Fome? Sim, mas apenas para quem não tem… comida

A angolana Josefa Sacko é candidata a um segundo mandato para o cargo de comissária da União Africana (UA) para a Agricultura, Economia Rural, Economia Azul e Ambiente. A engenheira agrónoma afirma em entrevista à RFI que se for eleita a auto-suficiência alimentar do continente será uma das suas prioridades e garante que aposta na agricultura é a a solução para combater a fome em África.

Em Agosto de 2018, depois de um faustoso repasto, a comissária da UA Josefa Sacko, afirmou, em Luanda, que Angola progrediu na redução da fome, mas precisa de reforçar a estratégia para diminuir a pobreza, agravada com o desemprego entre jovens.

Josefa Sacko falava à imprensa à margem do encontro de lançamento do Processo de Reformulação do Plano Nacional de Investimento Agrícola de Angola (PNIA), que visa (ou visava) alinhar a agenda interna com as metas internacionais, quer a continental quer a global, respectivamente para 2030 e para 2063, para que possa reduzir a pobreza e acabar com a fome até 2025.

Recorde-se, apenas para contextualizar a temática, que Angola tem mais de 20 milhões de pobres, muitos dos quais nunca ouviram falar de uma coisa que tanto Josefa Sacko como João Lourenço conhecem bem: refeições.

“Houve muitos progressos para acabar com a fome, tendo na base os programas de segurança alimentar”, disse Josefa Sacko, sublinhando que, em termos de combate à pobreza, Angola precisa de “fazer mais esforços”.

“A extrema pobreza é condenada a nível mundial e temos a questão do desemprego dos jovens, que é um dos pontos que acentua a pobreza no nosso continente e não só. As nossas zonas rurais, onde se faz a agricultura, deve ser revista para podermos investir e operar aí uma transformação”, frisou.

Por sua vez, na mesma altura, o então célebre ministro da Agricultura e Florestas de Angola, Marcos Nhunga, disse que a disponibilização dos recursos para o sector “continuam aquém do indicado” para o alcance dos objectivos do pacto.

Segundo o ministro, o Governo angolano mostrou o seu empenho para alavancar o desenvolvimento da agricultura nacional, em particular, e africana em geral, ao aderir, em Junho de 2011, à plataforma continental integrada no Programa Detalhado para o Desenvolvimento da Agricultura em África (PDDAA), satisfazendo os ideais da Declaração dos chefes de Estado e do Governo da UA para 2033.

O governante acrescentou que o compromisso foi reforçado em Junho de 2014, com a assinatura da Declaração de Malabo (Guiné Equatorial), na 23ª assembleia dos Chefes de Estado e de Governo da União Africana.

Nas declarações à imprensa, Marcos Nhunga referiu que é preciso que Angola olhe para a forma como a agricultura se está a definir actualmente, vendo-a como “um sector fundamental para a redução da pobreza, garantindo a segurança alimentar e nutricional das populações”.

Marcos Nhunga destacou que a Declaração de Malabo previa que cada país contribua, no mínimo, com 10% dos seus orçamentos para o sector da agricultura, de forma a combater a pobreza e garantir a segurança alimentar e nutricional.

“É verdade que demos saltos qualitativos relativamente à diminuição da fome no nosso país, mas temos indicadores relativos à pobreza. O que se pretende aqui é fazer um alinhamento do Plano de Investimento da Agricultura, para que possamos cumprir com as agendas, não só nacional, como também africana e internacional”, avançou.

O então titular da pasta da Agricultura e Florestas de Angola disse que o país saiu de um índice de mais de 60% da taxa de fome para menos de 30%, entre 2013 e 2015. E então se esse índice levar em conta os dados da realeza do MPLA, será certo avançar que a taxa de fome é zero.

“E continuamos a lutar para baixar esses indicadores. No entanto, se não forem disponibilizadas mais verbas, não só para o sector da agricultura, mas também para o sector produtivo, de uma forma geral, é lógico que iremos atrasar-nos quanto às metas. Cumprimos isso até 2015. É esse o grande objectivo que se pretende a nível africano: podermos ver todas nações livres da fome, pobreza e com uma garantia de segurança alimentar e nutricional”, enfatizou.

E quando Josefa Sacko falava de… café?

Com uma boa transformação do café solúvel Angola terá mercado para exportar a sua produção principalmente, para os países da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), afirmou no dia 27 de Julho de… 2015, em Luanda, a então ex-secretária da Organização Inter-Africana do Café (OIAC), Josefa Sacko.

Angola tem vantagem comparativa em termos económicos em relação aos países da região. Só na nossa região podemos fazer uma indústria transformadora como a que é feita em outros sectores, disse Josefa Sacko em entrevista à Angop.

Segundo referiu, Angola nesse momento (2015) estava a ditar a sua própria sorte, pois está diante de um mercado com 160 milhões de habitantes (África do Sul e RDC com 80 milhões de habitantes cada), sem contar com os restantes membros da SADC. Angola pode aproveitar este momento para implementar um bom programa e reactivar o sector.

Por outro lado, disse, Angola tem também boas relações com a China e pode aproveitar este mercado para vender o café solúvel que é muito prático para ser confeccionado.

A título de exemplo, fez referência ao Vietname que há cerca de 20 anos não produzia café e que depois do conflito armado que o país viveu o Banco Mundial financiou a produção e hoje é o segundo produtor mundial.

Ao referir-se aos caminhos-de-ferro reabilitados no país e aos espaços que se pretende abrir a nível regional, apontou a produção do café como uma das grandes culturas que deverá originar um negócio entre Angola e os restantes países, a exemplo do negócio activo praticado na África Ocidental entre a Nigéria e o Senegal.

Quanto à produção do café especial em Angola (chamado café nicho), referiu que este tipo de café existe normalmente em certas economias com um grande volume de produção.

Este tipo de café que Angola já teve quando a sua produção era considerável (café Ginga), tem um prémio, mercado e é cotado no mercado internacional. É um café comprado ou pelos EUA ou pelo Japão, enquanto os outros tipos de café podem atingir todos os mercados.

Entretanto, a especialista Josefa Sacko era da opinião que, para um país como Angola com potencial enorme e terras de grandes dimensões, produzir este tipo de café traria um pouco de desequilíbrio em relação aos outros produtores podendo até mesmo criar problemas sociais.

Por este facto, sublinhou, a saída para Angola seria primeiro a organização do sector e a produção.

“O grande problema do café especial é que o mesmo passa pela certificação e no continente africano existem grandes debates em relação a quem deve pagar esta certificação que é muito cara”, sublinhou.

Entretanto, frisou, “se Angola quer apostar num mercado nicho deve primeiro organizar o mercado nacional e quando chegar no mínimo em 50 mil toneladas pode dizer que já é um país médio e então ver onde se produz e onde pode fazer o café de especialidade”.

Josefa Sacko referiu-se também à necessidade de se sensibilizar os jovens que estão nesta área bem como os desempregados dando-lhes parcelas de terra para o fomento da produção já que são uma mão-de-obra que se deve aproveitar.

Recorde-se que, em Novembro de 2014, o Governo aprovou a privatização e venda de 100% do capital da empresa pública de produção de café Liangol à Angonabeiro, unidade do grupo português Nabeiro que trabalha em Angola há décadas.

Angola já foi o quarto maior produtor mundial de café, com 200 mil toneladas anuais, antes de 1975. Essa produção está hoje reduzida a menos de 10%, fruto do abandono do cultivo durante a guerra civil angolana.

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