O Presidente angolano criticou hoje quem está a tirar proveito político da actual situação mundial, “que não foi criada pela boa ou má actuação dos governos”, lembrando que as medidas adoptadas se destinam a salvar vidas. Afinal o que tem feito João Lourenço a não ser aproveitar politicamente a pandemia para justificar a incompetência governativa?
Por Orlando Castro (*)
João Lourenço expressou a posição numa mensagem à nação, durante uma cerimónia que serviu igualmente para homenagear categorias profissionais que se têm destacado na luta contra a pandemia de Covid-19.
O chefe de Estado frisou que as medidas que o executivo determinou no Decreto Presidencial em vigor “visam salvar a vida dos angolanos, e, portanto, devem ser acatadas pelos cidadãos”. Ninguém diz o contrário. Mas quando as medidas são utilizadas para, politicamente, cercear direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, a que conclusão se deve chegar?
Para quarta-feira, data que se comemora 45 anos de independência do país, foi convocada uma manifestação, promovida por um grupo de jovens activistas para reivindicar melhores condições de vida e a marcação de uma data para as primeiras eleições autárquicas em Angola, entretanto proibida pelo Governo Provincial de Luanda.
Na sua intervenção, o Presidente da República (não nominalmente eleito) lamentou que os anos que se seguiram à independência, sempre sob a governação do MPLA, não tivessem sido aquilo com que os angolanos sonharam, que seria o de edificar um país desenvolvido, onde os angolanos passariam a beneficiar das amplas riquezas que a natureza oferece e recuperar a dignidade merecida como seres humanos de um país livre.
Segundo João Lourenço, ao longo de três décadas, Angola teve de enfrentar agressões militares externas e uma guerra entre irmãos, que destruiu não só as principais infra-estruturas do país, como as famílias e de uma forma geral o tecido humano. Isto para além do massacre de milhares e milhares de angolanos do MPLA, ordenado pelo herói “nacional” do MPLA, em 27 de Maio de 1977, Agostinho Neto.
Em 2002, foi alcançada a paz e a reconciliação nacional, prosseguiu João Lourenço, que permitiu o início da reconstrução nacional e usufruto do direito e garantias contemplados na Constituição da República. É verdade se, de facto, se falar apenas e só dos autóctones afectos ao MPLA. Por alguma razão, nestes 18 anos de paz, para além da barriga vazia de 20 milhões de angolanos, se acentuou a diferença entre os angolanos de primeira (os do MPLA) e os outros. Por alguma razão a dita “paz e a reconciliação nacional” só permitem um herói nacional, esquecendo Holden Roberto e Jonas Savimbi.
“O país enfrentou sérios desafios à sua própria existência, mas soube sempre superá-los, porque se apoiou na força do seu povo, mas também alcançou grandes conquistas que temos obrigação de as preservar e consolidar”, referiu. Temos essa obrigação, sim senhor. Mas “temos” é a primeira pessoa do plural, o que nos remete para a necessidade de não haver filhos e enteados, senhores e escravos.
O chefe de Estado realçou que o país está a consolidar as bases de um verdadeiro Estado Democrático e de Direito e de uma verdadeira economia de mercado, onde o sector empresarial privado tem o papel de destaque, na criação de riqueza nacional e na oferta de postos de trabalho.
João Lourenço, admitamos que na sua boa-fé, está a confundir a obra-prima do mestre com a prima do mestre-de-obras. Não é possível consolidar o que não existe. E é falso que existam bases de um verdadeiro Estado Democrático e de Direito. É falso que existam bases de uma verdadeira economia de mercado.
O combate à corrupção, ao nepotismo e ao compadrio foram igualmente focados por João Lourenço, reafirmando que “têm cada vez menos possibilidade de continuar a reinar no país”. Desde que, é claro, os corruptos não aleguem direitos iguais aos de João Lourenço que viu roubar, ajudou a roubar, beneficiou do roubo mas não é… ladrão.
“Na sequência de corajosas medidas que o executivo e a justiça vêm tomando contra aqueles que se locupletaram de incentivos financeiros e patrimoniais públicos, que dariam para financiar o Orçamento Geral do Estado angolano”, disse. Pois é. E como se sabe, todos os milionários (que pertencem exclusivamente ao MPLA) são-no graças ao seu árduo, impoluto e honesto trabalho…
“Reafirmamos o nosso compromisso para com o povo e da boa governação, da transparência na gestão da coisa pública, do combate contra a corrupção e da moralização da sociedade”, disse o Presidente, salientando que “a imagem de Angola no exterior melhorou consideravelmente pela seriedade das políticas em curso”. Elogio em boca própria costuma ser vitupério. Mas se esse elogio é feito pelas três principais figuras do país (Presidente do MPLA, Presidente da República e Titular do Poder Executivo)… deve ser mesmo verdade.
João Lourenço realçou que nos últimos meses, os angolanos têm convivido com medidas excepcionais, que alteraram substancialmente o modo de vida, obrigando a suspender o funcionamento do sistema de ensino, “tão importante para o presente e o futuro do país”. Isto se é que o que temos é um “sistema de ensino”. Não nos esqueçamos (não é, Senhor Presidente?) que temos quem diga se “haver necessidade” ou fale em “compromíssios”.
Nesse sentido, o Presidente destacou algumas categorias profissionais, “que estando na linha da frente têm consentido sacrifícios acrescidos para a prevenção e combate à Covid-19, para que o país não pare, para que a esperança continue presente”. Foi mais ou menos o que se passou com o médico Sílvio Dala, que estava na primeira linha desse combate, que foi detido por não usar máscara dentro da sua viatura e acabou assassinado numa esquadra da Polícia.
(*) Com Lusa