A polícia angolana impediu hoje e deteve seis activistas de Cabinda, que tentaram (e, como se sabe, tentar é crime) realizar uma manifestação em frente à embaixada portuguesa em Luanda, para exigir a Portugal o cumprimento do acordo de protectorado que os portugueses assinaram, em 1 de Fevereiro de 1885, com os cabindas.
Segundo o presidente da Associação para o Desenvolvimento da Cultura dos Direitos Humanos (ACDH) de Cabinda, Alexandre Kuanga, os organizadores desta manifestação fazem parte do núcleo de Luanda.
Hoje de manhã, os manifestantes tentaram concentrar-se em frente à embaixada de Portugal, mas foram impedidos pela polícia, que já se encontrava no local em grande número.
A Avenida de Portugal, onde se localiza a embaixada de Portugal, estava esta manhã sob forte aparato policial e foi possível constatar no local que, pelo menos uma pessoa, que apelou à libertação de Cabinda e gritou “assassinos”, foi colocada numa carrinha prisional.
O activista dos direitos humanos disse que foram detidos seis das dezenas de manifestantes que se dirigiram ao local, tendo sido conduzidos, numa viatura da polícia, em direcção à província do Bengo.
“Informaram-nos que já ultrapassaram o quilómetro 30, em direcção ao Bengo, das 11:30 até cá não se sabe para onde estão a ser levados. Foram detidos Henrique do Rosário Macosso Sita, Simão Tadila, MC Life, Hamilton, Meslei Zinga e Emerson. São esses seis que estão detidos e a ser levados em direcção ao Bengo. Esta é a informação que tenho até ao momento como presidente da ACDH em Cabinda”, referiu.
De acordo com o presidente da ACDH, quando os organizadores chegaram ao local começaram a ser avisados pela polícia que não podiam estar ali, alegando que se trata de um dia de trabalho normal e que estão proibidos os ajuntamentos nas ruas, como determina o estado de calamidade pública, devido à Covi-19.
A manifestação, cuja autorização foi negada pelo Governo da Província de Luanda, foi marcada para hoje, data em que foi assinado o Tratado de Simulambuco, que selou a criação de um protectorado português, no qual Portugal se comprometeu a manter a integridade dos territórios.
“Para os activistas esta data é que tornou o desastre do povo de Cabinda quanto aos problemas que se passam aqui, pilhagem de recursos e a falta de desenvolvimento económico e social de Cabinda, porque Portugal não respeitou esse tratado e, por conseguinte, anexou Cabinda a Angola”, referiu.
Os independentistas de Cabinda defendem que o território era um protectorado de Portugal e deveria ter sido tratada enquanto tal no processo de independência de Angola.
Em contrapartida, Cabinda, o território de onde é extraído a maior parte do petróleo de Angola, tornou-se numa província angolana (tal como a Indonésia fez durante algum tempo com Timor-Leste) e tem sido palco de confrontos por parte elementos armados que exigem a sua independência.
Alexandre Kuanga frisou que até agora “há guerra, conflito armado em Cabinda”, uma situação que se “deve a esse tratado”.
Os manifestantes “foram para a Embaixada portuguesa, para que Portugal possa intervir, para que haja paz em Cabinda e parem com o conflito que existe em Cabinda, como consequência do acordo de Alvor (em 1975, que estabeleceu o processo de independência de Angola) em violação do Tratado de Simulambuco”, frisou.
O activista salientou que estão a acompanhar, a partir de Cabinda, a situação dos seus colegas, tendo já contactado a Associação Mãos Livres, para acompanhar e dar assistência judiciária aos detidos.
“Nós cá em Cabinda, caso eles permaneçam 48 horas, vamos activar uma manifestação para pressionar a sua libertação”, disse.
Questionado se foi igualmente organizada em Cabinda alguma manifestação em alusão à data, Alexandre Kuanga disse que o governo provincial impediu a acção e “encheu de polícias as ruas”.
