vitória que terá no próximo ano.
Adão de Almeida frisou que a proposta não prevê aumentar os poderes constitucionais do Presidente da República, tão pouco estender o seu mandato. Quem quiser que acredite. José Eduardo dos Santos, o anterior presidente e único responsável pela imposição de João Lourenço, com ou sem Constituição, esteve no Poder 38 anos.
“A proposta não prevê e nem pretende limitar direitos políticos de nenhum cidadão angolano” (e nem todos os que cá nasceram o são, veja-se os de Cafunfo), disse Adão de Almeida, afirmando que “a proposta é aberta, clara e objectiva, não tendo qualquer outras intenções que não as que constam do seu texto”.
O governante angolano reiterou que a proposta tem como objectivo melhorar o relacionamento institucional entre o Presidente da República (líder do MPLA) e a Assembleia Nacional (presidida e dominada pelo MPLA), através da clarificação dos instrumentos de fiscalização política, entre outros.
Após um simulacro de debate de cinco horas e votação do documento, no momento das declarações de voto, o presidente do grupo parlamentar do MPLA, disse que com o voto de abstenção, que para a sua bancada parlamentar significa um voto contra, “tendo em conta a dimensão do assunto, que é a lei mãe, que não satisfaz nenhum partido político, mas toda a nação e todas as instituições”, a UNITA “demonstrou claramente aos angolanos que é um partido que parece não honrar a sua palavra”.
Esta malta do MPLA não é pobre nem mal paga. Escusavam de, in continenti, achincalhar o pessoal do “garnisé negro” que, curiosamente, ainda há pouco tempo tinha dado um cacarejo que até fez pensar que era mesmo um galo.
“Parece um partido paradoxal e sem projecto para o país. Pois com o populismo exigiu e propagou por todos os cantos do mundo a necessidade de uma revisão constitucional, mas hoje nega a sua admissão para o passo a seguir que é a especialidade. Como ir à especialidade se nem sequer admitiu a proposta a passar desta fase?”, questionou.
Américo Kuononoka (que agora se escreve com um “K” porque com um “C” parecia ser um nome de um estrangeiro) referiu que nenhuma Constituição é perfeita, mas também não existem constituições erradas, considerando que a lei angolana “deve ser uma das melhores do mundo”. No mínimo. A Sonda Perseverance ainda não confirmou se em Marte há alguma Constituição melhor do que a do MPLA.
Por sua vez o líder do grupo parlamentar da UNITA, Liberty Chiaka, criticou que a proposta de revisão constitucional não tenha sido antecedida de uma ampla auscultação da sociedade e das organizações políticas mais representativas.
“Não se pode construir um Estado verdadeiramente democrático e de direito quando a iniciativa legislativa de revisão constitucional obedece a cálculos políticos partidários”, disse, frisando que “não se pode ter uma Constituição de todos e para todos quando à partida a proposta exclui contribuições dos principais atores políticos e distintas organizações socioprofissionais”. Tem razão. Mas, porque este MPLA é o mesmo de Agostinho Neto e do 27 de Maio de 1977, o melhor é não fazer ondas, abster-se e pode continuar a comer lagosta em vez de mandioca. Ou farelo.
Liberty Chiaka considerou que Angola perde a oportunidade de fazer uma revisão constitucional “com espírito inclusivo e de unidade”, mas admite que na especialidade a disposição e disponibilidade de construir uma nação plural prevaleça sobre os interesses de grupos. Como, neste caso, muito bem disse Kuononoka, a UNITA diz ser um corredor de fundo, mas quando a corrida começa resigna-se a ficar no fundo do corredor.
Pela bancada parlamentar da CASA-CE, o deputado Sikonda Alexandre frisou que o voto a favor deve-se ao facto de considerarem que a Constituição em vigor, desde 2010, não corresponde “aos desígnios dos angolanos” e é “um claro obstáculo ao desenvolvimento democrático, retirando poderes legítimos a um órgão de soberania, a Assembleia Nacional, e colocar um outro órgão de soberania, o poder judicial, numa clara e inequívoca dependência do titular do poder executivo”.
Por sua vez, o deputado Benedito Daniel, do PRS, justificou que o voto a favor por ser necessária a revisão, apesar de não ter a perspectiva que desejam.
“É desejo de todos nós que o parlamento fiscalize os actos do executivo, é igualmente útil que se devolva a possibilidade de voto aos residentes na diáspora”, disse, defendendo por outro lado a necessidade de ultrapassar as divergências sobre a realização das eleições autárquicas, “que é o gradualismo, mas não só”, argumentou Benedito Daniel.
O voto favorável, justificou, “quer apenas buscar a vontade de se criar um ambiente convergente, que permita que a discussão seja feita na especialidade, admitindo opiniões de outros partidos para construir consensos que reflictam uma revisão de todos e para todos os angolanos”.
Já o deputado Lucas Ngonda, da FNLA, recordou que há muito a oposição vem reclamando a revisão da Constituição, sobre várias outras questões que constituem “um certo embaraço”.
“Já que o Presidente da República tomou ele mesmo a iniciativa de rever todas as questões que foram levantadas no decurso do seu mandato, entendemos que está num bom caminho”, disse Lucas Ngonda, considerando que o essencial agora é fazer com que a sua alteração traga um pouco de equilíbrio no funcionamento das instituições.
Leonel Gomes, deputado não integrado, disse que a abstenção pretendeu dar “o benefício da dúvida” ao proponente, afirmando ter ouvido “com agrado” que é possível introduzir algumas ideias às sugestões apresentadas.
“Assim, partimos com a convicção que com o contributo de todos possamos melhorar a proposta que foi trazida a esta casa magna”, referiu.
A proposta de revisão Constitucional da República de Angola é agora submetida à Comissão de Assuntos Constitucionais e Jurídicos da Assembleia Nacional, para a elaboração do Projecto de Lei de Revisão Constitucional para discussão na especialidade e aprovação em plenária.
O Presidente angolano propõe uma clarificação dos mecanismos constitucionais de fiscalização política do Parlamento sobre o poder executivo, de modo a melhorar o posicionamento e a relação institucional entre os dois órgãos de soberania, assegurar o direito de voto aos cidadãos angolanos no exterior do país, consagrar constitucionalmente o Banco Nacional de Angola uma entidade administrativa independente do poder executivo, a desconstitucionalização do princípio do gradualismo na institucionalização efectiva das autarquias locais, para permitir que o parlamento discuta livremente, entre outras.
Folha 8 com Lusa