Recentemente o MPLA emitiu um repúdio com veemência, contra o jornal “Folha 8”, pela publicação de um texto em que associava-se a figura de Agostinho Neto às figuras consideradas defensoras da escravatura. O “Folha 8” escreveu: «Vários países estão a retirar dos espaços públicos as estátuas de assassinos, ditadores e defensores da escravatura. Em Angola está a demorar muito para que isso aconteça».
Por Joaquim H. Humberto
Mas perturba-nos a posição hipócrita do regime contra uma vulgarização da imagem de Neto, por acaso há alguém de memória supérflua que não se lembra dos efeitos maléficos do líder idolatrado? Então se Neto, mesmo tendo colocado um destino obscuro a centenas de milhares de famílias foi tornado um deus na terra, porque é que JES tendo sido dirigente do MPLA mais de 30 anos não merece perdão por ter enriquecido os que andavam à sua volta e que são os mesmos que hoje governam o MPLA e depreciam a imagem de JES instigando continuamente uma perseguição sem tréguas ao seu clã?
O historiador Carlos Pacheco numa das suas obras “Agostinho Neto – O perfil de um ditador. A História do MPLA em carne viva”, lançado em Lisboa, trata a barbárie cometida por Agostinho Neto, que todos o classificaram como similar as barbáries de Mussolini e Hitler, observa-se nessa obra um homem tirano, que mandou fuzilar dezenas de milhares de famílias, muitas das quais inocentes, nos massacres de 27 de Maio de 1977.
Uma obra que dá cor ao regime tirano de Neto. Longe de ser um líder de consenso no seio do MPLA como muitos o queiram fazer ser, Agostinho Neto, sem estofo de um Gandhi ou de um Mandela, no que estas personalidades tinham de mais luminoso, o culto da justiça e da generosidade, foi na realidade um tirano que deu destino aos caminhos de trevas ao país que governou, tendo imposto um regime ditatorial de extrema carnificina em Angola, traindo todos os princípios e valores das lutas pela independência patentes na proclamação de 1975, e mergulhando o país numa guerra fratricida na qual se cometeram os maiores crimes e atrocidades.
Por falta dessa grandeza e envergadura não só foi incapaz de evitar o divisionismo como também o fomentou, daqui resultando as consequências mais funestas para o povo angolano que ainda hoje chora os seus entes mortos e desaparecidos.
Também a história do MPLA, partido dirigido por Agostinho Neto e os seus acólitos durante o seu consulado, é nesta obra desvendada pondo nu todo o cortejo de barbaridades e violações dos direitos humanos que então foram cometidos contra todos os seus opositores que na maioria era os seus próprios irmãos de pátria e tinham lutado pela independência de Angola. Esta obra vem pôr fim a um mito, e dá lugar à perturbação hedionda imposta num período ditatorial cauterizado pelas ideologias de Neto.
Se, Neto foi tão mau assim, mas requer profunda teimosia na defesa de um princípio heróico que sequer nunca lhe pertenceu, porque é que JES foi colocado como um déspota nas vias públicas? Tratado como modelo mais vergonhoso de liderança universal? Seu sequazes foram atados à perseguição cujo silêncio permanece até então completamente ausente, à sua primogénita e ao seu varão foram-lhe recusados todos os direitos, até o de serem livres, sem mesmo, nenhum teor do ordenamento jurídico, violando todos princípios constitucionais e dos direitos humanos, a Procuradoria-Geral da República ordena estar disposta a prender Isabel dos Santos sem que se pudesse velar em padrões apelados pela própria Constituição tomada como lei magna do país.
Hoje, o quadro, se mudou, parece o mesmo, pelo que causa espanto continuar a assistir-se, tal como no passado recente, à mesma PGR, que nunca pediu desculpas sobre o cometimento de erros monstruosos, contra Fernando Garcia Miala, Joaquim Ribeiro + 21 polícias, William Tonet, José Kalupeteka, liderar tão nobre combate.
