Entre 10 milhões e 35 milhões de cidadãos dessa aberração que dá pelo nome de CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) deverão ser afectados pela fome extrema (falta de comida, penúria, míngua, miséria) devido à Covid-19, mas estes países ainda dispõem de alguns instrumentos para minimizar os impactos da pandemia, segundo o último chefe da FAO em Lisboa.
Em entrevista à agência Lusa, Francisco Sarmento, que até Dezembro chefiou o escritório da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) em Portugal, antes de este deixar de estar em funcionamento, referiu alguns dos cenários possíveis para o impacto da pandemia na alimentação na CPLP, excepto (talvez, dizemos nós) Portugal.
A concretização destes cenários dependerá da duração e intensidade da pandemia, bem como das respostas que os Estados derem, ou não, para minimizar o impacto, mas deverão começar a sentir-se dentro de poucos meses. Meses? Olhem, por exemplo, para Angola, Moçambique ou Guiné-Bissau e ficarão a saber (já sabem mas…) que a fome começou muito antes da Covid-19.
Francisco Sarmento tem uma certeza: “Quem já estava vulnerável, vai ficar mais vulnerável e os fortalecidos vão ficar mais fortalecidos”. Por outras palavras, como Folha 8 tem escrito repetidamente, os poucos que têm milhões continuarão a ter mais milhões, e os milhões que têm pouco ou nada continuarão a ter ainda menos.
“Os impactos da Covid-19 não se vão distribuir de uma forma igual em territórios que já estavam numa situação de desigualdade à partida”, disse.
Francisco Sarmento recordou os progressos que os países da CPLP realizaram até 2014, conseguindo reduzir, em média, o número de “pessoas afectadas directa ou indirectamente pelo fantasma da fome”, o que se deveu a uma estabilidade político-militar que permitiu o desenvolvimento de programas públicos.
Recorde-se que se João Lourenço comer um prato de caviar e a Maria zungueira nada comer, em média cada um deles comeu meio prato de caviar.
Angola registou estatisticamente o progresso mais expressivo, reduzindo de 55% para 23% a abrangência do impacto da fome na sua população. Aliás, como repetidamente afirma João Lourenço, em Angola não há fome…
Em Moçambique essa diminuição foi de 37% para 30% da população, com reduções importantes também nos outros países da CPLP.
“Isto significa que em Angola o número de pessoas com fome extrema passou de 18 milhões para oito milhões e, em Moçambique, esse número baixou de 8,9 milhões para 4,5 milhões. O Brasil saiu do mapa da fome em 2014, tendo livrado deste flagelo 30 milhões de pessoas”, referiu. Continuamos a dar crédito às estatísticas que, como se sabe, provam tudo e o seu contrário.
As melhorias continuaram, embora com crescimentos muito mais reduzidos, até que os fenómenos climáticos extremos, como as cheias em Moçambique e a seca severa em Angola, vieram colocar milhões de pessoas em situação de fome.
Quanto à criminosa incompetência de alguns governos… ninguém fala. Ninguém diz que muitos destes problemas são dramáticos em países que, como em Angola e Moçambique, são governados desde a independência pelos mesmos partidos, MPLA e FRELIMO, respectivamente.
Perante a actual pandemia, estes países apresentam-se sem ferramentas nem soberania para tratar da questão dos alimentos, uma vez que são grandes importadores e dependem do abastecimento de países que, por seu lado, já se encontram a reduzir as exportações para garantirem o abastecimento interno.
“Vamos ter países altamente dependentes de produtos importados, a preços muito mais elevados, porque existem em menor quantidade”, disse Francisco Sarmento.
Com a Covid-19 e respectivas restrições os governos desses países deixaram de ter mecanismos financeiros para fazerem face à situação, como a diminuição do valor do petróleo de Angola ou do gás de Moçambique, ou ainda do turismo em Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.
A juntar a estas dificuldades, a economia informal, que é muito frequente nestes países, está a revelar a fragilidade dos apoios sociais, deixando sem receitas muitos milhões de pessoas a quem resta engrossar as fileiras da pobreza e da fome, considerou o especialista.
Perante estas circunstâncias, Francisco Sarmento apresenta três cenários para eventuais impactos da pandemia nos países da CPLP, apontando o “mais optimista” para 10 milhões de pessoas que vão ficar numa situação de fome extrema, “tantos quantos os residentes em Portugal”.
Um cenário “do meio”, e que o especialista em alimentação considera como mais provável, resulta em 25 milhões de pessoas com fome devido à Covid-19.
“Se a intensidade e a duração da crise forem muito maiores do que o desejável, poderemos estar a falar de 35 milhões de pessoas” que vão ficar a sofrer com a fome. No caso de Angola isso também se deve ao factos de os angolanos não terem conseguido, como há 45 anos pretende o MPLA, viver sem… comer.
Sublinhando que esta é uma análise com base em cenários, Francisco Sarmento diz ter apenas uma certeza: “Os impactos desta crise nos países vão ser desproporcionais, porque partiram num nível de grande vulnerabilidade para a pandemia”.
Impactos que deverão começar a sentir-se dentro de três meses e que poderão ser minimizados se os países apostarem numa aprendizagem colectiva de respostas que uns e outros têm aplicado.
“Até 2014, o Brasil livrou da fome 30 milhões de pessoas através de medidas como a compra de alimentos nacionais, as hortas nas escolas e a dinamização do comércio local. Angola tem escolas de campo para a agricultura, Moçambique conta com programas de produção de alimentos locais e saudáveis e São Tomé e Príncipe é o país onde a agricultura menos depende de agro-químicos importados”, enumerou.
“Esta aprendizagem colectiva pode ser posta ao serviço destes países. Isto é que é materializar os vínculos históricos e de solidariedade entre eles”, disse, esperando que as medidas cheguem às populações antes dos jornalistas, porque “quando a fome é notícia é porque há muito que está a roubar a dignidade ao ser humano”.
O número de mortes provocadas pela Covid-19 em África subiu para 1.589 nas últimas horas, com quase 37 mil casos da doença registados em 52 países, segundo as estatísticas mais recentes sobre a pandemia naquele continente.
Entre os países africanos que têm o português como língua oficial, Guiné Equatorial lidera em número de infecções (315) e uma morte, seguido da Guiné-Bissau (197 e uma morte), Cabo Verde (113 e uma morte), Moçambique (76), Angola (27 infectados e dois mortos) e São Tomé e Príncipe tem 14 casos confirmados.
Depois de ler este texto, não temos dúvidas de que o Governo de Angola vai analisá-lo durante um almoço de alto nível, cuja ementa será frugal: Trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e uma selecção de queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas, acompanhados por um vinho corriqueiro, tipo Château-Grillet 2005.
Permitam-me discordar. A CPLP não é uma aberração. Aberração é sim a forma como esta tem sido gerida e consequentemente não utilizada para se conseguir algo de útil para os povos dos vários países que a constituem.
Os homens é que fazem as instituições, melhorando-as ou destruindo-as. Neste caso concreto da CPLP, infelizmente o que temos é uma cabal demonstração da incapacidade da sua liderança e principalmente dos países que a constituem, que em concreto não parecem estar interessados na mesma.
Mas sejamos objectivos, se os líderes dos países constituintes da CPLP não estão sequer interessados em serem bons governantes dos respectivos países, porque diabo iriam querer uma CPLP que verdadeiramente funcionasse.
Logo, não é a a CPLP que é uma aberração, porque a ser assim, os países que a constituem seriam igualmente aberrações. São os dirigentes políticos dos países que constituem a CPLP, esses sim, as verdadeiras aberrações.