“Aqui na minha casa chegaram às 06:00, uma viatura Land Cruiser e duas motorizadas, a seguir qualquer passo que pudesse marcar. Todas as artérias por onde passamos quando organizamos uma manifestação encheram de polícias. A única coisa que fizemos foi ir à rádio Ecclesia manifestar a nossa insatisfação”, acrescentou.
Também o advogado Arão Tempo apelou às organizações de defesa dos direitos humanos nacionais para defenderem os direitos dos detidos bem como o “direito inalienável do povo de Cabinda”.
“Essas organizações sedeadas em Luanda, que nunca prestaram muita atenção ao território de Cabinda, que se coloquem no seu verdadeiro sentido de defesa dos direitos humanos, bem como as organizações internacionais, para encontrarem um modelo para acudir o povo de Cabinda, não havendo representações diplomáticas em Cabinda”, disse.
A “província” angolana de Cabinda, onde se encontram a maior parte das reservas petrolíferas do país, não é contígua com o resto do território e desde há muitos anos, que líderes locais defendem a independência, alegando uma história colonial autónoma de Luanda.
No dia 28 de Abril de 2011, a SIC-Notícias (Portugal) divulgou – tal como muitos outros órgãos de comunicação social – o seguinte texto:
«O apoio de Portugal à realização de um referendo sobre o futuro do enclave angolano de Cabinda é muito importante, inclusive para que esta questão não seja esquecida, defende o jornalista Orlando Castro.
O jornalista abordou a questão do enclave de Cabinda, no livro “Cabinda, Ontem Protectorado, Hoje Colónia, Amanhã Nação”, a ser lançado na sexta-feira, em Lisboa, e no dia 5 de Maio, no Porto.
“O objectivo (do livro) é, de facto, alertar para a necessidade do povo de Cabinda ser ouvido quanto ao que pretende para o futuro da sua terra”, disse à Agência Lusa Orlando Castro.
Ao longo livro, o autor refere que recorreu a tratados estabelecidos entre Cabinda e Portugal antes do 25 de Abril, nomeadamente, o de Simulambuco, assinado em 1885 e que colocou Cabinda sob protectorado português.
“O objectivo do livro é também contribuir para que a questão de Cabinda não caia no esquecimento e que, sobretudo em Portugal, mas também em Angola, se compreenda que Cabinda não é, pelo menos do meu ponto de vista, uma província de Angola”, sublinhou o jornalista.
O livro também analisa, segundo o autor, “o que se passou na altura da independência de Angola (1975), em que Portugal não reconheceu o movimento, nomeadamente a FLEC (Frente de Libertação do Estado/Enclave de Cabinda), que lutava em Cabinda para que este estatuto de protectorado fosse reconhecido.”
“(O livro) traz uma visão crítica às principais personalidades portuguesas e angolanas que têm deixado o assunto cair no esquecimento, tentando passar uma esponja nos acordos que estavam em vigor na altura (da independência de Angola)”, declarou.
Segundo Orlando Castro, Portugal, através dos acordos de Alvor (assinados em 1975) reconheceu a independência angolana e violou acordos internacionais, tirando o direito do povo de Cabinda a ser considerado um território diferente de Angola.
“Portugal, enquanto ex-potência colonial, no caso de Angola, e que assinou os acordos de protectorado, no caso de Cabinda, não deveria esquecer que os direitos do povo de Cabinda não prescrevem e deveria fazer por Cabinda o que fez por Timor-Leste”, acrescentou.
De acordo com Orlando Castro, “Portugal deveria lutar por via diplomática e política para que houvesse um referendo em Cabinda, em que o povo pudesse escolher o seu futuro, eventualmente continuar como província de Angola, uma região autónoma, ou um país independente”.»
Nota: Orlando Castro é o director-adjunto do Folha 8.
Folha 8 com Lusa