A Cedesa — Pesquisa e Análise Independente conclui que o tão emblemático e propagandeado, interna e externamente, combate à corrupção em Angola, apesar das intenções “muito claras manifestadas pelo Presidente da República, João Lourenço, não está a surtir efeito imediato e permanente”. Por outras palavras, o que se pensava ser a descoberta do mestre que faria a obra-prima de Angola não passou da descoberta da prima do mestre-de-obras do MPLA.
De acordo com um documento da Cedesa, a análise realça também que, do ponto de vista fático, os processos não avançam com celeridade, “nem as práticas corruptas parecem ter sido erradicadas, perdurando como uma realidade na vida do país”. E já agora, por uma questão de rigor, é basilar no ADN do partido que governo o país há 45 anos, o MPLA.
“É neste contexto que se torna fundamental proceder a uma modificação estrutural na orgânica e legislação fundamental relativamente ao combate à corrupção”, recomenda a pesquisa.
A Cedesa, uma entidade internacional dedicada ao estudo e investigação de temas políticos e económicos da África Austral, em especial de Angola, propõe que seja criado em Angola um órgão judiciário focado no combate à corrupção e uma nova orgânica judicial própria com a competência de instruir e julgar casos de corrupção e branqueamento de capitais (secções especializadas de tribunais, juízes e lei processual).
Sugere ainda a introdução de legislação que preveja a colaboração premiada e a possibilidade de acordos processuais homologados por juízes entre as partes de um caso criminal.
Segundo o documento, “estas três medidas são fundamentais para colocar o combate à corrupção no caminho certo”.
Sobre o órgão judiciário focado no combate à corrupção, a Cedesa recomenda que o mesmo tenha poderes de investigar, revistar, buscar, apreender, escutar, deter, demandar cooperação internacional, entre outros pontos, especializado no combate à corrupção.
“Esse órgão centralizaria toda a investigação respeitante aos grandes casos de corrupção e branqueamento de capitais, tendo uma estrutura própria e estatuto igualmente separado dos outros órgãos”, especifica o documento, exemplificando com o ‘Serious Fraud Office (SFO), do Reino Unido.
Este seria, de acordo com a Cedesa, um órgão focado, com capacidade para investigar, acusar, arquivar ou chegar a acordo, proceder à arguição no caso em tribunal, recorrer, enfim, acompanhar os casos do princípio ao fim.
“Concomitantemente, seria estabelecido um juiz de instrução adstrito a esta criminalidade, bem como uma secção dentro dos tribunais comuns, por razões de constitucionalidade (artigo 176.º, n.º 5 da Constituição), dedicada ao julgamento de processos de corrupção e branqueamento de capitais (autorização de actos que exijam juiz)”, refere o estudo sobre as secções especializadas nos tribunais comuns com a competência de julgar este tipo de casos.
No que se refere à legislação, a Cedesa considera que é “urgente” a aprovação de diplomas legais que facilitem e acelerem o combate à corrupção, permitindo a adopção de medidas de direito premial, bem como a possibilidade de se chegar a acordos nos processos entre as partes, estando tais acordos sujeitos a homologação de um juiz.
“Defende-se a existência do ‘plea-bargain’ (colaboração premiada), isto é, de negociações entre o Ministério Público e os arguidos, que levem à devolução de bens, uma pena mais leve ou inexistente e a denúncia de outros comparticipantes”, salienta a pesquisa.
No estudo, a Cedesa refere o processo que envolve a empresária angolana Isabel dos Santos, depois de denúncias do ex-presidente do Conselho de Administração da Sonangol, Carlos Saturnino, e acentuado com o ‘Luanda Leaks’, assinalando: “Facto é que, aparentemente, esta ainda não foi notificada para prestar declarações no processo-crime que então lhe foi aberto em Angola”.
“A realidade é que existe o risco de um acentuado prolongamento neste processo, nem se condenando, nem se absolvendo, deixando um rasto de injustiça sobre toda a matéria”, sublinha.
“O episódio cómico sobre o passaporte com a assinatura de Bruce Lee, que estaria num dos processos de Isabel dos Santos, é um primeiro sintoma ténue da hipótese de falhanço deste processo-símbolo do combate à corrupção em Angola”, frisa o documento.
