Organizações angolanas de direitos humanos condenaram com “veemência” a morte do médico Sílvio Dala, após detenção numa esquadra policial por conduzir sem a máscara facial, considerando o caso como “reflexo da extrema violência policial no país”. Quem cala consente. E calados continuam, entre outros, João Lourenço, Eugénio Laborinho e Paulo de Almeida.
Para o director geral do Mosaiko – Instituto para a Cidadania –, o frade dominicano Júlio Candeeiro, que lamentou “profundamente” a morte do médico angolano de 35 anos, a situação é “a todos os níveis condenável” e reflecte “aquilo que tem sido nos últimos tempos o escalar da violência policial”.
“Já há uns anos que denunciamos a brutalidade policial, temos vários registos de violência policial e, em tempo da pandemia, esses casos apenas vieram à tona”, afirmou o director do Mosaiko – organização não-governamental de promoção dos direitos humanos.
O médico pediatra Sílvio Dala morreu no passado 1 de Setembro, em Luanda, numa esquadra policial após ter sido detido por conduzir sem máscara.
Em comunicado, o comando da polícia de Luanda confirma a detenção do médico referindo que o mesmo apresentava “sinais de fadiga, teve uma queda aparatosa” e morreu no caminho para o hospital.
Uma versão contrariada pelo Sindicato Nacional dos Médicos Angolanos (SINMEA) que atribui os ferimentos na cabeça as “pancadarias e duros golpes” de que Sílvio Dala terá sido alvo na esquadra policial.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) angolana já abriu um inquérito para averiguar as “reais causas” da morte do médico.
Segundo o director do Mosaiko, está-se diante de “mais um caso de violência policial” em que “faltou a lei da proporcionalidade, faltou racionalismo na abordagem da questão”.
“Se o cidadão conseguiu se explicar, se havia alguma forma de passar a multa para o cidadão não havia necessidade de o reter naquele espaço”, frisou.
Frei Júlio afirmou igualmente que as reacções divergentes entre a polícia e os médicos mostram “algum desespero da corporação” e que a situação deveria ser resolvida com alguma pedagogia, defendendo um inquérito “sério e independente”.
Repúdio e condenação à morte do médico Sílvio Dala também surgem a nível da Associação Mãos Livres, organização de defesa e protecção dos direitos humanos, para quem os angolanos “não podem continuar a morrer gratuitamente”.
“Condenamos veementemente a atitude da polícia nacional, sobretudo aquilo que tem sido e, pensamos que há ordens superiores por parte da polícia nacional, porquanto o ministro do Interior havia dito que não haveria de distribuir chocolates e rebuçados para com os cidadãos”, disse Salvador Freire, presidente das Mãos Livres.
O também advogado defende uma “sindicância para ser responsabilizada a estrutura da polícia nacional”, admitindo mesmo avançar com uma queixa ao tribunal contra a corporação policial.
A não-utilização da máscara facial no interior de uma viatura, mesmo estando sozinho, dá lugar a multa de 5.000 kwanzas, segundo o decreto presidencial sobre a situação de calamidade, que o país vive, desde 26 de Maio passado, para conter a propagação da Covid-19.
De acordo ainda com Salvador Freire, a detenção pelo falta de uso da máscara “não colhe, por se tratar de uma transgressão administrativa e não de um crime”, porquanto, adiantou, “nesses casos o cidadão deve pagar a multa e não ser detido numa esquadra”. “Essa atitude é incorrecta por parte da polícia nacional que, mais do que nunca, deve rever a sua forma de actuação”, concluiu.
O SINMEA agendou para os próximos dias uma marcha de protesto contra a morte do médico Sílvio Dala, que, em Angola, gerou uma onda de comoção e solidariedade para com os profissionais de saúde.
No final de Agosto, a Amnistia Internacional tinha já contabilizado sete mortos às mãos das forças de segurança angolanas, por não usarem máscara, entre Maio e Julho, admitindo que o número de vítimas possa ser superior.
Também várias personalidades recorreram às redes sociais para lamentar e criticar a morte do médico Sílvio Dala.
Welwitschea “Tchizé” dos Santos, filha do antigo Presidente angolano José Eduardo dos Santos, escreveu também uma mensagem na rede Facebook sobre “o brutal assassinato de um médico numa esquadra de polícia em Angola”.
