As lições do Governo

Angola declarou, em Nova Iorque, que o Mundo precisa de acelerar o ritmo e envidar maiores esforços na busca de soluções para a poluição, as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade, a fim de “transformar verdadeiramente sociedades e economias até 2030”. É claro que, mais uma vez, isto é para olhar para o que o Governo diz e não para o que faz.

A declaração foi divulgada pela representante permanente da República de Angola junto das Nações Unidas em Nova Iorque, embaixadora Maria de Jesus Ferreira, por ocasião do Dia Mundial do Ambiente e que teve como tema a biodiversidade.

“As mudanças climáticas são umas das maiores ameaças do nosso tempo, uma vez que os seus impactos adversos prejudicam, gravemente, a nossa capacidade de atingir as metas de desenvolvimento sustentável”, disse a diplomata angolana, ressaltando que esta é a década da acção para se alcançar esse desiderato.

Para Maria de Jesus Ferreira, a forte pressão da humanidade sobre os recursos naturais, combinada com factores como o crescimento populacional, a expansão urbana, o aumento dos padrões de consumo e o desenvolvimento económico e industrial contribuiu para a exacerbação dos problemas ambientais.

Segundo a “ordem superior” sobre o assunto, deve destacar-se a contribuição de Angola para o esforço de preservação e melhoria do meio ambiente, reflectida na implementação de um programa nacional de desenvolvimento sustentável, que inclui medidas adoptadas para combater as mudanças climáticas e seus impactos negativos.

O referido programa tem como objectivo (provavelmente a concretizar daqui a 55 anos) promover a preservação e o uso sustentável dos oceanos, protegendo, recuperando e promovendo os ecossistemas e a biodiversidade, além de combater a desertificação.

Esse plano nacional é centrado nos esforços do Governo para proteger os nossos 20 milhões de pobres, perdão, para preservar a biodiversidade da grande bacia do Okavango, uma das maiores áreas protegidas e transfronteiriças da África subsahariana, e vital para a saúde da região.

O plano está a ser gerido em duas frentes, designadamente por meio de uma parceria com o “National Geographic Okavango Wilderness Project” (NGOWP), que tem como finalidade a construção de cooperativas alternativas de subsistência para a agricultura e a silvicultura sustentáveis, bem como a gestão de bacias hidrográficas.

A extensão educacional, a gestão de áreas protegidas e a criação de uma economia local baseada na conservação são outros dos objectivos do programa, cuja segunda frente é gerida pela Comissão da Bacia do Rio Okavango (OKACOM), estabelecida por Angola, Botswana e Namíbia.

O plano tem como propósito (segundo o Departamento de Informação e Propaganda do Governo) a promoção e o fortalecimento da gestão sustentável integrada da região, o respeito e a implementação das melhores práticas internacionalmente reconhecidas para preservar e proteger a biodiversidade da bacia, melhorar meios de subsistência das comunidades locais e desenvolver a economia geral de cada Estado participante.

Na declaração, Angola argumenta que a actual crise global de saúde, causada pelo surgimento da Covid-19, não pode ser vista como não relacionada com a destruição humana de hábitos e biodiversidade, “pois destruímos continuamente o ecossistema através do desmatamento, da caça, agricultura e do comércio e consumo de animais silvestres”.

Considera a presente crise um lembrete de que a saúde humana está ligada à saúde do planeta e que um planeta saudável é fundamental para a capacidade humana de desenvolver e até alcançar e manter a paz e a segurança.

A crise torna urgente “intensificar os esforços na implementação dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda de Acção de Addis Abeba e dos compromissos no âmbito do Acordo de Paris sobre as Mudanças Climáticas”, observa.

Propalar a mentira é a regra

Em Agosto de 2019 o Brasil era o terceiro país com o maior número de fogos, numa lista liderada por Angola, que registou 6.902 fogos nos dias 22 e 23 desse mês, comparado com os 2.127 registados no Brasil, principalmente na Amazónia.

De acordo com a agência de informação financeira Bloomberg, que cita dados do satélite MODIS (Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer) lançado pela NASA em 1999, Angola registou 6.902 fogos, mais do dobro dos 3.395 na República Democrática do Congo e mais do triplo dos 2.127 fogos registados no Brasil.

Salientando que este número não era um fenómeno invulgar na África central, a agência de notícias escreveu que só numa semana de Junho foram registados 67 mil incêndios quando os agricultores fizeram queimadas para ganhar terra para as colheitas.

A partir dos seus satélites, a NASA mostra “anomalias térmicas” e incêndios no mundo. As anomalias térmicas podem indicar um incêndio ou “qualquer fonte de calor significativa”, segundo a agência espacial americana. Os dados utilizam um algoritmo, de acordo com a NASA, que analisa fortes emissões de radiação infravermelha de anomalias térmicas e incêndios.

“Esses incêndios não se podem esconder”, diz um texto no site da NASA: “Até nos cantos mais remotos do globo, os seus sinais de calor podem ser detectados por sensores de satélites que observam a Terra.”

