A polícia de Myanmar (ex-Birmânia) disparou hoje balas de borracha e lançou gás lacrimogéneo sobre as manifestações pacíficas contra o golpe da junta militar, depois do embaixador na ONU ter pedido o fim do golpe e punição dos seus responsáveis. Fosse em Angola (veja-se o mais recente caso de Cafunfo) e as balas seriam reais e os mortos seriam muitos. É a diferença entre um país que se diz democrático e um Estado de Direito (Angola) e, agora, uma ditadura (Myanmar).
Segundo as agências de notícias EFE e AFP, as autoridades de Myanmar estão a agir com violência contra um número elevado de manifestantes desarmados, tendo já detido um número indeterminado de pessoas, entre eles jornalistas e repórteres de imagem que se encontravam a fazer a cobertura das manifestações que decorrem há várias semanas no país.
Myanmar encontra-se a braços com uma onda de protestos pró-democracia e apelos à restauração da democracia e à libertação dos políticos eleitos detidos pelas forças de segurança, incluindo a líder deposta Aung San Suu Kyi.
Os militares justificam o golpe de estado alegando fraude eleitoral cometida nas eleições legislativas de Novembro passado, nas quais a Liga Nacional para a Democracia, partido de Suu Kyi, venceu por esmagadora maioria.
Hoje, em Rangum, a cidade mais populosa do país, a polícia utilizou balas de borracha para dispersar os manifestantes, segundo fontes locais citadas pela agência AFP.
A EFE, por sua vez, relata que a polícia utilizou também gás lacrimogéneo em vários pontos da cidade, antiga capital da Birmânia, onde hoje desde cedo as forças de segurança estão a bloquear várias ruas a fim de evitar novos protestos.
“O que a polícia está a fazer? Estão a proteger um ditador louco”, gritavam os manifestantes nas ruas, onde centenas de membros do grupo étnico Môn se reuniram para comemorar o seu feriado nacional, juntamente com outros grupos étnicos que protestavam contra o golpe.
Os manifestantes, muitos com máscaras de gás, capacetes e escudos improvisados, partiram para construir barricadas nas ruas adjacentes.
Testemunhas no local descreveram cenas caóticas ao vivo na rede social Facebook, incluindo os momentos em que os tiros foram disparados. Pelo menos 15 pessoas foram presas, confirmou a polícia.
Três jornalistas estão entre os presos, incluindo um repórter fotográfico da agência americana Associated Press, bem como um operador de câmara e um repórter fotográfico de duas agências birmanesas, Myanmar Now e Myanmar Pressphoto, respetivamente, refere a AFP.
Na sexta-feira, o embaixador de Myanmar na ONU, Kyaw Moe Tun, pediu o fim do golpe e exigiu da comunidade internacional a “acção mais forte possível” “contra os seus responsáveis.
Minutos antes, na mesma sessão, a enviada da ONU a Myanmar, Christine Schraner Burgener, que está proibida de entrar no país, tinha condenado “veementemente” as mais recentes medidas tomadas pela junta militar no poder, pedindo uma acção internacional para um regresso à democracia.
“O uso de força letal e o aumento das mortes (são) inaceitáveis”, disse Burgener, no seu apelo à comunidade internacional.
“As acções do exército não são justificáveis e devemos continuar a pedir a reversão desta situação inadmissível, esgotando todos os canais colectivos e bilaterais para devolver Myanmar ao caminho da reforma democrática”, acrescentou a enviada da ONU.
A comunidade internacional tem anunciado sanções contra os líderes do golpe militar, incluindo o general Min Aung Hlaing, presidente do Conselho Administrativo de Estado e autoridade máxima em Myanmar.
Na quinta-feira, a rede social Facebook bloqueou todos os perfis relacionados com o novo regime em Myanmar, incluindo os do Governo e dos meios de comunicação agora controlados pela junta militar, devido ao “grave registo de violações dos direitos humanos cometidas pelo Exército e o óbvio risco de incidentes violentos incitados pelos militares”.
Apesar de serem milhares os manifestantes, o número de mortos (oito) é muito inferior ao registado em Cafunfo, onde foram assassinados pelas forças de segurança do MPLA mais de 20, sendo que os próprios números oficiais apontam para cerca de 300 manifestantes.
No dia 30 de Janeiro, a polícia de Angola (MPLA) disparou contra manifestantes num protesto organizado pelo Movimento Protectorado da Lunda Tchokwe (MPLT) para, disseram as forças de segurança, travar um “acto de rebelião”, depois de alguns dos 300 participantes terem tentado invadir uma esquadra do Cafunfo. A polícia admitiu a morte de seis pessoas.
