O presidente do MPLA, João Lourenço, destacou hoje os esforços dos últimos dois anos no combate à corrupção em Angola e sublinhou que o partido “está proibido de passar mensagens erradas” sobre este assunto. Ficam assim também impedidos de recordar que o próprio Presidente disse que viu roubar, ajudou a roubar, beneficiou do roubo… mas que não é ladrão.
No seu discurso de abertura da 2.ª reunião ordinária do Bureau Político do MPLA, partido no poder há quase 45 anos, o também Presidente da República (não nominalmente eleito) e Titular do Poder Executivo, abordou a pandemia de Covid-19 e a situação económica e política do país e deixou recados às vozes críticas da luta contra a corrupção, em especial no que toca aos processos judiciais contra Isabel dos Santos.
“Alguns consideram apenas bons resultados o maior ou menor número de pessoas arroladas, detidas ou condenadas ou que o Estado já devia ter recuperado todos os activos, o que a todos os títulos não é realista, uma vez que o dinheiro criou em alguns a ilusão e falsa sensação de impunidade, não fazendo voluntariamente a devolução dos activos que ao povo angolano pertencem”, sublinhou João Lourenço.
Recorde-se que Sindika Dokolo, marido de Isabel dos Santos, disse à rádio MFM que João Lourenço “conseguiu todo o seu património, incluindo casas localizadas nos Estados Unidos de América, à custa da corrupção”.
Também Adalberto da Costa Júnior, líder da UNITA, afirma que “a maioria dos governantes angolanos não consegue justificar o seu património”.
O presidente do MPLA acrescentou que “ao Estado e à justiça angolana não resta outra escolha senão o de alcançar o mesmo objectivo pelos meios legais ao seu alcance incluindo a cooperação judiciária internacional”. Recorde-se que, de facto (de jure há diferenças), o Estado/MPLA é dono da justiça, sendo esta um mero instrumento na mão de um partido que quer perpetuar-se no Poder, custe o que custar.
O Presidente angolano mencionou “as vozes que se levantam no sentido de que a luta contra a corrupção está a ser mal gerida e que a melhor saída seria organizar um debate no seio do MPLA para resolver o problema” dentro da formação política, mas realçou que este não é só um problema do MPLA.
Tem razão. É um problema de todo o país, embora se saiba que até agora os corruptos conhecidos são todos do MPLA. Assim, importa – segundo o partido – fazer tudo para que Angola deixe de ser o MPLA e passa apena ser… do MPLA.
“É um problema dos angolanos e da sociedade no seu todo, nenhuma força política pode se arrogar o direito de a monopolizar, sob pena de ser entendido como uma tentativa de branqueamento dos seus”, disse o chefe de Estado.
João Lourenço indicou que o debate sobre as grandes questões nacionais é sempre bem-vindo desde que não se circunscreva a um único partido político e que “a luta contra a corrupção não leve o poder político a interferir contra a justiça, colocando em causa a independência dos tribunais”.
É claro que o MPLA não interfere “contra a justiça, colocando em causa a independência dos tribunais”. E não interfere porque a justiça e os tribunais apenas cumprem as ordens superiores do MPLA. E por regra cumprem bem. Basta ver os casos em que primeiro é lavrada a sentença e só depois é feito o julgamento, cumprindo a regra de que até prova em contrário todos somos… culpados.
“Depois dos ganhos obtidos pelo país em termos de reputação, o MPLA está proibido de passar mensagens erradas e desencorajadoras à sociedade, aos tribunais, aos investidores e à comunidade internacional”, vincou.
No passado dia 13 de Março, João Lourenço avisou que não é possível dispensar a justiça no combate à corrupção e que vai continuar esta luta apesar da “resistência organizada” que tem encontrado.
“É evidente que a perda repentina dos direitos abismais que alguns pensam ser um direito divino inquestionável, tinha de criar resistência organizada na tentativa de fazer refrear o ímpeto das medidas em curso”, declarou o presidente no seu discurso de abertura da III Reunião ordinária do Comité Central do MPLA, partido no Poder desde 1975 e dentro do qual João Lourenço foi um dos mais altos dignitários, a ponto de ter sido escolhido por José Eduardo dos Santos como seu sucessor.
Sem citar nomes (como é típico do MPLA), João Lourenço falou de pessoas que tiveram “uma ambição desmedida, mas que deviam, pelo contrário, agradecer a acção do executivo”. Compreende-se que não cite nomes. Se o fizesse teria de começar por referir o nome de… João Lourenço.
