O secretário provincial do Namibe do Sindicato de Jornalistas Angolano (SJA), Armando Chicoca, foi constituído arguido por indícios de violação dos limites ao exercício da liberdade de imprensa. Depois venham falar-nos de liberdade de imprensa, de democracia e de estado de direito, ok?
O jornalista respondeu na Procuradoria-Geral da República (PGR) ao primeiro interrogatório no processo no qual é também indiciado do crime de injúria contra agentes da autoridade ou força pública, mais propriamente à escolta do governador da província.
Segundo o advogado do jornalista, Celestino Fernandes, o seu constituinte foi notificado para responder a uma denúncia pública, desencadeada pelo Ministério Público, por causa de uma suposta agressão a uma jornalista da Televisão Pública de Angola (TPA), Carla Miguel, em Abril passado, supostamente por um elemento da escolta.
Celestino Fernandes frisou que foi alegado que a divulgação desta informação “suja o bom nome da polícia”. Do ponto vista social, é um pouco difícil sujar alguma coisa que já está suja. Mas como estamos em Angola, é possível que sujidade seja sinónimo de pureza, de limpidez.
“Neste momento, o meu constituinte não tem nada que se defender aqui. Eles é que acusam, eles é que têm de trazer os factos a provar que, de facto, ele publicou errado (…). Nós também temos matéria suficiente para fazer fé daquilo tudo que ficou ali esclarecido”, disse.
O advogado esquece-se, lamentavelmente, que segundo o ADN do partido que governa o país há 45 anos, até prova em contrário todos somos… culpados. A presunção de inocência (até sentença transitada em julgado) é uma daquelas manias complexadas que só existem nas democracias e nos estados de direito e que, como sabemos, não se aplica aqui na banda.
Em causa está a suposta agressão à jornalista Carla Miguel quando a mesma se encontrava em serviço e, alegadamente, a escolta do governador provincial manifestou a sua insatisfação pelo facto de a equipa da TPA ter “ultrapassado o carro da escolta”.
A jornalista, que inicialmente apresentou uma queixa contra o suposto agressor na PGR, decidiu retirá-la após um pedido de desculpas público do governo provincial.
Mas se o Governo provincial pediu publicamente desculpas, isso quer dizer o quê? Quer apenas dizer, “esperem que a seguir virá a paulada”. É claro que há um manancial de sucursais do Governo (provincial ou nacional) sempre prontas para mostrar serviço subserviente ao chefe, fazendo suas as dores dos que parem néscios.
Em carta, a jornalista confirmou a ocorrência do incidente: “Percebemos o repúdio do senhor Bruno Katié Fernandes [elemento da escolta], no entanto, este procedeu a seguir com agressões verbais e também físicas (já que pegou-me de forma agressiva pelos braços, invadindo a minha sensibilidade)”.
A jornalista salientou ainda que, por ter recebido um pedido formal de desculpas do gabinete do governador, após consulta ao Conselho de Administração da TPA (do MPLA) em Luanda, aceitou não entrar com “nenhuma acção judicial contra o senhor Bruno Katié Fernandes, chefe da escolta do governador Archer Mangueira” e anterior ministro das Finanças.
Por sua vez, o governo da província considerava, na sua carta, “reprovável” a postura por parte do chefe da escolta, que “não se coaduna com a forma de estar de sua excelência senhor governador provincial do Namibe, Archer Mangueira”, vindo por isso apresentar por aquela via o “profundo e sincero pedido de desculpas pelo sucedido”.
Carla Miguel, a jornalista angolana que acusou a escolta do governador da província do Namibe, o ex-ministro das Finanças Archer Mangueira, de a agredir decidiu retirar a queixa, que apresentou à Procuradoria-Geral da República, depois de um pedido de desculpas público do governo provincial. Diferenças entre José Eduardo dos Santos e João Lourenço? Só em algumas moscas…
Em carta, a jornalista reiterou ter ocorrido o incidente, depois da escolta do governador provincial ter manifestado a sua insatisfação pelo facto de a equipa da TPA ter “ultrapassado o carro da escolta”.
“Percebemos o repúdio do senhor Bruno Katié Fernandes, no entanto, este procedeu a seguir com agressões verbais e também físicas (já que pegou-me de forma agressiva pelos braços, invadindo a minha sensibilidade)”, diz a jornalista.
A jornalista salienta que desiste da queixa por ter recebido um pedido formal de desculpas do gabinete do governador (do MPLA) e após consulta ao Conselho de Administração da TPA (do MPLA).
