O julgamento dos 11 membros do Movimento Independentista de Cabinda (MIC), detidos desde terça-feira em Cabinda, será realizado na segunda-feira no Tribunal de Cabinda, foi hoje anunciado. Segundo o secretário para a informação e Comunicação do MIC, Sebastião Macaia, os membros do movimento, detidos em Cabinda, estão acusados de crimes de rebelião, associação criminosa, resistência e ultraje ao Estado angolano.
O Tribunal de Cabinda agendou para as 08:30 de segunda-feira “o julgamento sumário de dois defensores da autodeterminação de Cabinda”, adianta.
Na terça-feira, a organização Amigos de Angola condenou a repressão dos participantes numa manifestação em Cabinda para exigir a independência e pediu às autoridades que os autores destes actos de “brutalidade” prestem contas.
Em comunicado, a propósito da detenção de vários elementos do Movimento Independentista de Cabinda durante manifestações, os Amigos de Angola condenaram “a repressão contínua de manifestantes pacíficos detidos numa tentativa de realizar um protesto pacífico e legal” para “convocar um referendo na província de Cabinda”.
“A repressão foi novamente levada a cabo pela Polícia Nacional, uma instituição cujo dever é proteger os manifestantes”, lê-se no comunicado da organização.
De acordo com esta associação, “foram registadas acções de brutalidade contra cidadãos que exerciam um direito constitucionalmente garantido, o que coloca as autoridades angolanas numa posição negativa no que respeita à protecção dos direitos humanos em Angola”.
Os Amigos de Angola apelaram ainda às “autoridades responsáveis pela aplicação da lei, em particular o Comandante da Polícia de Cabinda, a tratar estes indivíduos de acordo com as normas nacionais e internacionais de direitos humanos”, pedindo “a sua libertação urgente, pois é seu direito manifestarem-se pacificamente”.
A organização pede às autoridades competentes que “prestem contas contra os envolvidos em brutalidade”, de modo a “evitar que essas acções violentas se repitam e se espalhem em algo muito pior”.
Porque não é varrendo o problema de Cabinda para debaixo do tapete do silêncio que a questão se resolve, relembramos uma carta enviada em Outubro de 2018 ao Presidente de Angola, João Lourenço, pelo Grupo de Reflexão da sociedade civil de Cabinda, continuadora da Mpalabanda – Associação Cívica de Cabinda, na fase transitória da tramitação do processo da sua extinção, expondo as suas ideias sobre a situação política de Cabinda:
“A tensão criada em Cabinda à volta dos factos que culminaram na detenção (no passado dia 11 de Agosto) e julgamento dos jovens do denominado MIC (Movimento Independentista de Cabinda), dá-nos a oportunidade de manifestar, uma vez mais, as nossas preocupações e de solicitar que o problema de Cabinda volte a integrar a agenda e as prioridades do Governo”, escreve o Grupo de Reflexão na missiva que a seguir se transcreve na íntegra:
«O referido problema esteve, durante décadas, na agenda do Governo da República (Popular) de Angola, sob a denominação de «caso Cabinda», mas está hoje envolto no mais longo e profundo silêncio, embora continue a ser uma questão actual e prioritária, reclamando as atenções, as preocupações e as soluções do mais alto Magistrado da Nação Angolana, até que tenha uma solução justa, pacífica e definitiva.
Como é facto notório e inegável, o «Memorando de Entendimento para a Paz e a Reconciliação na Província de Cabinda», assinado na cidade do Namibe, a 1 de Agosto de 2006, não deu solução ao problema de Cabinda. Para além de não ter logrado a aceitação da maioria do Povo de Cabinda, foi objecto de denúncia, de suspeição ou de reserva da parte da sociedade civil de Cabinda em particular e de Angola em geral e dos partidos da oposição. E, de igual modo, a despeito de algumas poucas saudações e alguns raros encorajamentos meramente diplomáticos, também não obteve um claro e efectivo reconhecimento da Comunidade internacional.
Os jogos de bastidores que consistiram na «subtracção» rocambolesca de António Bento Bembe da tutela judicial das autoridades holandesas; a falta de legitimidade e de poderes deste para representar o Povo de Cabinda e agir em seu nome, a despeito de terem feito dele o «interlocutor válido», ideal e exclusivo, ansiosamente esperado; a sua subalternização, instrumentalização e manipulação, em face da sua extrema vulnerabilidade, como «prófugo» da justiça holandesa, frustrado e humilhado; as medidas tomadas pelo Governo da República de Angola para afastar do processo negocial as organizações político-militares, as associações e entidades tidas como inconvenientes, exigentes e não confiáveis pela sua exigência dum processo aberto e transparente, assente num diálogo sincero e inclusivo, mas rotuladas de extremistas e intolerantes, inimigos da paz e do diálogo, explicam o posicionamento daquelas entidades públicas ou privadas, internas ou internacionais.
Aliás, o próprio Governo reconheceu implicitamente o fracasso do Memorando de Entendimento, ao abster-se de implementar o «estatuto especial para a província de Cabinda», que nunca teve nem uma definição real e clara nem algum respaldo constitucional.
Não obstante a política de pequenos avanços (que consistem em algumas declarações tranquilizadoras, promessas ambíguas e falaciosas e reconhecimentos formais posteriormente esvaziados ou desvirtuados) e grandes retrocessos, contradições, rectificações ou renegações (que se traduzem no esvaziamento de conceitos e institutos a priori consensuais; em manobras de diversão, de divisão ou de manipulação e na imposição de «soluções» pela força ou pela manha), que tem caracterizado a conduta do Governo de Angola na gestão do problema, é do domínio público que o Executivo dirigido por Vossa Excelência, continua a reconhecer que Cabinda vive ainda uma situação de instabilidade. E pronuncia-se no sentido da regularização dessa situação por via do diálogo.
