Um total de 13 unidades fabris começam a ser alienadas, este mês, na segunda fase do processo de privatizações, que o Governo angolano iniciou em 2019 e no qual conseguiu arrecadar 16 milhões de dólares (14,5 milhões de euros), menos 64 milhões do que o previsto, acrescente-se.
Segundo o administrador executivo do Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE), Akiules Neto, tratam-se de 13 unidades fabris, localizadas na Zona Económica Luanda/Bengo, das quais apenas duas se encontram inoperantes.
Akiules Neto, que falava à margem de um encontro realizado com empresários nacionais e estrangeiros para informações sobre as condições de participação, estudo de impacto ambiental, formas de pagamento, entre outros aspectos, disse que a segunda fase do processo de privatização poderá estender-se até Abril deste ano.
O responsável, citado pela agência noticiosa angolana, Angop, referiu que foi solicitado aos interessados a salvaguarda da mão-de-obra existente, uma vez que muitos trabalhadores possuem elevada experiência.
As empresas em causa fazem parte de um conjunto de 195 activos detidos ou participados pelo Estado angolano e que pretende alienar até 2022, no quadro do seu Programa de Privatizações (Propriv).
As empresas listadas para privatização têm produção nas áreas de embalagens metálicas, betão, carpintaria, sacos plásticos, tintas e vernizes, torres metálicas, tubos em PVC, telhas metálicas, acessórios em PVC, vedações, absorventes e sacos para cimento.
Em 2019, o Estado angolano arrecadou 16 milhões de dólares com a privatização de cinco fábricas, que tinham custado cerca de 30 milhões de dólares (27,2 milhões de euros).
Ser sérios talvez não fosse mau
De facto, 16 milhões de dólares foi o valor que o Estado arrecadou, menos 64 milhões do que o previsto, com a privatização integral de cinco unidades industriais instaladas na Zona Económica Especial (ZEE) Luanda/Bengo, inoperantes há 10 anos.
No âmbito das (supostas) boas contas do MPLA, a projecção inicial era arrecadar 80 milhões de dólares, mas o mercado acabou por ditar o valor final das aquisições, revelando que mais uma vez os cálculos saíram furados.
As unidades foram vendidas no quadro do processo de privatização de activos do Estado, que chegou a investir nas cinco unidades 30 milhões de dólares, de acordo com dados avançados pelo Conselho de Administração do Instituto de Gestão de Activos e Participação do Estado (IGAPE).
Trata-se da privatização (ao desbarato) da Carton, Indugidet, Juntex, Univitro e Coberlen, alienadas pelo IGAPE, que fez em Setembro de 2019 a entrega das primeiras chaves aos novos proprietários, após assinatura dos contratos de aquisição.
Nos termos dos contratos assinados, as empresas compradoras tinham um prazo de 30 dias a contar da data de assinatura para a transferência para a conta única do Tesouro os valores que correspondem à aquisição de cada unidade industrial.
A cerimónia foi orientada pelo presidente do Conselho de Administração do IGAPE, Valter Barros, e testemunhada pelo presidente da Zona Económica Especial (ZEE), Henriques da Silva, representantes da Sonangol e investidores.
A Carton, unidade produtora de embalagens, foi adquirida pela empresa Angolissar, por 100 milhões e 220 mil kwanzas, contra a proposta inicial do IGAPE, de três mil milhões, 26 milhões, 326 mil e 177 kwanzas.
A Indugidet, fábrica de produtos de higiene e detergentes, foi comprada pela empresa Azoria, no valor de três mil milhões, 337 milhões e 200 mil kwanzas contra seis mil milhões, 82 milhões 193 mil e 503 kwanzas em termos de preço de referência.
Já a indústria de argamassa para assentamento e revestimento de paredes, Juntex, foi vendida por 225 milhões de kwanzas à empresa Ecoindustry, dos mil milhões 121 milhões 54 mil e 249 kwanzas propostos.
A Univitro, a única em funcionamento do total das cinco, foi alienada à empresa Zeepack por 555 milhões, contra dois mil milhões, 689 milhões, 453 mil e 498 kwanzas.
A Zeepack também pagou a compra da Coberlen, unidade para fabrico de cobertores, tendo investido para sua aquisição 295 milhões de kwanzas, contra mil milhões 685, milhões 477 mil e 221, como preço de referência.
Para a segunda fase deste processo de privatizações estão previstas outras 25 unidades industriais da Zona Económica Especial (ZEE) Luanda/Bengo, de um total de 52 unidades instaladas.
