O Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) condenou hoje o que diz ser um “acto de censura” da Comissão de Gestão da TV Zimbo (escolhida pelo Presidente João Lourenço) que impediu a difusão da rubrica Directo ao Ponto do jornalista Carlos Rosado de Carvalho porque recebeu ordens superiores para censurar o tema proposto, o caso Edeltrudes Costa.
Em comunicado, o SJA felicita o também economista “pela coragem em recusar e denunciar a censura” e insta os jornalistas da estação a denunciarem “outros actos de interferência na gestão editorial”.
No sábado, o economista, que apresenta na TV Zimbo, a rubrica Directo ao Ponto, anunciou através do Twitter um “ponto final” na colaboração.
“O caso Edeltrudes Costa” era o tema do Directo ao Ponto deste sábado. Sexta-feira a TV Zimbo disse-me que o tema “não era oportuno”, pedindo para “agendar outro”. Obviamente não aceitei”, escreveu Carlos Rosado de Carvalho na rede social, afirmando à Lusa não ter dúvidas de que se tratou de um acto de censura.
“Não me foi permitido passar o tema”, afirmou, explicando que pretendia “dissecar o caso Edeltrudes”.
Edeltrudes Costa, chefe de gabinete do Presidente da República, João Lourenço, terá sido alegadamente beneficiado em contratos com o Estado que lhe renderam milhões de dólares, segundo uma investigação recente da televisão portuguesa TVI, que pegou num dossier já divulgado por outros órgãos, embora com menos impacto.
“Não acredito que tenha sido uma ordem ao mais alto nível, será mais uma auto censura [dos meios] que se põem na pele do Presidente”, considerou Carlos Rosado de Carvalho, declarando-se “disponível para esquecer tudo”, se puder apresentar o caso no próximo sábado no Directo ao Ponto.
O SJA salienta no seu comunicado que as suspeitas que recaem sobre o director do gabinete do Presidente da República têm “interesse público” e considera “deplorável” o argumento usado pela Comissão de Gestão para impedir a abordagem da matéria.
O SJA solicita ainda à Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA) que “desempenhe o seu papel”, sendo previsível que esta sucursal do MPLA vá pedir instruções ao seu patrão, ou seja, ao Presidente do MPLA.
A TV Zimbo, a Rádio Mais e o jornal O País, todas do grupo Media Nova, foram confiscados pelo Estado angolano (MPLA) no final de Julho, no âmbito do processo de recuperação de activos criados com fundos públicos, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR).
O Serviço Nacional de Recuperação de Activos entregou depois as empresas ao Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social que nomeou uma comissão de gestão para a TV Zimbo, avalizada pelo Titular do Poder Executivo, João Lourenço.
Para o SJA, o acto da Comissão de Gestão da TV Zimbo, “contraria manifestamente a promessa do ministro das Telecomunicações e Comunicação Social de manter inalterável a linha editorial da TV Zimbo e outros órgãos transferidos para a esfera do Estado”.
Instada a comentar as acusações de censura a comissão de gestão da TV Zimbo remeteu esclarecimentos para mais tarde, estando portanto à espera das ordens superiores.
Com a hipocrisia típica e atávica que caracteriza os donos da verdade em Angola, vamos ver alguns dos carrascos a recordar que os jornalistas são profissionais imprescindíveis. Estamos mais uma vez à espera de ver muitos dos malandros do regime que amordaçam os jornalistas aparecerem na ribalta com a bandeira da liberdade de expressão. Se calhar até João Lourenço será visto com a bandeira desta causa, se bem que ele tenha uma teoria (já com alguns efeitos práticos, reconheça-se) bem diferente do seu antecessor.
E se durante muito tempo o principal barómetro da liberdade de Imprensa era o número de jornalistas mortos no cumprimento do dever, hoje junta-se-lhe uma outra variante para a qual Angola dá um notório e inédito contributo: os jornalistas mercadoria, caninamente mostruário das directrizes de uma coisa que se chama Departamento de Informação e Propaganda do Comité Central do MPLA.
E até veremos alguns dos algozes da liberdade de expressão (desde os donos dos jornalistas aos donos dos donos dos jornalistas) citar o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.