“Se deixássemos a festa continuar talvez viessem a morrer de congestão de tanto comer”, ironizou João Lourenço, refastelado que está por ter sido um dos que tinha acesso privilegiado à gamela mas que, graças ao marimbondo José Eduardo dos Santos, se transformou em dono dessa mesma gamela.
João Lourenço reforçou a propaganda de que foi o MPLA que “teve coragem de encabeçar a luta contra estes fenómenos negativos e condenáveis” ao reconhecer os danos causados pela corrupção e nepotismo à economia e aos cidadãos, mas acrescentou que esta luta já não é só do MPLA e da oposição, e sim de toda a sociedade angolana. Isto, é claro, se a sociedade angolana não colocar em dúvida o domínio político, económico e financeiro do novo messias, João Lourenço.
Uma luta que, disse João Lourenço, “penalizará aqueles que dela desistirem ou pretenderem regressar ao passado”. Passado que, recorde-se, teve como uma das principais figuras o mesmo João Lourenço, então beneficiário directo e, por isso, submisso ministro de José Eduardo dos Santos.
O combate à corrupção que João Lourenço diz que elegeu como bandeira do seu mandato presidencial tem merecido elogios da comunidade internacional, mas também suscitado algumas vozes críticas que acusam o executivo de ser selectivo elegendo como alvos os familiares e próximos do ex-presidente José Eduardo dos Santos.
A filha mais velha, Isabel dos Santos, é actualmente arguida num processo crime devido à sua gestão na petrolífera do MPLA (Sonangol) durante 18 meses e viu igualmente a justiça arrestar os seus bens e participações sociais num processo em que o Estado reclama mil milhões de dólares e em que, mais uma vez, João Lourenço pôs em prática a máxima de que, quem ele quiser, será culpado até prova em contrário.
No discurso, João Lourenço fez questão de sublinhar que é a sociedade angolana que exige a continuação desta luta “pelos ganhos morais, de reputação e económicos” que o país beneficiará. É verdade. Pena foi, e é, que João Lourenço tenha demorado tanto tempo a reconhecer que viu roubar, que participou nos roubos, que beneficiou dos roubos, mesmo dizendo que – apesar disso – não é, nem foi, ladrão.
João Lourenço deixou também recados às “vozes discordantes” da forma como a luta vem sendo desenvolvida, nomeadamente pessoas e instituições que julgam que é possível combater a corrupção com campanhas de educação e sensibilização e apelo ao patriotismo, dispensando a acção da justiça. Justiça que confunde, conscientemente, o fundo do corredor com o corredor de fundo, branqueando a incompetência generalizada em que se verifica, cada vez mais, que mudaram algumas moscas mas mantendo a mesma merda.
Todas essas acções são importantes e necessárias, mas – diz – “servem para educar e prevenir os cidadãos para não enveredar por caminhos errados”, já que sendo a corrupção um crime, para quem nela está envolvido, “não há forma de se evitar a intervenção dos órgãos de justiça”, salientou João Lourenço.
João Lourenço assinalou ainda que o Estado (leia-se MPLA) foi “benevolente e magnânimo” ao dar um período de graça de seis meses, quase equivalente a uma amnistia, para quem quisesse repatriar voluntariamente os capitais no exterior ou os bens ilicitamente adquiridos no país.
“A anterior situação beneficiou muita gente de dentro e de fora que obviamente não está satisfeita com o actual quadro e, por isso, luta com todas as forças para ver se ainda possível voltar a reinar no paraíso e usam todos os meios para descredibilizar o processo em curso”, acusou o chefe do executivo angolano, garantindo ainda que vai manter a postura e coragem política face ao fenómeno da corrupção, pois assim “o partido sairá mais forte” e em melhores condições de enfrentar os desafios que tem pela frente.
Os jacarés “made in MPLA”
O cidadão comum rejubilou com a saída de José Eduardo dos Santos, que, pasme-se, pese os 38 anos de poder ininterrupto e absoluto, à luz da actual Constituição de Fevereiro de 2010, só cumpriu um mandato. Como assim, perguntará o leitor? É assim porque desde 1975, em Angola, para uns, tudo é possível…
Por tudo isso, a ascensão de João Lourenço mexeu com muitos, por advogar, no início, o propósito de adoptar uma política de moralização e ética na função pública, blindagem da acção dos agentes públicos, tendo como substrato o combate à corrupção.
Mas, tudo parece cada vez mais uma falácia, pois o nosso monarca parece excluir, deliberadamente, uma ampla discussão nacional com todas as forças políticas, viola-se a Constituição e desrespeitam-se as leis, num autêntico desvario político de vaidades umbilicais, face ao monopólio de um actor e partido político, que não são virgens inocentes, pois são responsáveis por toda a desgraça que atinge a maioria dos autóctones pobres.
