A UNITA diz estar indignada com o silêncio do Presidente da República diante da morte do médico Sílvio Andrade Dala, ocorrida numa esquadra da Polícia, em Luanda, em circunstâncias ainda não devidamente esclarecidas. O comandante geral da Polícia, Paulo de Almeida, negou enfaticamente que o médico tenha sido morto por agentes da polícia. Pois. É claro. Terá sido um… suicídio?
O secretário-geral do maior partido da oposição que o MPLA ainda permite, Álvaro Chicuamanga, disse à VOA que o mais alto mandatário do país devia ter-se pronunciado nas primeiras horas da ocorrência para condenar o acto e manifestar solidariedade para com a família.
Álvaro Chicuamanga desafiou o ministro do Interior, Eugénio Laborinho, e o comandante-geral da polícia a colocarem os seus cargos à disposição e condenou os excessos das forças da ordem.
Entretanto, David Mendes, deputado independente da UNITA, pediu um boicote ao uso da máscara de protecção facial no interior das viaturas pessoais , num acto que considera de “desobediência civil em protesto contra a morte do médico angolano”.
Solidário com a sugestão de David Mendes está o jurista e deputado do MPLA, João Pinto, que descreveu o incidente como “triste e chocante”.
O ministro do Interior, Eugénio Laborinho, confirmou a instauração do inquérito e de um processo-crime que corre trâmites na Procurador-Geral da República para aferir o que terá ocorrido na esquadra.
Também a ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, defendeu, em nota de condolências, que deve ser instaurado um processo-crime com vista a esclarecer as circunstâncias reais em que ocorreu a morte do médico, para responsabilização dos eventuais prevaricadores.
Por sua vez, Paulo de Almeida, garante que “não foi morto ninguém nas celas da polícia, não foi morto nenhum médico, foi uma morte patológica que aconteceu, infelizmente coincidiu estar sobre alçada da polícia, mas não foi a principal causa da morte,” disse o comandante à Rádio Nacional de Angola.
Paulo de Almeida rejeitou também às acusações de abusos de poder por parte dos agentes da polícia envolvidos na aplicação das medidas de prevenção do coronavírus, actuação essa que já mereceu a condenação da Amnistia Internacional.
“É preciso ficar bem claro, não sei quando é que há excesso de zelo, quando o governo publica um diploma em que chama atenção como o cidadão deve andar na via pública está na lei, quando as autoridades competentes do governo anunciam que todo cidadão, quando estiver na via pública deve usar máscara e se não usar está sujeito a penalizações, portanto, actuamos,” disse. “O médico é um cidadão, não é diferente de qualquer outra pessoa”, acrescentou.
Segundo o Ministério do Interior, Sílvio Dala foi interpelado por um efectivo da Polícia Nacional, por não uso de máscara na sua viatura, e levado à esquadra. A medida do efectivo da PN baseou-se no novo Decreto Presidencial sobre a Situação de Calamidade Pública, que impõe o uso obrigatório de máscara na via pública e no interior das viaturas, mesmo as viaturas pessoais.
O porta-voz do Ministério do Interior, Waldemar José, afirmou há dias, que o médico teria sido encaminhado para uma esquadra policial mais próxima, onde foram cumpridas todas as formalidades da elaboração do auto de notícia e a respectiva notificação de transgressão.
Pelo facto de a esquadra não possuir mecanismo para o pagamento da multa de cinco mil kwanzas, disse, o médico terá ligado para alguém próximo para efectuar o respectivo pagamento e levar o comprovativo à esquadra.
Foi nesse período de espera, de acordo com o oficial comissário, que o cidadão teria começado a sentir-se mal tendo desmaiado embatendo com a cabeça no chão.
O mesmo, afirma, foi prontamente posto numa viatura das forças de defesa e segurança que a levou para o Hospital do Prenda, no mesmo distrito, onde veio a falecer durante o trajecto.
“Queda aparatosa que provocou ferimentos ligeiros na região da cabeça… Devido ao seu estado grave”? Certo, dirá um dia destes o ministro das polícias, é que o médico antes de morrer estava… vivo.
Em comunicado de imprensa, o Ministério referiu que após dirigir-se à esquadra dos Catotes, no Rocha Pinto, foram explicados ao médico os moldes de pagamento da coima e não tendo um terminal de multibanco nos arredores, telefonou a um familiar próximo para proceder ao pagamento.
A nota adianta que “minutos depois, apresentou sinais de fadiga e começou a desfalecer, tendo tido uma queda aparatosa, o que provocou ferimentos ligeiros na região da cabeça”.
“Devido ao seu estado grave, foi levado para o Hospital do Prenda e no trajecto acabou por perecer”, sublinha-se no documento, acrescentando-se que o Serviço de Investigação Criminal interveio, levando a vítima para a morgue do Hospital Josina Machel. De acordo com as autoridades, a família do falecido terá confirmado que o médico padecia de hipertensão.
O Sindicato Nacional dos Médicos de Angola (que comparado com a Polícia nada percebe da questão) contraria a versão da polícia, dizendo que depois da queda o médico foi mantido na cela e horas depois foi encontrado morto.
“Só assim que entenderam levar na viatura da polícia o malogrado para o Hospital do Prenda, onde apenas foi confirmada a sua paragem cardiorrespiratória irreversível”, refere o sindicato.
Um grupo de colegas do Hospital Pediátrico David Bernardino, onde trabalhava o falecido, depois de tomar conhecimento da morte deslocou-se à referida morgue e ficou surpreendido porque a gaveta onde se encontrava o corpo estava cheia de sangue.
“O colega apresenta uma ferida incisiva, tipo corte na região occipital o que presumimos ter sido submetido a pancadaria e duros golpes que resultou naquela ferida e abundante sangramento”, realça o sindicato.
O malogrado médico deveria saber, e o ministro do Interior, Eugénio Laborinho, fartou-se de avisar, que a polícia iria reagir de forma adequada ao comportamento dos cidadãos, mas não ia “distribuir chocolates e rebuçados” perante os actos de desobediência.
Ora, não andar com máscara como é obrigatório pode causar, sobretudo dentro das esquadras, “quedas aparatosas” que podem “provocar ferimentos ligeiros na região da cabeça…” que, contudo, originam um “estado grave” e a morte.
Mas quando um cidadão não usa máscara tem de ser levado para a esquadra, o único lugar adequado para resolver tão candente problema, e aí há sempre a possibilidade de quedas, de ferimentos ligeiros que evoluem para grave e que terminam na morgue.
Está, portanto, esclarecido que o médico Sílvio Dala foi (como é timbre da Polícia) levado com toda a cortesia e urbanidade para uma esquadra, tendo ficado irritado com os agentes por estes se terem (e bem) recusado a – como mandou o chefe – dar-lhe chocolates e rebuçados e a servir-lhe um “whisky” (com duas pedras de gelo).
Pensando em denegrir a impoluta imagem da Polícia Nacional, o médico Sílvio Dala terá começado a agredir as grades da cela, atirando-se pelas escadas abaixo numa tentativa de suicídio que se concretizou mau grado o enorme esforço dos agentes para tentarem evitar o falecimento…