Há alguns anos, o então secretário-geral da ONU defendeu uma tese que se tornou suicida no caso angolano. Kofi Annan disse que os jornalistas “deveriam ser agentes da mudança”. E o mais aterrador é que, por sinal, até fomos ingénuos e acreditámos que João Lourenço estava de acordo com esta tese.
Os jornalistas tentaram, tentam, continuarão a tentar o que aliás sempre fizerem, mudar a sociedade para melhor. Acontece que o seu conceito de sociedade melhor não é igual ao do MPLA, embora nos tenham vendido a tese de que esta luta era similar à do Presidente do… MPLA.
E a resposta não se faz esperar: Jornalista bom é jornalista no desempregado ou amputado da coluna vertebral e, por isso, tapete do Poder. É isso que o Departamento de Informação e Propaganda do Comité Central do MPLA quer e, pelos vistos, João Lourenço subscreve.
Um regime, quando por ter maioria parlamentar, aprova leis sem respaldo das demais forças legislativas e da maioria da classe jornalística, ou se permite usar os seus meios particulares de comunicação (que, em teoria, deveriam ser públicos e, por isso, de todos) para intimidar, ameaçar e pôr em causa o sagrado e universal direito à liberdade de opinião, está claramente a mostrar o seu ADN totalitário.
O Parlamento do MPLA, é assim que os deputados deste partido o consideram, pretende ser igual ao que sempre foi (nem João Lourenço parece capaz de alterar esta matriz), ou seja, transformar os jornalistas em zungueiras e que, como estas, se controlem com a lei da bala (se possível certeira).
Desde os primórdios da transição e após a proclamação da independência de Angola, que a comunicação social pública, parida das entranhas do socialismo, que é sectária, divisionista, discriminatória e guerreira, pois sempre estimulou o conflito entre quem pensava diferente.
A solidariedade, a cidadania, a ética, a liberdade, o jornalismo tem sido uma luta de afirmação ao longo destes quase 45 anos de independência e o que nós fazemos aqui no Folha 8 não é fruto da liberdade de imprensa, mas da resistência a favor da liberdade de imprensa, enquanto direito fundamental.
E a luta é a melhor forma de continuarmos a ser jornalistas. Por isso abominamos os mudos, aqueles que sendo detentores de dois instrumentos (o saber e o conhecimento) se refugiam na pequenez egoísta e umbilical, nada fazendo para que a notícia percorra o caminho da Liberdade.
O papel que todos podemos desempenhar neste mundo cada vez mais global só depende de nós e não do corporativismo político. Não depende e não podemos, mesmo sem tribunas oficiais fazer o jogo, daqueles que ontem, traindo a imparcialidade e a cidadania irmã, lançaram achas da divisão entre os angolanos, com um jornalismo panfletário e discriminador, em nome do povo, mas reduzido aos caprichos de um núcleo detentor do poder.
É verdade que a maioria das pessoas quando liga a rádio, a TV, abre o jornal ou outra plataforma comunicacional espera a imparcialidade da notícia, mas desiludam-se, a imparcialidade como tal não existe. Reside na utopia, porque o jornalista tem os seus valores morais e éticos, assente no seu direito subjectivo de interpretar os fenómenos e muitas vezes não consegue separar informação de opinião. O jornalista totalmente imparcial ainda não existe.
Mas aqui surge uma pergunta se não há imparcialidade como informar a sociedade? Eis o mastro: a isenção, um instituto enquanto objectivo, por não ser estática, pode ser sempre perseguida, pelo jornalista.
A isenção é o respeito pelo contraditório, conceito tão arredio da nossa realidade comunicacional. No entanto, a nobreza do jornalismo e dos órgãos de comunicação social reside, precisamente na magistratura de conferir tratamento igual às partes retratadas. Esta é a protecção dos inocentes, dos mais fracos e desprotegidos, dos que não têm voz.
A isenção leva-nos a não privilegiar a apresentação da cara dos menos favorecidos na televisão ou jornais, em detrimento dos poderosos que, regra geral mesmo roubando ou praticando a corrupção institucional em grande escala, beneficiam da benevolência, por ser “o senhor do colarinho branco”. A isenção, diferente da imparcialidade pode jogar um papel acalentador na sociedade, principalmente, quando o jornalista ou o órgão não se deixa subjugar pela lei do mais forte.
Folha 8 com Lusa