“Claramente não era um cidadão armado ou que representasse perigo ao ponto de ser agredido até à morte”, escreveu “Tchizé” dos Santos, acrescentando que “Angola é um país onde há́ uma gritante falta de profissionais de saúde”.
“Tchizé” dos Santos recordou uma intervenção que fez em 2016 no Parlamento, enquanto deputada do MPLA, sobre a morte “pelas tropas do exército de um rapaz de 14 anos que resistia à autoridade durante uma acção de despejo de casas anárquicas”.
“Há que lutar para que essa seja a única morte desnecessária e arbitrária a ocorrer em Angola, depois do Rufino, em 2016, a Zungueira Juliana Cafrique, em 2019, e tantos outros angolanos assassinados por quem os teria de proteger”, assinalando que “está na hora de corrigir o que está mal a este nível”.
Através da plataforma Twitter, o activista Luaty Beirão convocou uma acção de protesto no Largo da Independência, em Luanda.
“A minha filha viu-me a preparar o meu cartaz e pediu papelão para fazer o dela. A hora é esta. A gente vai para o simbolismo, mas o que vai lhes levar lá é sempre uma incógnita. A caminho do Largo da Independência”, escreveu Luaty Beirão, publicando uma foto de um cartaz onde se lia “Prender, matar, cumpra-se! #PEDEPARASAIR”.
Luaty Beirão partilhou também um apelo feito pelo activista Timóteo Miranda, que pediu a realização, às 19:00 de 11 de Setembro, de um “panelaço e buzinão”.
“Quem estiver em casa bate as panelas e as tampas, quem estiver no trânsito buzina forte. Não custa nada. Pelos nossos irmãos que são vítimas o tempo todo”, escreveu Timóteo Miranda.
No sábado, o Luaty Beirão tinha reagido à morte de Sílvio Dala, escrevendo que este “violou a estupidez tornada lei”.
“Morreu um médico, como se os tivéssemos em excesso. Estava no seu carro, sozinho, sem máscara. Violou a estupidez tornada lei. ‘Vamos para a esquadra!’. Lá ‘caiu’, bateu com a cabeça, morreu! A discussão é só se foi morte acidental ou ‘assistida’”, disse então.
No mesmo dia, a empresária Isabel dos Santos abordou a morte de Sílvio Dala, apelidando-a de “uma notícia triste e revoltante”.
“Um jovem médico angolano foi preso pela polícia “que não distribui chocolates” pois ia a conduzir o seu carro e não estava a usar a máscara”, escreveu Isabel dos Santos, filha de José Eduardo dos Santos.
“Quando acontece na América ou Europa atribuímos ao racismo, mas aqui entre nós vamos dizer que é o quê? A nossa valorização como africanos começa entre nós. É muita falta de amor ao próximo”, escreveu, por sua vez, o músico Anselmo Ralph na sua conta na plataforma Instagram.
Um grupo de colegas do Hospital Pediátrico David Bernardino, onde trabalhava a vítima, depois de tomar conhecimento, deslocou-se à morgue e surpreendentemente a gaveta estava cheia de sangue. Porquê surpreendentemente se a queda provocou ferimentos ligeiros que, como se sabe, provocam um grande derramamento de sangue?
“O colega apresenta uma ferida incisiva, tipo corte na região occipital o que presumimos ter sido submetido a agressões e duros golpes de que resultou naquela ferida e abundante sangramento”, realça o sindicato.
Mas, afinal, quem é que sabe do assunto? Os médicos ou os polícias? Se têm dúvidas é só perguntar ao ministro Eugénio Laborinho ou ao comandante-geral da Polícia Nacional, Paulo de Almeida.
Entretanto, fonte do Ministério do Interior avançou que a autópsia feita na presença da família e de um procurador, concluiu que o médico não foi alvo de qualquer agressão.
Está, portanto, esclarecido que o médico Sílvio Dala foi (como é timbre da Polícia) levado com toda a cortesia e urbanidade para uma esquadra, tendo ficado irritado com os agentes por estes se terem (e bem) recusado a servir-lhe um “whisky” (com duas pedras de gelo).
Pensando em denegrir a impoluta imagem da Polícia Nacional, o médico Sílvio Dala terá começado a agredir as grades da cela, atirando-se pelas escadas abaixo numa tentativa de suicídio que se concretizou mau grado o enorme esforço dos agentes para tentarem evitar o falecimento.
Folha 8 com Lusa