A Procuradoria-Geral da República do MPLA (PGR) anunciou esta sexta-feira, em Luanda, que a TV Palanca, Rádio Global e Agência de Produção de Programas de Áudio e Visual foram entregues ao Estado angolano. Por alguma razão, a velha máxima do partido que está no Poder há 45 anos sofreu com a chegada de João Lourenço uma alteração. Passou a ser “O MPLA é Angola e Angola é DO MPLA».
Em comunicado, a PGR refere que o Serviço Nacional de Recuperação de Activos entregou hoje a empresa Interactive Empreendimentos Multimédia, Lda., da qual os referidos órgãos fazem parte, ao Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social.
Os três órgãos de comunicação social passam para a esfera do Estado “em virtude de terem sido constituídos com fundos públicos”. E como a esmagadora maioria dos investimentos foram feitos com “fundos públicos”, tudo tende a passar para a esfera do Estado, ou seja para o MPLA.
“A entrega inclui instalações, equipamentos, emissão, veículos, trabalhadores e colaboradores”, avança a nota.
A acção insere-se no programa de luta contra a corrupção selectiva, que é uma das bandeiras do mandato do Presidente da República, João Lourenço. Luta que não inclui os investidores que se formataram ao MPLA de novo presidente, aceitando fazer uma cirurgia de remoção da coluna vertebral e de deslocalização do cérebro para os intestinos.
No passado dia 13, o Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) lamentou que Angola não seja um Estado de Direito Democrático. Concretamente, lamentou a “indisponibilidade do Estado” em apoiar os órgãos de comunicação social privados, em “situação crítica de tesouraria”, observando ser um direito legal que lhes “é recusado há décadas”.
Numa nota com a epígrafe “Imprensa Privada sem o Apoio do Estado”, o SJA disse que o esforço empreendido em conjunto com a direcção dos órgãos no sentido de conseguir apoio para a imprensa privada “acabou inglório”.
Por vontade do Estado/MPLA, para além de Angola só precisar de ter um partido, também lhe basta a honorável existência do Jornal de Angola (do MPLA), da TPA (do MPLA) da RNA (do MPLA). Por isso, para os altíssimos e divinais donos do país (“O MPLA é Angola e Angola é do MPLA”), jornalista bom é jornalista morto ou, em alternativa, sem coluna vertebral e com o cérebro no intestino.
“O Sindicato dos Jornalistas Angolanos foi informado de que o Estado não tem disponibilidade para apoiar especificamente a imprensa, devendo esta aproveitar as medidas já existentes”, lê-se no documento.
O SJA, afirmou, no entanto, não vislumbrar qualquer medida tomada pelo Executivo com cabimento para a imprensa privada e lamenta, profundamente, que o incentivo à imprensa, legal e consagrado há décadas, seja mais uma vez recusado. “Situação que coloca os órgãos privados numa verdadeira prova de sobrevivência”, lamentou.
Convém, contudo, salientar que o Titular do Poder Executivo tem nesta matéria de ensinar os angolanos e, é claro, também os jornalistas, a viver sem comer, o apoio explícito do Presidente do MPLA e do Presidente da República. Os três esperam, aliás, que quando estiverem quase, quase mesmo, a saber viver sem comer, os jornalistas… morram.
Em Abril, (alguns) jornalistas angolanos, sobretudo de órgãos privados, manifestaram-se confiantes que a “situação crítica” do sector, agravada pela Covid-19, com “dificuldades para pagar salários”, seria ultrapassada, após reunião com o ministro que tutela a Comunicação Social sob indicação do Presidente João Lourenço.
“Esperamos que sim, porque este sinal que o Presidente da República, João Lourenço, deu pressupõe que sim, vamos acreditar que sim, que realmente os dias de aflição e dificuldades que vivemos sejam ultrapassadas”, afirmou na ocasião Teixeira Cândido, secretário-geral do SJA.
Falando à Lusa no final de uma reunião que mantiveram com o reputado e perito ministro das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, Manuel Homem, o sindicalista observou que o actual cenário da imprensa privada angolana “é crítico e emergencial”.
Passados quatro meses, o SJA reiterou que a imprensa privada “vive dias difíceis, como nunca antes viveu” (antes era no tempo do marimbondo-mor, José Eduardo dos Santos), realidade semelhante à de outros países, razão pela qual “muitos decidiram apoiar a imprensa privada por reconhecer o seu papel estruturante para a promoção das liberdades e democracia”.
A ingenuidade do SJA (embora louvável) reflecte a crença, muito bem disseminada pelo MPLA (o único partido que governou o país nos últimos 45 anos), de que Angola é aquilo que, de facto, não é: um Estado de Direito Democrático. E não o sendo, está-se nas tintas para que a liberdade de imprensa seja um pilar basilar da democracia.
Recorde-se que a PGR (uma das muitas sucursais do MPLA) entregou, no final de Julho, as empresas de comunicação social privadas do grupo Media Nova, dos generais “Dino” e “Kopelipa” e do ex-vice-Presidente Manuel Vicente, ao ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social.
Tudo normal. Nada como testar os limites dos que teimam em pensar com a sua própria cabeça, pondo a gerir o assunto os peritos que têm o cérebro no intestino. No final, o ministro das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, este ou qualquer outro, chegará ao pé do Titular do Poder Executivo e dirá, como esperado: “Patrão, quando os jornalistas estavam quase a saber viver sem comer… morreram”.
Em comunicado, a PGR adiantava que a entrega das empresas da Media Nova aconteceu através do Serviço Nacional de Recuperação de Activos, “em virtude de terem sido constituídas com o apoio e reforço institucional do Estado”.
Cremos (ingénuos que também somos) que a imprensa livre é de facto um pilar da democracia. O problema está quando, como é um facto em Angola, a democracia não existe, ou existe de forma coxa e apenas formal, numa reminiscência da União Nacional de Salazar ou, talvez, do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, de Hitler.