Hoje, quarta-feira, 9 de Dezembro, é o Dia Internacional contra a Corrupção. Em mensagem sobre a data, o secretário-geral da ONU, António Guterres, lembra que, nos últimos anos, “a raiva e a frustração explodiram contra líderes e governos corruptos.” Estará, eventualmente, a incluir nesses líderes os que o apoiaram na candidatura ao cargo que ocupa?
Em alguns países, as pessoas têm exigido justiça social e responsabilização. Segundo o chefe da ONU, “no meio dessas profundas preocupações, a crise da Covid-19 cria oportunidades adicionais para a corrupção.” E quando não é a Covid-19 é o petróleo, os diamantes, a ambição desmedida dos governantes que não ocupam os cargos para servir mas, isso sim, para se servirem.
António Guterres diz que os governos estão a fazer o que deviam para colocar as economias de volta aos trilhos, prestar apoio de emergência e adquirir suprimentos médicos, mas avisou que “a supervisão pode ser mais fraca.”
Respostas urgentes levaram alguns Estados a comprometer a conformidade, a supervisão e a responsabilização para obter um impacto rápido. Além disso, o desenvolvimento de vacinas e tratamentos aumenta o risco de suborno e lucros abusivos. E se isto é mesmo verdade, Angola (MPLA) estará na primeira linha.
Segundo o secretário-geral da ONU, a corrupção drena os recursos das pessoas, mina a confiança nas instituições, agrava as vastas desigualdades expostas pelo vírus e impede uma recuperação forte, acrescentando que o mundo não pode “permitir que fundos de estímulo e recursos vitais de emergência sejam desviados.”
Para o secretário-geral da ONU, a recuperação da pandemia deve incluir medidas para prevenir e combater a corrupção e o suborno. Por cá isso não é exequível. A pandemia é uma coisa, a corrupção e subornos são outra. E o Governo não consegue fazer duas coisas ao mesmo tempo. Já para fazer uma só é o que se sabe…
Também são necessárias amplas parcerias para fortalecer a supervisão, responsabilização e transparência, com base nas ferramentas globais anticorrupção fornecidas pelas Convenções das Nações Unidas contra a Corrupção.
António Guterres afirmou que a acção contra este problema deve fazer parte de reformas e iniciativas nacionais e internacionais mais amplas para fortalecer a boa governança, combater fluxos financeiros ilícitos e paraísos fiscais e devolver activos roubados, de acordo com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável.
António Guterres enfatiza que a redução dos riscos de má gestão e corrupção durante a pandemia requer o envolvimento de órgãos anticorrupção fortes. Outras medidas são melhor supervisão dos pacotes de apoio de emergência, contratos públicos mais abertos e transparentes e maior conformidade anticorrupção no sector privado. Ou seja, tudo o que Angola faz ao contrário.
Além disso, os países também precisam “garantir o apoio e a protecção para denunciantes e jornalistas que descobrirem corrupção durante a pandemia”. Como em Angola o Governo só considera que são jornalistas os que assinam os comunicados do MPLA…
Segundo o secretário-geral da ONU, a comunidade internacional também deve aproveitar a oportunidade para realizar reformas e iniciativas ambiciosas na sequência da primeira sessão especial da Assembleia Geral contra a corrupção no próximo ano.
Para terminar, o secretário-geral pediu que todos, governos, empresas, sociedade civil e partes interessadas, trabalhem juntos para “promover a responsabilização e acabar com a corrupção e o suborno por um mundo mais justo e equilibrado”.
No dia 21 de Setembro de 2016, o antigo primeiro-ministro de Portugal agradeceu o apoio de Angola à sua candidatura ao cargo de secretário-geral das Nações Unidas, elogiando (era uma parte do preço a pagar pelo apoio) o papel do país no contexto internacional. Presume-se que, nessa altura, o país nada tinha a ver com corrupção…
António Guterres, que foi igualmente alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados, falava na altura à rádio pública angolana, sobre o apoio de Angola, salientando que tem sido “um instrumento muito importante” para que tenha possibilidades de vencer.
“Gostaria de exprimir toda a minha gratidão e o meu apreço pelo que tem sido a posição do Presidente José Eduardo dos Santos, do Governo e povo de Angola, a solidariedade angolana tem calado muito fundo no meu coração”, referiu Guterres mostrando que, afinal, bajular é uma questão genética em (quase) todos os socialistas – e não só – portugueses.
Em Março desse ano, o Presidente José Eduardo dos Santos recebeu em audiência, em Luanda, o candidato português à sucessão de Ban Ki-moon.
“Agora compete aos Estados-membros, entre os quais Angola, decidir, mas não queria deixar de exprimir esta grande gratidão em relação à posição angolana, que calou muito fundo no meu coração”, realçou Guterres.
Pela voz do então ministro dos Negócios Estrangeiros, Georges Chikoti, Angola disse que “esta eleição é muito importante para África, para a CPLP, para Angola e para a comunidade internacional em geral. O engenheiro Guterres tem sido um lutador incansável pelas causas importantes da comunidade internacional, em particular dos refugiados”.
Chikoti acrescentou: “Temos a certeza que nessa qualidade (secretário-geral) ele vai olhar muito para África e para Angola em particular, queremos esperar que ele consiga promover alguns quadros importantes do continente africano, particularmente da lusofonia”.
Enquanto candidato e por necessidade material de recolher apoios, António Guterres confundiu deliberadamente Angola com o regime, parecendo (sejamos optimistas) esquecer que, por cá, existiam (como continuam a existir) angolanos a morrer todos os dias, que ainda temos um dos regimes mais corruptos do mundo e que somos um dos países com um dos maiores índices mundial de mortalidade infantil.
Na sua última visita a Angola, António Guterres disse que, “por Angola estar envolvida em actividades internacionais extremamente relevantes, vejo-me na obrigação de transmitir pessoalmente essa pretensão às autoridades angolanas”.
Pois é. Esteve até no Conselho de Segurança da ONU. E, pelos vistos, isso basta. O facto – repita-se todas as vezes que for preciso – de ter na altura desde 1979 um Presidente da República nunca nominalmente eleito, de ser um dos países mais corruptos do mundo, de ser o país onde morrem mais crianças… foi irrelevante.
“Naturalmente como velho amigo deste país, senti que era meu dever, no momento em que anunciei a minha candidatura a secretário-geral das Nações Unidas, vir o mais depressa possível para poder transmitir essa intenção as autoridades angolanas”, sublinhou António Guterres.
Guterres tinha razão. É um velho amigo do regime. Mas confundir isso com ser amigo de Angola e dos angolanos é, mais ou menos, como confundir o Oceanário de Lisboa com o oceano Atlântico. Seja como for, confirmou-se que a bajulação continua a ser uma boa estratégia. Nesse sentido, António Guterres não se importou de continuar a considerar José Eduardo dos Santos como um ditador… bom.
António Guterres sabe que todos os dias, a todas as horas, a todos os minutos há angolanos que morrem de barriga vazia e que 70% da população passa fome; que 45% das crianças angolanas sofrem de má nutrição crónica, e que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos; que no “ranking” que analisa a corrupção, Angola está entre os primeiros, tal como sabe que a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos e que o silêncio de muitos, ou omissão, deve-se à coacção e às ameaças do partido que está no poder desde 1975.
António Guterres também sabe que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder; que ser amigo de quem está no poder é fácil e por norma rende muito.
Seja como for, António Guterres não deve gozar com a nossa chipala nem fazer de todos nós uns matumbos.