Agora, numa inversão de marcha, violando todos os princípios constitucionais atira-se contra o clã dos Santos, violando tudo que é regra jurídica e passando por cima da Constituição Angolana que pelo verbo tem sido acusada de ser a Lei mais importante da nação e a única que não pode ser violada.
A Constituição da República de Angola, no seu artigo 63º consagra o seguinte: Toda a pessoa privada da liberdade deve ser informada, no momento da sua prisão ou detenção, das respectivas razões e dos seus direitos, nomeadamente:
a) Ser-lhe exibido o mandado de prisão ou detenção emitido por autoridade competente, nos termos da lei, salvo nos casos de flagrante delito;
b) Ser informada sobre o local para onde será conduzida;
c) Informar a família e o advogado sobre a sua prisão ou detenção e sobre o local para onde será conduzida;
d) Escolher defensor que acompanhe as diligências policiais e judiciais;
e) Consultar advogado antes de prestar quaisquer declarações;
f) Ficar calada e não prestar declarações ou de o fazer apenas na presença de advogado de sua escolha;
g) Não fazer confissões ou declarações contra si própria;
h) Ser conduzida perante o magistrado competente para a confirmação ou não da prisão e de ser julgada nos prazos legais ou libertada;
i) Comunicar em língua que compreenda ou mediante intérprete.
No entanto, observa-se aqui, uma violação capital do Direito Constitucional, se Isabel dos Santos nunca foi ouvida pela justiça, nunca foi tornada arguida porque é que agora tem de ser alvo de detenção para ser presa? Onde anda o ordenamento jurídico angolano afinal? Questionamo-nos como é que Neto é acusado de ser um herói, embora tenha cometido inúmeras barbáries, e JES é depreciado e o seu clã tornado alvo de acusações e perseguições sem fim. Não se pode perceber porque razão se permite que Neto permaneça na figura de um herói, mesmo tendo assassinado inúmeras famílias sem direito algum de julgamento, e JES seja tornado num perseguido pela justiça, seu clã amotinado em tudo que é canto.
A justiça em Angola continua a fazer-se com base nos mesmos subterfúgios do passado. Ou seja, por ostentação unicamente para justificar o guião político do presidente da República. Se Isabel dos Santos terá cometido algum delito tinha de ser tornada arguida primeiro, ouvida pela justiça, e, em função do andamento do processo, se poderiam tomar possíveis decisões à posteriori. Não se pode violar tudo, e acorrer logo a um mandado de captura sem juízo jurídico sequer.
Que o país está atolado em grandes males é uma realidade perceptível aos olhos das inteligências mais medianas, todavia não se observa em João Lourenço um estadista conspícuo, em cujo arcabouço se divise o talento e as virtudes necessárias para empreender a cura do corpo doente do país. Permanece uma justiça que só tem voz para alguns, enquanto outros permanecem amarrados numa perseguição desmedida.
Isabel dos Santos não cometeu até então algum crime como o fizeram Álvaro Sobrinho, Manuel Vicente e tantos outros, pelos vistos, tinha algumas dívidas ao Estado angolano, desde logo, deve ser primeiro ouvida pela justiça, só depois se pode acorrer a toda forma de força para coloca-la presente no banco dos réus. Não se justifica como alguém que nunca foi ouvida é logo acusada e poder ser presa, sem direito algum de ser tornada arguida.
Os crimes dos dirigentes do MPLA são inúmeros, apesar da obstinação dos seus dirigentes em apagá-los. Não pode ser apenas Isabel dos Santos a única culpada por aquilo que todos fizeram. Onde andam os que faliram o BPC? Onde andam os que faliram o BCI? Onde andam os que faliram o BESA? Onde andam os que roubaram todo o dinheiro da Caixa Agro-Pecuária? Onde andam os que faliram o CNC? Onde andam os que faliram a CSS/FAA? Onde andam os que colocaram a Sonangol completamente falida deixando o Estado de rastos?