“Aceito o pedido de desculpa formal do governo provincial e manifesto por esta via que não pretendo entrar com nenhuma acção judicial contra o senhor Bruno Katié Fernandes, chefe da escolta do governador Archer Mangueira”, refere a carta dirigida à Procuradoria-Geral da República.
O governo da província considera na carta do pedido de desculpas, “reprovável” a postura por parte do chefe da escolta, que “não se coaduna com a forma de estar de sua excelência o senhor governador provincial do Namibe, Archer Mangueira”, vindo por isso apresentar por aquela via o “profundo e sincero pedido de desculpas pelo sucedido”.
O que pensará deste assunto o secretário de Estado (e ex-ministro) da Comunicação Social, Nuno Caldas Albino “Carnaval”? Não pensa nada até que o “querido líder” lhe diga o que deve pensar. Por iniciativa própria ele tem apenas (e já é muito, reconheça-se) uma vaga ideia que oscila entre o fundo do corredor e o corredor de fundo.
Quanto à ERCA (Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana), o seu máximo dirigente – Adelino Marques de Almeida – estará certamente em fase de quarentena intelectual (que já dura há 45 anos), admitindo-se que em relação a este caso ainda esteja a descalçar-se para ver se consegue contar até 12.
Por sua vez o ministro das Telecomunicações e Comunicação Social (Manuel Homem) contactou Carla Miguel para lhe manifestar a sua solidariedade e apoio. A par disso, abordou igualmente o governador provincial do Namibe assim como o Sindicato dos Jornalistas, orientando o Conselho de Administração da Televisão Pública de Angola a prestar toda assistência necessária a Carla Miguel.
Diferenças? Só em algumas moscas
Março de 2012. A Redacção do Folha 8 foi invadida, na manhã do dia 12 de Março de 2012 por mais de 15 agentes, uns fortemente arrogantes e petulantes à civil, pertencentes a DNIC- Direcção Nacional de Investigação Criminal – sob um Mandado de Buscas e Apreensões da PGR (Procuradoria-Geral da República), junto da DNIC, assinado pelo seu procurador provincial, João Vemba Coca.
A investida ocorreu por volta da 12 horas e 40 minutos e teve como objectivo o confisco de todo o material informático do F8, ao invés de uma acção de Busca e Apreensões nos marcos da Lei n.º 22/92 de 4 de Setembro, no seus artigos 6.º e 15.º.
Esta acção truculenta e inusitada, não de Buscas e Apreensões, mas de confisco de todos os computadores do F8, visando o seu amordaçamento e da Liberdade de Imprensa, foi, surpreendentemente, enquadrada na Lei 23/10 de 3 de Dezembro, Lei dos Crimes Contra a Segurança do Estado.
Se a publicação de caricaturas, em pleno século XXI, se enquadra na Lei dos Crimes Contra a Segurança de Estado, então estava a reconhecer-se não ser Angola um Estado Democrático e de Direito.
Só assim se entende a flagrante violação do art.º 6.º (Formalidades) da Lei 22/92 de 4 de Setembro, referenciada, caricatamente, no próprio Mandado de Busca e Apreensões da PGR junto da DNIC, que impõe: “o réu estará sempre presente ou substituído pelo seu defensor”, o que não aconteceu.
Não pendia contra o F8 nenhum processo – crime, que obrigue à apreensão e confisco dos seus meios informáticos. Existia sim, um processo, movido pela PGR junto da DNIC, em que o seu director, William Tonet era arguido, em função da publicação, na Edição 1075 de 30 de Dezembro de 2011, na pág.ª 33, de caricaturas dos cidadãos José Eduardo dos Santos, Fernando da Piedade Dias dos Santos “Nandó” e Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa”.
Mais. Face à edição das referidas caricaturas, o Director do F8 e o nosso jornal, imediatamente a seguir, em jeito de humildade e responsabilidade, apresentaram e reconheceram o erro cometido, penitenciando-se publicamente, inclusive com grande Destaque na primeira página da Edição n.º 1076 de 07 de Janeiro de 2012.
Se o gesto do F8 não colheu, então as autoridades e entidades estavam a passar, à maioria dos cidadãos autóctones, a ideia de o art.º 23.º da CRA (Constituição) de “todos serem iguais perante a Constituição e a Lei” não ser abrangente, logo, a construção do país assenta no poder, na força, no controlo da máquina da justiça, na discriminação, na vingança, nos rancores e nos ódios.
