Um grupo de jovens angolanos formados em Engenharia Espacial na Rússia vai lançar na quarta-feira em Angola 10 “pico-satélites” do tamanho de uma mão humana, dando início àquilo que pretendem considerar a “era espacial” no país. Mãos à obra, que outros (os portugueses, por exemplo) já lá andam há muito mais tempo.
Segundo Aldair Gonçalves, engenheiro electrotécnico com especialização em telecomunicações, os “pico-satélites” não entram em órbita, “longe disso”, pois são lançados a uma altitude que varia entre os 400 e os 1.000 metros, para, depois, através de sensores, poderem efectuar uma série de “missões”.
Em Luanda, na abertura do Fórum Angotic Angola 2019, um certame promovido pelo Ministério das Telecomunicações e das Tecnologias da Informação (MTTI), o que também vai ficar conhecido por “CanSat”, um satélite em forma de uma lata de 330 mililitros e uma representação funcional de um satélite real, foi a “estrela” da abertura do evento.
Aldair Gonçalves, de 29 anos, que fez o curso de operador na Rússia e a especialização em pequenos satélites no Japão, salientou que o “CanSat” angolano é um projecto do MTTI, organizado em Angola pelo Gabinete de Gestão do Programa Espacial Nacional, no Departamento de Ciências Espaciais e Pesquisa Aplicada, em cooperação com a comunidade académica do país, que visa proporcionar aos estudantes a primeira experiência em projectos relacionados com a tecnologia espacial.
O lançamento dos 10 “pico-satélites” vai decorrer de manhã em Cabo Ledo (130 quilómetros a sul de Luanda) e contará com o apoio de um helicóptero da Força Aérea Angolana, que se associou à iniciativa.
“O pequeno satélite não entra em órbita. Este pequeno satélite é para fins educacionais. É lançado a partir de terra por um ‘rocket’ ou elevado por um balão de hélio ou mesmo de um helicóptero. Estando a uma determinada altura, é largado e aí começa a missão. Durante o período em que está a descer, um operador tem a possibilidade de recolher esses dados e cumprir a sua missão”, explicou o engenheiro.
De acordo com Aldair Gonçalves, os 10 “CanSat” podem ter várias missões, como medir a temperatura do ar, a humidade, a pressão atmosférica e até a concentração de monóxido de carbono na atmosfera, além de fazer fotografias.
“É o grupo de estudantes – são 10 grupos – que decide qual a missão ou missões”, acrescentou o engenheiro angolano.
Se lançado a uma altitude de 400 metros, o pequeno satélite permanecerá no ar cerca de três minutos, tempo “suficiente” para se recolherem os dados da missão através de uma estação terrena.
“Serão operados por cada um dos grupos que faz parte da formação. São 10 grupos, serão 10 lançamentos e cada um com a sua missão para procurar ter o maior sucesso na recolha de dados”, adiantou.
Questionado sobre como começou a aventura do espaço, Aldair Gonçalves explicou com a necessidade de se criar a educação espacial dentro da comunidade académica angolana, começando pelo mais básico, que são os pequenos satélites.
“São meramente para fins educacionais e uma das ferramentas mais usadas para a transição desse conhecimento, e o objectivo é criar a massa cinzenta na área espacial”, justificou.
À pergunta sobre se há o perigo de se danificarem quando caírem no solo, o jovem cientista notou que a estrutura do “CanSat” está devidamente preparada para evitar impactos e proteger os instrumentos electrónicos.
“Mas, para termos maior certeza e para, ao mesmo tempo, aumentarmos o período de recolha de dados, foi colocado um paraquedas. Trata-se de um satélite educacional e não pretendemos que se estrague na primeira experiência. Pretende-se fazer mais experiências”, concluiu.
Mais vale tarde do que… nunca
27de Outubro 2005. O SSETI Express (SSETI é o acrónimo de Student Space Exploration and Technology Initiative – Iniciativa de Tecnologia e Exploração Espacial Estudantil) é um pequeno satélite com um tamanho e forma semelhantes aos de uma máquina de lavar (cerca de 60x60x90 cm). Pesando cerca de 62 kg, tem uma carga útil de 24 kg. A bordo do satélite construído por estudantes estavam três pico-satélites, satélites extremamente pequenos que pesam cerca de um kg cada um. Estes foram colocados em órbita uma hora e 40 minutos após o lançamento. Além de funcionar como banco de ensaios para muitas funcionalidades, incluindo um sistema de controlo de atitude por gás frio, o SSETI Express também tira fotografias da Terra e funcionará como repetidor de rádio.