Valter Barros, gestor do IGAPE, referiu na ocasião que as unidades foram avaliadas há muito tempo e as condições em que foram avaliadas na altura não são as mesmas de hoje. Uma conclusão brilhante. Aliás as condições variam consoante os interesses (sobretudo partidários) que estiverem em jogo.
“Quando lançamos o concurso colocamos o preço de referência resultante desta avaliação, que foi feita já há cincos. O mercado acabou por ditar as ofertas dos preços que recebemos dos investidores”, justificou. De facto, quando alguém está prestes a afundar-se não olha à cor da mão que o ajuda a erguer-se. Ou, como diria o grande guru do MPLA, Jacques II de Chabanes (também conhecido por Jacques de La Palice), só morre quem está… vivo.
Para o responsável do IGAPE, se forem privatizadas e entrarem em funcionamento entre 45 a 50 unidades, será um “grande” ganho para o Estado em termos de oferta de postos de emprego, sendo o principal objectivo deste processo.
Os novos proprietários das fábricas admitiram ser necessário um levantamento “exaustivo” do estado dos equipamentos instalados nas unidades fabris, tendo em conta o período em que se encontram inoperantes. Ou seja, tal como o Governo, compraram no escuro ou, na melhor das hipóteses, visitaram as fábricas à noite, recorrendo à luz de candeeiros… apagados.
“Temos que ver se as máquinas funcionam e só depois disso podemos falar sobre a data do arranque da fábrica, mas espero ainda este ano dar início”, disse Carlos Nelson Giovetti representante da empresa Azoria, que adquiriu a Indugidet, fábrica de produtos de higiene, detergentes, por mais de três mil milhões de kwanzas, contra os seis mil milhões propostos pelo IGAPE.
O representante da empresa Ecoindustry, que adquiriu a Juntex, outra unidade fabril que esteve inoperante durante muito tempo, também tem o mesmo posicionamento que consiste em fazer primeiro um levantamento exaustivo do património da fábrica.
De acordo com o seu representante, Paulo Jorge Vieira dos Santos, a empresa pode investir quase o mesmo valor da compra do espaço, 225 milhões de kwanzas.
Mohamed Ali Fadel, representante da empresa Angolissar, que adquiriu a Carton, referiu que passos serão dados para que este imóvel abra, em breve, apontando o estado dos equipamentos como sendo um dos impasses que pode condicionar a abertura.
“Pelo trabalho preliminar já feito, parte do material pode ser aproveitado, mas a maior parte deve ser adquirido”, avançou Mohamed Ali Fadel.
A ZEE é um espaço dotado de benefícios fiscais e vantagens competitivas, uma propriedade do Estado com 21 reservas, sendo sete industriais, seis para agricultura e oito para actividade de exploração mineira.
Um IGAPE à e por medida
O novo Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE), instituído em Junho de 2018 por decreto presidencial, assumiu o processo de privatização das empresas estatais. O IGAPE substituiu, em termos de denominação, o anterior Instituto para o Sector Empresarial Público (ISEP).
O novo instituto foi criado como um “órgão especializado ao qual incumbe a regulação e monitorização do Sector Empresarial Público”, bem como a “execução da política e programa de privatizações e reestruturações, a gestão e o controlo das participações financeiras do Estado”. Vai ainda assegurar o “acompanhamento e supervisão da gestão dos activos financeiros e dos fundos públicos” e dos empréstimos concedidos pelo Estado.
Em concreto, caberá ao IGAPE, entre outras missões, elaborar a política e o programa de privatizações e reestruturações nas empresas públicas, bem como executar os procedimentos inerentes, desde logo através da emissão de pareceres.
O Governo previa na altura da criação do IGAPE privatizar 74 empresas públicas a médio prazo, sobretudo do sector industrial, processo que até 2017 permitiu um encaixe financeiro para o Estado de quase 20 milhões de euros.
Os dados constam de uma informação enviada aos investidores e que refere que Angola privatizou entre 2013 e 2017 um total de 29 pequenas empresas, que renderam ao Estado 23,4 milhões de dólares (19,6 milhões de euros).
“Angola pretende privatizar mais 74 empresas a médio prazo. Globalmente, o Governo pretende vender toda a sua participação nessas empresas, a maioria das quais opera no sector industrial”, lê-se no documento, que recorda que a política de longo prazo do Governo é que as empresas que não sejam obrigadas a permanecer na esfera pública, por questões políticas, “devem ser privatizadas”.
“O Governo quer que futuras privatizações sejam realizadas através de um processo claro e competitivo, para o qual, na medida do necessário, as leis de privatização de Angola serão actualizadas”, acrescenta o documento.