Em sede de interrogatório no dia 24.2.12, na PGR junto da DNIC e diante do seu procurador provincial adjunto da República, Miguel Janota, o director do F8 informou ter sido extraída a caricatura da internet, ora se assim foi, a sua cópia teria de estar num computador e não em 20, logo havendo necessidade de se confirmar se existem várias formas e perícias de o fazer, quando assim é há que se distinguir o exame de corpo de delito do exame dos instrumentos do crime.
A PGR junto da DNIC tem legitimidade de proceder à observação e à recomposição dos elementos sensíveis do facto criminoso, para a formação do corpo de delito, mas quando pretende proceder ao instrumencta sceleris, ou exame dos instrumentos, que considera terem sido usados para a realização de um dado evento, deveria socorrer-se de um perito de reputação imaculada, especializado em informática, do arguido ou do seu advogado, para a identificação de todos os ficheiros dos computadores apreendidos.
Assim não tendo procedido, aquando da realização das Buscas e Apreensões, falece a eficácia da perícia, colocando-se sob suspeição os intentos da PGR junto da DNIC chegar à verdade material, uma vez não haver confiança nos métodos utilizados na acção da manhã do dia 12 de Março de 2012, um campo aberto para a introdução de ficheiros incriminadores, contra o Folha 8.
Por outro lado, com esta engenharia a PGR junto a DNIC, violou, também, o art.º 34.º da CRA:
“1. É inviolável o sigilo da correspondência e dos demais meios de comunicação privada, nomeadamente das comunicações postais, telegráficas, telefónicas e telemáticas.
2. Apenas por decisão de autoridade judicial competente proferida nos termos da lei, é permitida a ingerência das autoridades públicas na correspondência e nos demais meios de comunicação privada”.
Ora não existiu, no caso, um mandado de autoridade judicial competente, no caso o juiz de um tribunal, que tem decisão de mérito, para discricionariamente a PGR/DNIC abrir a totalidade dos ficheiros, nos computadores apreendidos.
Ademais, um acto que poderia ter sido pacífico, foi tão intimidatório e musculado ao ponto do chefe da diligência ter ameaçado e impedido o director-adjunto, Fernando Baxi, de efectuar uma chamada ao director do F8, para o informar da situação.
Esta acção tratou-se, em nossa opinião, claramente, de mais um acto inusitado sem explicação plausível, de clara violação à Liberdade de Imprensa, um atentado à incipiente Democracia e uma flagrante manobra estratégica levada a cabo para desviar a atenção da população angolana, impedindo-a de ter mais relatos imparciais sobre a brutalidade das agressões inqualificáveis cometidas no dia 10.3.12 contra os manifestantes que se reuniram para protestar pacificamente face à marginal nomeação de Suzana Inglês como presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), bem como pedir que a preparação dos actos conducentes à realização das eleições de Setembro de 2012 fossem transparentes e não controladas exclusivamente pelo partido no poder, que será jogador e também árbitro.
Por tudo isso, a Direcção do F8, em função dessa acção, que era a segunda, na sua história, protagonizada por agentes da DNIC e PGR, denunciou mais uma flagrante violação à LIBERDADE DE IMPRENSA E DE EXPRESSÃO, protagonizada contra um órgão que, na altura, não era alvo de nenhum procedimento judicial
Por essa razão, o F8 denunciou com veemência à comunidade nacional e internacional, ao Sindicato dos Jornalistas Angolanos, ao Misa-África, ao Comité Internacional de Protecção aos Jornalistas, aos Repórteres Sem Fronteiras, à União Africana, à União Europeia, à ONU, a todos os jornalistas angolanos conscientes, mais esta desproporcional utilização e recurso à lei, para se violarem direitos fundamentais, constitucionalmente consagrados dos cidadãos.
Perante aquele acto brutal, que pôs radicalmente em causa o alarido da propaganda do Executivo, de comprometimento com a Democracia e a pluralidade de opiniões, o confisco, que pôs em causa a actividade de uma empresa, com responsabilidades trabalhistas, como se o objectivo final fosse o de provocar a sua falência, desmentiu formalmente toda essa publicidade enganadora, pois é diferente a actuação da justiça, consoante em causa estão interesses dos poderosos ou pobres, pois estes, podem ser prejudicados, não privilegiados, privados de qualquer direito, em função das suas convicções políticas, ideológicas ou filosóficas.
Este é o verdadeiro problema.