O Grupo de Reflexão apoia a opção por uma solução negociada e encoraja Vossa Excelência a passar das meras promessas para os actos concretos e significativos.
Declara também a sua disponibilidade de colaborar na preparação e concretização dum processo negocial que seja sério, aberto, transparente e participativo. E, para evitar qualquer proposta fracturante que possa ser analisada como provocatória, inibidora ou desencorajadora e tendenciosa, inscreve-a exclusivamente em pressupostos já claramente aceites pelo Governo da República de Angola.
Os pressupostos para uma negociação aberta, franca, inclusiva, credível e consensual (para todos os Cabindas verdadeiramente interessados numa solução justa e definitiva), e já aceites pelo Governo da República de Angola, são os seguintes:
a)- O reconhecimento da especificidade histórica, geográfica e cultural de Cabinda, tal como decorre do Decreto-Lei Nº 1/07, de 02 de Janeiro, sobre o estatuto especial para a província de Cabinda (em especial o artigo 3º). Tal reconhecimento é aceite inequívoca e unanimemente pelos Cabindas, sendo por estes analisado e interpretado à luz da Resolução 1541(XV), aprovada a 15 de Dezembro de 1960, pela Assembleia Geral das Nações Unidas.
b) – A aceitação de uma solução consensual e evolutiva, negociada e proclamada pelo Governo da República Popular de Angola e pela FLEC (dita original) e a UNLC (União Nacional de Libertação de Cabinda), constante da acta assinada em Luanda, aos 29 de Junho de 1992, por Suas Excelências Fernando da Piedade Dias dos Santos (Nandó), em representação do Governo Angolano, e Luís de Gonzaga Ranque Franque, Eduardo António Zau (Sòzinho) e Carneiro Gimby, por conta do Povo de Cabinda. Não obstante, a solução plasmada na referida acta deverá ser adaptada às circunstâncias actuais, sobretudo em matéria de prazos e do seu carácter evolutivo, dado o longo tempo transcorrido, a ansiedade que agita o espírito das pessoas e a urgência de se chegar à etapa derradeira e final.
A solução do problema de Cabinda não pode ser permanente e sistematicamente adiada, pois que as postergações acentuam a consciência das injustiças e aumentam as frustrações e a impaciência das vítimas dessas injustiças que, elevando cada vez mais alto o clamor das suas reivindicações, conduzem inexoravelmente à radicalização das suas posições, à violência e ao confronto, ao exigirem soluções imediatas e incondicionais por meio de reivindicações, manifestações e revoltas de consequências imprevisíveis, mas tendencialmente dramáticas, se não mesmo trágicas.
O tempo, em vez de esbater as diferenças e atenuar ou erradicar o problema, tem-no tornado mais denso e mais complexo, ao mesmo tempo que tem transformado as pessoas, fazendo-as mais conscientes, mais esclarecidas e mais exigentes, e as reclamações mais abertas e públicas, mais directas e mais prementes. O sentimento de injustiça é hoje tão radicalizado na alma do Povo, sobretudo nas camadas mais jovens, que estas estão cada vez menos dispostas a fazer concessões ou a tolerar soluções ambíguas, transitórias ou lentas.
O problema de Cabinda não é apanágio de uma geração: é transversal e intrínseco a todo o seu Povo e, em vez de enfraquecer com o tempo, vai ganhando mais força e maior pujança, conquistando e seduzindo ainda mais as jovens gerações, apaixonando mesmo e tornando antigos militantes da OPA e da JMPLA em activistas daquilo a que se chama (por eufemismo) de «separatismo», e fazendo dele uma causa cada vez mais nobre, mais sagrada e mais irrenunciável. Ora, quanto mais fortes são as convicções, maiores são os sacrifícios que as pessoas estão dispostas a consentir ou a suportar, e mais elevado é o preço que aceitam pagar. Neste sentido, embora não tenha acontecido nada de especial ou de particularmente grave no dia 11 de Agosto, o facto preocupou as autoridades, inspirou ou desencadeou medidas repressivas e desproporcionadas: razão pela qual deve ser tomado como um aviso premonitório e justificar a tomada de medidas conducentes a uma solução a curto prazo.
Contamos com a benevolência de Vossa Excelência, com a Sua generosidade, empenho e perseverança em servir o País e a Sua firme e constante vontade de fazer mais e melhor, envidando os maiores e mais ingentes esforços para «corrigir o que está mal». E a sombria e grave injustiça que se tem vivido em Cabinda, a postura de permanente repressão e gratuita violência que predomina na abordagem das questões que se colocam ou que surgem; as habituais e paternalistas manobras de manipulação e divisão a que as autoridades recorrem amiúde, fazem com que a situação prevalecente neste pequeno território seja má, muito má, e com a perigosa tendência de ir sempre de mal a pior.
Agradecendo desde já a atenção, os esforços e os recursos que Vossa Excelência se dignar dispensar a este problema e o empenho que colocar na sua solução justa e definitiva, o Grupo de Reflexão aproveita a oportunidade para renovar a Vossa Excelência os protestos da mais elevada consideração, augurando-lhe um mandato pleno, positivo e profícuo à frente dos destinos da República de Angola.»