Corrupção e MPLA são sinónimos
Acabar com a corrupção no reino do MPLA seria como acabar com as vogais na língua portuguesa. Essa peregrina ideia de querer pôr, em Angola, os corruptos a lutar contra a corrupção é digna dos bons alunos que o regime do MPLA formou e formatou ao longo de 45 anos (ou até mais).
O combate à corrupção em Angola apresenta resultados mais baixos do que seria de esperar. Essa de chamar combate à fantochada do reino do MPLA, há mais de dois anos e meio sob o comando do soba-maior João Lourenço, não passa de uma piada de belo efeito mediático.
O combate à corrupção está enfraquecido por uma série de deficiências resultantes da falta de uma estratégia nacional de combate a esta criminalidade complexa, bem como à manutenção de um regime nado e criado sob o manto da corrupção.
Nenhum Governo angolano até hoje estabeleceu, objectivamente, uma política de combate à corrupção no seu programa eleitoral, limitando-se apenas a enumerar um conjunto de considerandos vagos, de intenções simbólicas, de formas eufemísticas que mais não são do que atestados de menoridade a todos nós.
Mas do que é que estávamos à espera? Que os corruptos lutassem contra a corrupção que, aliás, é uma das suas mais importantes mais-valias? E mesmo quando, por acaso, anunciam medidas concretas, nunca são para cumprir. Por alguma coisa Angola em 45 anos teve só três presidentes da República (nenhum nominalmente eleito) e um só partido no Poder.
As poucas iniciativas legislativas tomadas, as mais vastas ementas de boas intenções, não travam a corrupção. Não travam nem travarão. Este crime é, em Angola, uma forma impune e imune de ser milionário, de ser dono de escravos, de se estar podre por dentro mas brilhante por fora.
Tudo isto acontece pela manifesta cobardia tanto da comunicação social como da sociedade civil, para acompanhar os processos de produção de legislação e denunciar a má qualidade dos diplomas, a péssima formação dos políticos, dos gestores, dos empresários e de toda a ávida alcateia que mama no erário público.
Na política angolana existe uma total e criminosa (mas impune) irresponsabilidade dos eleitos face aos eleitores e as promessas de combate à corrupção nada mais significam, em termos práticos, do que uma garantia de que é possível caçar elefantes com uma chifuta.
Para acabar com esta realidade, seria – para começar – necessário que a Assembleia Nacional fosse formada por políticos honestos (não um, mais um, alfobre da corrupção) que não temessem (e pudessem) fiscalizar os actos do Governo, o registo de interesses de deputados e membros do Governo, criando um regime de incompatibilidades aos membros que integram os gabinetes governamentais.
De vez em quando o Presidente João Lourenço resolve falar do combate à corrupção. Fala. Fala bem. Mas, neste como em outros assuntos, apenas mudam as moscas…
Os angolanos, na generalidade e em teoria, são contra a corrupção, mas no dia-a-dia acabam por pactuar (até por questões de mera sobrevivência) com ela. Por isso continuamos sem saber como é que se pode combater algo que, em sentido lato, já é uma instituição identitária e genética do regime e do partido que o forma, o MPLA. Falha nossa, certamente.
Nesta matéria as similitudes entre o pai (Portugal) e o filho (o MPLA) são mais do que muitas. Afirmar que os níveis de corrupção existentes em Angola superam tudo o que se passa em África, conforme relatórios de organizações internacionais e nacionais credíveis, é uma verdade que a comunidade internacional, Portugal incluído, reconhece mas sem a qual não sabe viver.
Aliás, basta ver como os políticos e as grandes empresas, portuguesas e muitas outras, investiram forte no clã Eduardo dos Santos como forma de fazerem chorudos negócios… até com a venda limpa-neves. Basta estar atentos para ver que já estão a fazer o mesmo com a equipa de João Lourenço.
Com este cenário, alguém se atreverá a dizer ao actual dono do poder angolano, João Lourenço, que é preciso acabar mesmo com a corrupção porque, se assim não for, será a corrupção a acabar com Angola?
Seja como for, a corrupção pode até ser uma boa saída para a crise angolana. Isto porque, como demonstram as teses oficiosas da comunidade internacional, é muito mais fácil negociar com regimes corruptos do que com regimes democráticos e sérios.
Folha 8 com Lusa