A versão da polícia foi contrariada por populares e responsáveis do MPLT segundo os quais se tratou de uma tentativa de manifestação pacífica e previamente comunicada às autoridades, durante a qual morreram mais de 20 pessoas. A Amnistia Internacional as mortes e os habitantes denunciaram o desaparecimento de cadáveres.
Organizações não-governamentais, bispos da Igreja católica e a oposição angolana condenaram o que dizem ter sido “um massacre” e pediram um inquérito independente sobre os acontecimentos.
O Movimento Protectorado da Lunda Tchokwe luta pela autonomia da região das Lundas, no Leste-Norte de Angola, mas fez saber que o protesto visava denunciar a falta de condições de vida e a desigualdade regional em Angola. A autonomia da região das Lundas (Lunda Norte e Lunda Sul), rica em diamantes, é reivindicada por este movimento baseando-se num Acordo de Protectorado celebrado entre nativos Lunda-Tchokwe e Portugal nos anos 1885 e 1894, que daria ao território um estatuto internacionalmente reconhecido. Portugal, acusam, ignorou a condição do reino quando negociou a independência de Angola entre 1974/1975 apenas com os movimentos de libertação, segundo o movimento.
A população da Lunda Norte vive numa das terras de Angola com maior riqueza, é de lá (e da Lunda Sul) que são tirados os diamantes. Mas tem um problema endémico: a falta, de emprego, de assistência médica, de água, de electricidade, de escolas. O desemprego é elevado, sobretudo entre a população mais jovem. A região está, aliás, muito pior do que estava no tempo colonial, há 45 anos.
Para o presidente da Associação Cívica do Leste de Angola, Guilherme Tchiwmbe Martins, a região tem sido alvo de todo o tipo de violações dos seus direitos. Sobre a manifestação de 30 de Janeiro, diz que foi promovida por uma organização que defende a autonomia, mas sublinha outros motivos que levaram os manifestantes à rua: as “assimetrias regionais, as injustiças sociais”.
“Angola é una e indivisível de Cabinda ao Cunene, mas, quanto ao desenvolvimento, há regiões que são beneficiadas e outras não”, disse Tchiwmbe Martins.
Uma delegação da UNITA, que integrava os deputados Alberto Ngalanela, Joaquim Nafoia, Domingos Oliveira, Sindiagani Bimbi e Rebeca Muaca, e ainda uma activista cívica foi barrada por ordens superiores – segundo o partido – à entrada de Cafunfo e passados dias voltou para Luanda.
A Amnistia Portugal considerou um “abuso de poder do Estado” não permitir a entrada de deputados e activistas cívicos no Cafunfo. “Além do abuso de violência policial que causou esta tragédia, estamos agora a verificar outro abuso do Estado, que é não permitir aos deputados e activistas que façam o seu trabalho no terreno”, disse Pedro Neto, director-executivo da Amnistia Internacional Portugal.
O líder do maior partido da oposição que o MPLA ainda permite, Adalberto da Costa Júnior, afirmou que a retenção de cinco deputados é “a confissão clara do massacre praticado” na vila mineira e da ocorrência de “operações de limpeza” na zona.
Por sua vez o Bureau Político do MPLA (partido que está no Poder há 45 anos), criticou as vozes que “se levantaram precipitadamente”, entre elas a UNITA, para acusar as autoridades de terem cometido “um massacre contra supostos meros manifestantes”.
Numa declaração sobre os acontecimentos no Cafunfo, município do Cuango, o partido que sustenta e se sustenta do Governo de Angola diz que a maior liberdade de imprensa, de expressão, de reunião e de manifestação, promovida pelo Presidente João Lourenço “está a servir para promover o desrespeito à Constituição e à lei, aos símbolos nacionais, o desrespeito à autoridade instituída, ao património público e à propriedade privada”.
O MPLA diz que esta situação é “perigosa para a estabilidade político-social e contrária ao bom ambiente de negócios atractivo do investimento privado, que se vem criando ultimamente”, diz um comunicado o Bureau Político.
O órgão do MPLA criticou também algumas organizações da sociedade civil, que apontam o dedo às autoridades, acusando-as de terem cometido um massacre contra manifestantes, salientando que “a Constituição da República de Angola estabelece que o território angolano é indivisível, inviolável e inalienável” e que será “energicamente combatida qualquer acção de desmembramento ou de separação de suas parcelas”.
Folha 8 com Lusa
Foto: AMPE ROGÉRIO/LUSA