Para os 23 grupos universitários que trabalharam em locais espalhados por toda a Europa e com os mais variados antecedentes culturais, o desafio foi trabalhar em conjunto através da Internet para, juntos, construírem o satélite.
O projecto SSETI, Student Space Exploration and Technology Initiave, que fornece o ambiente de apoio aos projectos integrados da missão, foi lançado pelo Departamento de Educação da ESA (Agência Espacial Europeia) em 2000 para envolver os estudantes europeus em missões espaciais reais. A iniciativa visa proporcionar aos estudantes uma experiência prática e incentivá-los a optarem por carreiras no âmbito da ciência e tecnologia espacial ajudando, assim, a criar uma reserva para o futuro de especialistas talentosos.
Desde a sua criação, a iniciativa SSETI desenvolveu uma rede de estudantes, de instituições e organizações de ensino para facilitar o trabalho em vários projectos espaciais. Mais de 400 estudantes europeus contribuíram de forma activa e a longo prazo para esta iniciativa, como parte integrante das suas licenciaturas ou nos seus tempos livres. Além disso, outras centenas de estudantes estiveram envolvidos no projecto SSETI ou foram inspirados por ele.
Devido aos baixos custos e rapidez no processo de desenvolvimento, os satélites pequenos têm ainda a capacidade de formar grandes constelações de satélites com um potencial para atingir desempenho comparável ou maior do que os satélites tradicionais. E com um enorme potencial para comunicações e tecnologia 5G.
Como exemplo destas constelações existe a Planet, uma empresa privada americana que tem a maior constelação de satélites do mundo (mais de 150 nano-satélites), fornecendo informações actualizadas diariamente sobre o nosso planeta. Outra é a OneWeb, que planeia fornecer internet de baixa latência e alta velocidade a nível global.
As áreas de intervenção destes pequenos satélites vão da agricultura às pescas, monitorização de infra-estruturas ou até desenvolvimento urbano, defesa e segurança. Portugal tem estado atento ao desenvolvimento da tecnologia e encontra-se de momento a desenvolver capacidades que permitam entrar na nova corrida espacial.
Desde logo está prevista para breve a construção de uma plataforma de lançamento de foguetes nos Açores, que permitirá lançar pequenos satélites para o Espaço. Planeia-se também construir uma constelação de nano e micro-satélites para monitorização e desenvolvimento da área atlântica. Este passo é concretizado com o projecto Infante. Este será o primeiro satélite 100% português a ser desenvolvido com iniciativa de várias empresas e entidades portuguesas, co-financiado por fundos comunitários. Está previsto que este pequeno satélite seja o precursor de outros a lançar até 2025, para observação da Terra e para comunicações com o foco em aplicações marítimas.
Entretanto, a comunidade académica portuguesa não esquece o primeiro propósito do CubeSat e acredita que este deve ser chave na educação de jovens profissionais para o novo sector espacial, que representa a próxima fronteira do conhecimento. Neste contexto, o NanoStar é uma rede de universidades do sul da Europa que planeia missões de pequenos satélites com estudantes. São já as 5 equipas provenientes de duas universidades portuguesas: tanto a Universidade da Beira Interior como Instituto Superior Técnico, levaram os alunos a participar nesta colaboração internacional. Estas duas universidades têm ainda os seus próprios projectos e laboratórios de desenvolvimento de sistemas espaciais, onde alunos e docentes trabalham no sentido de desenvolver conhecimento e tecnologia de ponta.
Em suma, o padrão de pequenos satélites, CubeSat, certamente desempenhará um papel vital nas futuras actividades espaciais, proporcionando acesso espacial a governos, instituições educacionais e organizações comerciais. Tem o potencial para ajudar a desenvolver o país, abrindo novos mercados e contando com a correspondente criação de emprego qualificado.
Folha 8 com Lusa e Bit2Geek