Na mesma altura as autoridades angolanas estavam a efectuar diligências junto da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), com vista a beneficiar de apoio aos programas de controlo e gestão de queimadas no país.

Os contactos estavam a ser encetados pela Representação Permanente de Angola na FAO, em Roma (Itália), tendo como interlocutor a direcção florestal desta agência da ONU.

Segundo a Representação Permanente, o propósito da iniciativa era o de obter para Angola assistência no controlo e na redução das queimadas, no quadro dos programas de educação ambiental das comunidades nas áreas rurais, visando melhorar a educação e gestão da agricultura familiar.

Tendo em conta as preocupações recorrentes à volta da problemática das queimadas, o envolvimento da FAO poderá contribuir para consolidar os esforços do Governo angolano, com vista a incutir nas populações novos conhecimentos necessários à gestão das florestas com a adopção das melhores práticas.

A Representação de Angola na FAO estava igualmente a trabalhar no sentido de promover a captação de recursos financeiros para a implementação de projectos, programas e acções nesse domínio.

Com uma área global de 60 milhões de hectares de cobertura florestal, Angola possui uma taxa de desflorestação anual de 8,2%, estando abaixo das taxas de muitos países africanos.

Angola é signatária do Acordo de Paris sobre as Alterações Climáticas, considerado pelo Governo angolano como um agente catalisador da mudança, e que deve ser adoptado por todos, a fim de salvar e preservar o planeta para as gerações presentes e vindouras.

Neste sentido, o país possui já programas e planos, alguns deles em execução, para dar resposta às necessidades de implementação do desenvolvimento sustentável.

Nesses programas, destacam-se estratégias multi-sectoriais para assegurar a inserção de energias renováveis, desenvolvimento e expansão da agricultura familiar, no âmbito do combate à pobreza e da garantia da segurança alimentar.

De acordo com o Governo, essas práticas de queimadas, apesar de não serem boas, são habituais e controláveis, sem comparação com os incêndios que se registam na floresta da Amazónia (Brasil), como alguns meios de informação tentaram fazer crer.

Numa nota de imprensa, a propósito de informações que diziam haver um número elevado de fogos em Angola, o Ministério do Ambiente admitiu a existência de queimadas, mas negou haver razões para drama.

Recorde-se que o então ministro da Comunicação Social, João Melo, afirmou que comparar as queimadas que se fazem em vários países africanos do centro-sul, como Angola, com os fogos da Amazónia “é um completo nonsense”, admitindo, no entanto, o problema.

O rapazola confundiu a obra-prima do mestre com a prima do mestre-de-obras, mostrando que, por exemplo, se o Presidente da República taxasse a estupidez dos membros do Governo, o país deixaria de estar em crise.

Na sua conta do Twitter, o ministro fez alusão a um artigo da agência Bloomberg (que o Folha 8 divulgou no artigo “Angola lidera lista de países com mais incêndios”) que se baseava em fotos da NASA, a agência espacial norte-americana, e punha Angola no topo mundial em número de fogos, considerando que a comparação não fazia sentido.

João Melo, como é seu timbre, esqueceu-se que não é feita nenhuma comparação mas, tão-somente, uma listagem estatística com os países que, na altura, registavam o maior número de fogos.

“O artigo atribuído à Bloomberg afirmando, com base em fotos da NASA, que há mais fogos em Angola, Congo e outros países do centro-sul de África do que na Amazónia é um completo nonsense. Como comparar queimadas, tradicionais nesta região, com o incêndio da maior floresta do mundo?”, escreveu João Melo.

Pois é. Então não também não era possível elencar/comparar os nossos 20 milhões de pobres com a inexistência de pobres nos clãs familiares dos membros do Governo, ou comparar/elencar a coluna vertebral de um chimpanzé (sem ofensa para estes primatas) com a de João Melo?

Numa sequência de ‘tweets’, em que interagiu também com os seus seguidores, João Melo criticou o “carnaval” em torno das fotos da NASA e a confusão entre queimadas, fogos florestais, incêndios, fósforos acesos, piqueniques, churrascos, sardinhadas e similares.

“Confundir fotos de capim a arder na nossa região com incêndios massivos em florestas é brincadeira. E misturar isso com politiquice barata é pior ainda. Lamentável”, escreveu o então governante enquanto se descalçava para tentar contar as razões da sua emblemática tese que, à priori, sabia que seriam mais de… 10 (dez).

João Melo reconheceu, contudo, que o problema existe e precisa de ser resolvido, respondendo a um seguidor que “o Governo está a tomar medidas para enfrentar esses problemas. Mas resolvê-los leva tempo”.

Nisto o ex-ministro tinha razão. Se em 45 anos de governo o MPLA ainda não conseguiu descobrir a diferença entre um corredor de fundo e o fundo do corredor, precisa mesmo de muito tempo para distinguir o José Maria da Maria José.

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