Resta-nos saber o paradeiro destes todos que deram destino aos seus bolsos o dinheiro que era do país. Perturba-nos saber porque é que apenas Isabel dos Santos tenha de ser alvo de todo tipo de perseguição e de injustiças, enquanto isso, existem variadas figuras do MPLA envolvidas em crimes contra o aparelho do Estado, mas, no entanto, permanecem completamente impunes.
São crimes que preenchem um largo historial e se traduzem em péssima governação e em violações permanentes dos principais direitos individuais e colectivos inscritos na Lei Fundamental. Crimes que perduram desde o consulado de Agostinho Neto. Com a particularidade de o sistema de governação ter sido sempre o mesmo, petrificado na lógica da supremacia das elites sobre o resto da comunidade nacional. Jamais existiu um plano sério de melhoramento social. Mais de 80% da população vive presa a uma espiral de carências medonhas. Um inferno para elas. Falta-lhes tudo: habitação condigna, suficiência alimentar, saneamento básico, saúde pública integral que lhes garanta serviços de qualidade e medicamentos; políticas de educação e prevenção das doenças e uma rede inteligente de escolas e um ensino sério e qualificado a todos os níveis. O analfabetismo e a iliteracia são assustadores.
Mas como pode fazer-se de Neto um herói apesar de matar mais que o próprio Jonas Savimbi hoje diabolizado e perverter o papel de Dos Santos ao longo de mais de trinta anos, tendo transformado o seu clã em alvo de injustiças, ódio e tanta perseguição? É uma questão que requer uma resposta por parte do Titular do Poder Executivo desta Nação.
Está claro que Isabel dos Santos é mero bode expiatório para dar a crer ao mundo, que existe combate a corrupção, ao passo que tal processo não passa de um mero acto desabonador. No fundo de tudo, o Estado angolano, está a sacrificar a pessoa de Isabel dos Santos para poder satisfazer os seus aferros políticos (…). Onde é que já se viu um procurador julgar que pode emitir um mandado de captura? Por acaso é o juiz ou o procurador que tem a tarefa de emitir um mandado de captura?
É ao juiz que compete a responsabilidade de julgar grande parte das causas, sejam elas de direito empresarial, tributário, cível, de família, penal, ambiental ou consumidor. Desde logo, não pode ser o Procurador-Geral da República de Angola a emitir um mandado de captura de um processo que decorre sob alçada das autoridades portuguesas, mas sim, o juiz português tem a missão de o fazer. Vê-se aqui, um erro grotesco de interpretação da lei por parte de ambas as autoridades angolanas e portuguesas dedicadas na perseguição à pessoa de Isabel dos Santos.
E por acaso o direito penal angolano é o mesmo que vigora em Portugal? Havendo molduras penais diferentes em ambos os países como um procurador angolano pode mandar na justiça portuguesa? Impondo um mandado de captura a Isabel dos Santos que está a ser acusada em Portugal? Será que a justiça portuguesa depende da justiça angolana? Há aqui um conjunto de erros de leitura, e de interpretação de ambas as molduras penais. Todavia, o facto de uma juíza ter afirmado ter tomado decisão a partir de uma entrevista do esposo da acusada é outra grande lacuna colocada em causa.
Nunca se viu, o que hoje se nota no processo Isabel dos Santos, como é possível uma juíza ter afirmado tomar decisões com bases em entrevistas realizadas na rádio FM pelo esposo de Isabel dos Santos? Parece que, o que existe neste processo Isabel dos Santos não é de direito, mas sim, um enorme ódio contra a pessoa da vítima, tendo sido recusada todas as oportunidades da justiça, razão pela qual, se violam todos os princípios plasmados em ambos os ordenamentos jurídicos para satisfazer a raiva e a vingança que moram no coração dos vingadores.