Angola, na era de João Lourenço, embandeirou em arco com o grande desígnio do combate à corrupção. A comunidade internacional juntou-se à festa, tornando-as quase uma orgia. Ninguém se preocupou, ninguém se preocupa, em saber o que é e de onde vem essa corrupção que o Presidente diz querer combater com todas as suas forças.
Mas, na verdade, há pelo menos dois tipos de corrupção – a endémica e a sistémica. João Lourenço apostou todas as fichas na endémica, embora apresentando-a para consumo público como sistémica.
A endémica pode ser, grosso modo, exemplificada com o pagamento de gasosa a um polícia, a um funcionário público, a um médico. Ou seja, rotulou como grandes corruptos meia dúzia de adversários do mesmo clã (exclusivamente, próximos de Eduardo dos Santos), ou outros a ele ligados, fez parangonas disso e mostrou – falaciosamente – que está a combater a corrupção sistémica por via política quando, de facto, esta só pode ser combatida por via jurídica, antecedida da social e educacional.
A corrupção endémica é aquela que se mantém na sombra, na penumbra e que, quase como um camaleão, não é reconhecida pelo público como tal, escapando quase sempre até à análise da comunicação social. É nesse labirinto que joga o xadrezista João Lourenço.
Para levar a bom termo o seu desiderato de poder unipessoal, João Lourenço, justa ou injustamente, está a ser acusado de ter comprado, subornado, corrompido, a nata que se julgava a “inteligentsia” do MPLA, nomeadamente os seus deputados, através de mordomias e avenças por baixo da mesa. Desta forma, a corrupção passou de endémica a sistémica (faz parte do sistema), alojando-se no centro da maioria do poder legislativo.
A corrupção em geral, mas muito mais a sistémica, atinge mortalmente o desenvolvimento social e económico do país, desviando de forma ardilosa (porque o Povo olha para a árvore mas não vê a floresta) os investimentos públicos que deveriam ir para a saúde, educação, infra-estruturas, segurança, habitação, aumentando a exclusão social da maioria e a riqueza de uma minoria ligada ao Poder.
Enquanto uma sociedade sã faz aumentar a riqueza e dessa forma diminui a exclusão, uma que se sustenta na corrupção em geral e na sistémica e particular, não cria riqueza mas apenas ricos. É exactamente o que se passa no nosso país. Quando agentes públicos e privados, todos gravitando na esfera do MPLA/Estado, desviam milhões e milhões de dólares destinados à saúde, educação, saneamento, habitação e infra-estrutura, estão a trabalhar para os poucos que têm milhões e não para os milhões que têm pouco… ou nada. A corrupção está incrustada em nossa sociedade há décadas.
Neste momento, a perseguição cega de castigar, prender e discriminar os ricos que estavam do lado de José Eduardo dos Santos (onde também esteve João Lourenço) esquecendo os demais, atenta contra a estabilidade de emprego de milhões e afasta investimentos externos, avessos à instabilidade interna e à balbúrdia bancária. Mais grave em tudo isso é querer-se enveredar para uma reforma, tendo a corrupção no epicentro, amedrontando-se o dinheiro.
Quando um regime amedronta o dinheiro, a corrupção passa a actuar, com mais intensidade no submundo, atentando contra todos os direitos da maioria. Por outro lado, reconheça-se ser a actual estratégia (considerando ser estratégia) do presidente João Lourenço, a melhor forma de, honestamente, se dar razão ao músico e activista irlandês, Bob Geldof, quando, no dia 6 de Maio de 2008, em Lisboa, disse: “Angola é um país gerido por criminosos. As casas mais ricas do mundo estão na baía de Luanda, são mais caras do que em Chelsea e Park Lane. Angola tem potencial para ser um dos países mais ricos do mundo, com potencial para influenciar as decisões da China. Estamos (os cidadãos europeus) a poucos quilómetros de África, como podemos não nos questionar?”
Hoje quando a indignação aponta que os corruptos e demais ladroagem está concentrada num partido, apresentado como o que têm mais ladrões por metro quadrado no mundo, isso significa, ser exímio o projecto de João Lourenço, para num futuro próximo, talvez, nas próximas eleições gerais, os povos, não continuem a votar, num bando de criminosos ou numa quadrilha, que diante da imparcialidade, não haverá lugar, nas fedorentas masmorras do próprio regime.
É preciso ponderação de todas as partes, para que o país não resvale, para uma nova confrontação, onde os ricos com necessidade férrea de defender o património, sejam compelidos a despedir massivamente e encerrar empresas, causando um caos social de repercussões incalculáveis.
Folha 8 com Lusa