A agência de notação financeira Standard & Poor’s (S&P) manteve o ‘rating’ de Angola em B- (lixo), piorando a perspectiva de evolução de estável para negativa, com a dívida pública a ficar nos 99% do Produto Interno Bruto este ano. Para dar a volta ao problema, João Lourenço negociou (mais) uma linha de crédito de 1.500 milhões de dólares (1.300 milhões de euros) com o banco alemão KfW IPEX-Bank para financiar projectos de investimento público.
“A perspectiva de evolução negativa reflecte a possibilidade de uma descida se o alto nível de dívida pública do Governo tornar insustentáveis as necessidades de financiamento, ou se as pressões orçamentais ou externas levarem a défices gémeos [externo e orçamental] maiores do que o previsto”, lê-se na nota da S&P.
Na explicação da revisão do ‘rating’, que é mantido em B-, ou seja, abaixo da recomendação de investimento (lixo, como geralmente é conhecido), os analistas da Standard & Poor’s sublinham que “o peso da dívida tem subido rapidamente” e apontam que “a dívida subiu de 88,6% do PIB em 2018 para os 103% do PIB em 2019, quando estava nos 30% em 2014”.
Esta forte subida entre 2018 e 2019 “resultou, principalmente, da queda de mais de 56% no valor do kwanza”, adiantam, mas nos próximos anos a expectativa dos analistas é que a dívida desça.
“Esperamos que a acumulação de dívida desça até ao final de 2023, assumindo que o Governo mantém os compromissos de consolidação orçamental num contexto de uma depreciação mais lenta do kwanza”, lê-se na nota que acompanha a descida da perspectiva de evolução do ‘rating’ de Angola, que coloca a dívida nos 92% em 2023 e que o custo dos pagamentos represente “27,8% da receita, em média, entre 2020 e 2023”.
A nível macroeconómico, a S&P espera que Angola regresse ao crescimento já este ano, com uma expansão de 1% do PIB, depois de no ano passado ter visto novamente a riqueza contrair-se em 1,1%.
Para 2021 é prevista uma aceleração para os 1,5%, e depois 2,5% no ano seguinte e 2,8% em 2023, bem abaixo dos 4,8% registados em 2014, ano em que a descida do preço do petróleo fez a economia de Angola abrandar, primeiro, e recuar, depois.
A taxa de desemprego, no entanto, ficará nos 35% até ao final de 2023 e a taxa de crescimento “per capita”, que mede a riqueza distribuída por cada habitante, será sempre negativa até 2023, significando que o crescimento da economia não chegará para melhorar a vida de todos os angolanos.
Enquanto isso, o governo negociou uma linha de crédito de 1.500 milhões de dólares (1.300 milhões de euros) com o banco alemão KfW IPEX-Bank para financiar projectos de investimento público.
Segundo o despacho presidencial datado de 6 de Fevereiro, que aprova o acordo-quadro de financiamento a ser assinado pela ministra das Finanças, a concessão deste crédito enquadra-se na necessidade de garantir a continuidade do programa do governo no que toca à execução de projectos inseridos no Programa de Investimentos Públicos. O despacho assinado por João Lourenço menciona ainda a estratégia do executivo no que concerne à diversificação das fontes de financiamento destes projectos virados para o desenvolvimento económico e social do país.
Angola recebeu na sexta-feira a visita da chanceler alemã Angela Merkel, tendo ambos os chefes de Estado manifestado empenho no reforço da cooperação bilateral. Além da assinatura de acordos comerciais e memorandos de entendimento nas áreas da energia, transportes e infra-estruturas, Merkel adiantou que Angola pode ser o 13º país a aderir ao Compact with Africa, uma iniciativa que visa promover o investimento privado no continente.
O KfW IPEX-Bank é uma subsidiária do grupo KfW direccionada para apoiar projectos internacionais e financiamento à exportação.
Os amigos alemães
O banco alemão Commerzbank anunciou em Julho de 2018 que iria abrir uma linha de crédito para Angola de 500 milhões de euros, conforme autorização para o negócio concedida por despacho presidencial de 23 de Julho. Lentamente os alemães estão a conhecer o nosso país. João Lourenço reforça relações, seguindo a estratégia de José Eduardo dos Santos.
O documento, assinado pelo Presidente da República, aprova o acordo-quadro de financiamento para concessão da linha de crédito, a celebrar entre Angola e o banco alemão, que aconteceu um mês antes de o chefe de Estado, João Lourenço, realizar uma visita oficial à Alemanha.
Uma informação do Governo angolano, de Maio, referia que estava em curso a negociação com o Commerzbank Aktiengesellschaft, o segundo maior banco comercial da Alemanha, para obter um financiamento de 500 milhões de euros, para garantir exportações alemãs para Angola.
O Governo angolano já tinha fechado no final de Maio um financiamento de 700 milhões de dólares (590 milhões de euros) junto do banco Credit Suisse, para cobertura de projectos estratégicos.
Este financiamento soma-se a um outro, de 500 milhões de dólares (420 milhões de euros), autorizado nos mesmos moldes, por despacho presidencial de 2 de Maio, junto do Agência de Crédito para a Exportação do Reino Unido (UK Export Finance), para projectos inscritos no Programa de Investimento Público (PIP).