Angola introduziu em 1994 a nova legislação sobre privatizações, para aumentar (dizia-se ontem como se continua a dizer hoje) a eficiência, produtividade e competitividade da indústria do país, nacionalizada após a independência de Portugal, proclamada a 11 de Novembro de 1975.
As fábricas de cerveja Cuca e Ngola, a empresa de café Liangol, a transportadora Manauto ou a fábrica de vidro Vidrul são algumas das empresas históricas privatizadas. Entre 2001 e 2005, o Governo chegou a identificar 102 empresas para privatização total ou parcial, processo que não chegou a ser concluído.
Entretanto, o Presidente João Lourenço criou, por despacho de 20 de Fevereiro de 2018, uma comissão de preparação e execução do processo de privatização em bolsa das empresas públicas de referência, coordenada pelo ministro que à data era de Estado e do Desenvolvimento Económico e Social, Manuel Nunes Júnior.
Esta comissão, que integrava ainda os ministros das Finanças e da Economia e Planeamento, deveria assegurar, segundo o documento, a realização dos objectivos definidos pelo Titular do Poder Executivo (João Lourenço), nomeadamente “garantir a integridade dos sectores estratégicos do Estado” e assegurar o “redimensionamento do sector empresarial público, o aumento da eficiência, da produtividade e competitividade da economia das empresas”.
Além disso, deveria também “assegurar a maximização da arrecadação de receitas resultados do processo de privatização” e “possibilitar uma ampla participação dos cidadãos, através de uma adequada dispersão do capital, dando particular atenção aos trabalhadores das próprias empresas e aos pequenos subscritores”, lê-se no mesmo despacho presidencial.
O presidente da Comissão de Mercados de Capitais (CMC), Mário Gavião, garantiu em Novembro de 2017 que estavam criadas as condições, por parte da instituição, para que as primeiras empresas angolanas chegassem à bolsa de acções em 2018.
“O que falta na verdade é que as empresas adiram ao mercado. Tem havido interesse, há um conjunto de empresas que têm mostrado interesse em participar, nesta primeira fase. Depende dos accionistas das empresas, mas as indicações que nós temos é que muito provavelmente haverá em 2018 a abertura do mercado de acções”, adiantou.
Não é por falta de comissões que a “coisa” não avança. Por despacho presidencial, João Lourenço criou uma comissão cujo objectivo era preparar e implementar o processo de privatização, via Bolsa de Valores, de empresas públicas ditas de referência.
A referida comissão coordenada pelo ministro Manuel Nunes Júnior, integrava os titulares das Finanças, Economia e Planeamento, os secretários para os assuntos Económicos, das Finanças e Tesouro do Presidente da República.
Faziam também parte os presidentes dos conselhos de administração do Instituto do Sector Empresarial Público (ISEP), da Comissão de Mercado de Capitais (CMC) e da Bolsa da Dívida e Valores de Angola (BODIVA).
De acordo com o despacho presidencial, publicado em Diário da República, de 20 de Fevereiro de 2018, o resultado do trabalho desta comissão deve assegurar a realização dos objectivos definidos pelo Titular do Poder Executivo, como garantir a integridade dos sectores estratégicos do Estado, assegurar o rendimento do sector empresarial público, o aumento da eficiência da produtividade da economia e das empresas.
Por outras palavras, a comissão deveria promover o fomento empresarial e o reforço da capacidade empresarial nacional, assegurar a maximização da arrecadação de receitas resultantes do processo de privatização, promover o mercado de acções e dinamizar a actividade do mercado de capitais angolano, e em particular da BODIVA, são, entre outros, resultados esperados.
A comissão, de acordo com o diploma, é orientada a interagir com os departamentos ministeriais que superintendem o sector de actividade das empresas do sector empresarial público, indicadas para privatização, bem como as próprias empresas elegíveis, de modo a obter as informações necessárias para o correcto diagnóstico legal e financeiro das mesmas.
Para o cumprimento das funções, a referida comissão seria apoiada por um grupo técnico coordenado pela então secretária (hoje ministra) de Estado para as Finanças e Tesouro, Vera Daves, que iria proceder ao levantamento e diagnóstico legal e financeiro das empresas elegíveis e com potencial para a privatização em bolsa de valores.
Propor medidas de reestruturação e saneamento financeiro, bem como os ajustamentos juridico-legais de que as empresas elegíveis necessitem antes do processo da privatização, são entre outras atribuições deste grupo técnico.
O diploma justificava a necessidade da criação de condições objectivas necessárias à efectivação do processo de privatização de empresas do sector público em bolsa, no quadro do cumprimento do Plano Intercalar de Outubro de 2017 a Março de 2018.