Em ambos os casos não foram adiantados dados sobre as condições dos financiamentos.
A confirmação destes negócios surgiu poucos dias depois da concretização, no início de Maio, da segunda emissão de ‘eurobonds’, ou títulos de dívida soberana em moeda estrangeira, com Angola a colocar no mercado mais 3.000 milhões de dólares (2.500 milhões de euros), dividida em maturidades de 10 e de 30 anos, com juros acima de 8,2%.
Entretanto, o Governo angolano negociou a reabertura desta linha, com mais 500 milhões de euros, na componente de ‘eurobonds’ com maturidade a 30 anos.
A 11 de Maio foi noticiado que o Governo está a negociar mais de 16.500 milhões de euros em linhas de financiamento internacionais para projectos no país, a maior parte junto de instituições da China.
Angola e a Alemanha são velhos e bons parceiros. Nós damos o porco e eles depois retribuem dando-nos uma das suas famosas salsichas. O desenvolvimento da cooperação ao nível, por exemplo, das pequenas e médias empresas, a força motriz da economia alemã, é um dos baluartes das relações comerciais bilaterais.
A vontade de incentivar este relacionamento fora já manifestada por dirigentes dos dois países durante o VI Fórum Económico Angola-Alemanha, realizado em 21 de Julho de 2015, em Luanda, no âmbito da Feira Internacional de Luanda (Filda).
Na abertura desse evento, o então ministro da Economia de Angola, Abraão Gourgel, destacou o forte papel socioeconómico que desempenham as pequenas e médias empresas (PME) alemãs, sublinhando os factores sucesso, estabilidade e coesão social.
“Com efeito as 30 mil PME que existem na Alemanha asseguram 16 milhões de empregos, ou seja, 61% de todos os postos de trabalho na economia global e 44% dos postos de trabalho na indústria de transformação. Trata-se de indicadores sem paralelo, mesmo em países industrializados”, destacou o governante angolano, sobre a situação alemã.
Por sua vez, o delegado da Economia (Governo) da Alemanha em Angola, Ricardo Gerigk, disse que as PME alemãs querem colaborar com o desenvolvimento angolano e defendeu que o processo de diversificação económica que Angola leva a cabo passa igualmente pela diversificação dos parceiros económicos.
“Além da transferência de conhecimento e investimento na produção, as empresas investem fortemente na formação profissional. Gosto de citar uma palavra que aqui em Angola representa muito ‘juntos’, juntos podemos cooperar e colaborar para o desenvolvimento de Angola”, realçou na altura Ricardo Gerigk.
No fórum de 2015, os participantes receberam informações sobre os projectos e oportunidades de compromisso económico nos sectores da infra-estrutura, saúde, industrialização e energia, bem como quanto às garantias de risco e condições de financiamento para Angola.
Participou também no evento a secretária de Estado parlamentar do Ministério da Economia e Energia da Alemanha, Brigitte Zypries, que sublinhou a importância de mais investimentos na formação de quadros, sobretudo a formação profissional de jovens.
Os alemães são conservadores e cautelosos. No dia 19 de Fevereiro de 2015, 16 novos contratos, num investimento privado de 35,7 milhões de dólares, foram assinados em Luanda com a Agência Nacional de Investimento Privado (ANIP).
Em declarações à imprensa, no final da cerimónia, a então presidente do Conselho de Administração da ANIP, Maria Luísa Abrantes, destacou existência de investimentos no sector da indústria.
“Interessa dizer que, embora não seja o número pretendido, mas mais uma vez temos quatro projectos para a indústria, o que demonstra o interesse pelo sector, não obstante só um ser da indústria têxtil e outros da construção, o que obviamente o investidor vem atrás do consumo e da reconstrução nacional”, referiu.
Os projectos de maior investimento então assinados foram para o sector da indústria, o primeiro de 8,3 milhões de euros e que visa a construção de uma fábrica de betão, no município de Viana, arredores de Luanda, que iriai garantir numa primeira fase 300 postos de trabalho.
Foram também assinados projectos para a construção de uma fábrica de produção de fraldas descartáveis, igualmente em Luanda, um investimento, proveniente da Eritreia, avaliado em 5,7 milhões de euros.
Ainda na área da indústria foram rubricados dois contratos para a exploração de madeira, de investidores angolanos e chineses, na província de Malanje (2,7 milhões de euros) e em Luanda (2,6 milhões de euros).
Entre os contratos destacava-se igualmente um projecto no sector da construção civil e obras públicas, do Canadá, de 1,7 milhões de euros, o segundo que surge depois de um outro de cinco mil milhões de dólares (4,3 mil milhões de euros), em 2014, para o sector da construção.
“O Canadá e a Alemanha são muito conservadores e quase não têm aparecido no investimento privado, no caso, na agência, mas estão a aparecer. Não é um valor muito significativo, mas é extremamente importante que haja já investimento do Canadá assim como da Alemanha”, disse Maria Luísa Abrantes.
Folha 8 com Lusa