O Governo angolano confirmou hoje à agência Lusa a existência de detenções de membros de um “autodenominado movimento independentista” em Cabinda, que “pretendiam alterar o quadro institucional de unicidade” de Angola, pelo que o processo corre os trâmites judiciais.
Questionado, o ministro do Interior, Ângelo da Veiga Tavares, indicou que a situação no enclave de Cabinda “está tranquila” e que os respectivos processos estão “em segredo de justiça”, pelo que resta agora aguardar pelas decisões judiciais.
“A situação de Cabinda está tranquila. Surgiu um autodenominado movimento independentista que, pela própria designação, vê-se que é um movimento que pretende alterar o quadro institucional de unicidade do Estado. Tiveram alguns procedimentos que feriram a lei e está um processo a decorrer, respeitando todos os princípios e que já mereceu tratamento por parte do Ministério Público, que está a conduzir o processo”, acrescentou.
Ângelo da Veiga Tavares disse não ter presente o número de detidos, assegurando, porém, serem menos dos cerca de 70 denunciados o longo deste mês pelo Movimento Independentista de Cabinda (MIC) e pela Frente de Libertação do Estado de Cabinda – Forças Armadas de Cabinda (FLEC/FAC).
“Há alguns detidos, menos do que isso, não posso precisar agora o número. Mas não são esses os números [cerca de 70]. Mas vamos deixar que os órgãos de justiça trabalhem, o processo está a decorrer. Esta é a fase em que o processo está em segredo de Justiça. Vamos esperar que os órgãos de Justiça façam o seu trabalho”, sublinhou.
As declarações do ministro do Interior são as primeiras proferidas oficialmente pelas autoridades angolanas desde que, ao longo deste mês, o MIC denunciou a detenção de dezenas dos seus membros, entre elas as do presidente e do vice-presidente do movimento, respectivamente Maurício Bufita Baza Gimbi e António Marcos Soqui.
A 7 deste mês, Sebastião Macaia Bungo, secretário para Informação e Comunicação do MIC, referiu que as detenções foram sendo acumuladas desde 28 de Janeiro à medida que se aproximava o dia em que o movimento se preparava para celebrar com uma marcha, a 1 de Fevereiro, o 134.º aniversário da assinatura do Tratado de Simulambuco.
A marcha, que acabaria impedida pelas autoridades policiais angolanas, visava, além de comemorar os 134 anos do tratado assinado em 1885 entre Portugal e os príncipes, chefes e oficiais dos reinos de Cabinda (Makongo, Mangoyo e Maloango), colocando o enclave sob protectorado português, exigir também a independência.
Por seu lado, a 18 deste mês, a FLEC/FAC associou-se à causa e exigiu a libertação “imediata e incondicional” dos activistas e afirmou, paralelamente, que as autoridades de Cabinda também prenderam líderes religiosos locais, criticando a “incontrolável vaga repressiva” que se regista na região.
Num comunicado, assinado por Jean Claude Nzita, porta-voz da FLEC/FAC, o movimento independentista indica que entre os detidos figuram membros do Ministério Profético Cristão de Angola em Cabinda (Igreja MPCA), que estão detidos na cadeia civil da Polícia de Investigação Criminal de Cabinda”.
“A população revoltou-se e tentou impedir as detenções injustificadas do Profeta João Paulo e dos seus oito membros, levando a polícia a disparar três vezes para dispersar os fiéis”, acrescenta-se no comunicado.
Segundo a FLEC/FAC, o profeta João Paulo é um pastor cabindês que durante os seus sermões na Igreja MPCA “defende abertamente a justa luta pela autodeterminação do povo cabindês”.
“As detenções dos líderes e membros da Igreja MPCA aconteceram três semanas depois do início das detenções dos nossos compatriotas do MIC (Movimento Independentista de Cabinda)”, refere a FLEC/FAC.
As detenções têm como objectivo o desmantelamento do MIC, considerado como associação criminosa pelas autoridades angolanas. Por vezes, as detenções têm sido acompanhadas ou seguidas de abusos (maus-tratos, espancamentos, violências) da parte dos agentes da Polícia. Tem sido referida, quase sempre, a “esquadra do Ngomá”, situada no bairro 1º de Maio.
A acusação de associação criminosa, principal crime pelo qual estão indiciados, refere-se à criação do MIC – Movimento Independentista de Cabinda, em Novembro de 2017. O objectivo do MIC é prosseguir a independência de Cabinda, por meios pacíficos. Não aceitam que Cabinda seja província da República de Angola (e se o é, é apenas politicamente, e não jurídica, histórica e geograficamente, fazem eles valer).
O MIC não está legalizado porque nenhum governo reconhece e/ou legaliza um movimento (de libertação) que o combate. Mas se o MIC não está, formalmente, legalizado, tem a legitimidade do Povo.
Assim sendo, a associação criminosa não existe para praticar crimes comuns: é um instrumento de luta política, um instrumento de emancipação ou autodeterminação, destinado a libertar Cabinda do «Estado invasor-ocupante e colonialista angolano», como se lê na convocação da marcha.
Embora estejam a ser tratados como «presos de delito comum», é inegável a vertente política do processo; do objectivo político das acções programadas; do carácter eminentemente político do seu programa e da sua luta: a independência de Cabinda. Têm de ser tratados como «presos políticos», como houve em Angola, no seu passado colonial (e não colonialista).
Cedo ou tarde, este processo levará à suscitação da verdadeira questão: Cabinda é verdadeiramente uma província angolana? Se o é, como lhe pode ser reconhecida (como, efectivamente, foi) uma especificidade histórica, geográfica e cultural? Na verdade, a especificidade não tem nada a ver com a (chamada) descontinuidade geográfica. A descontinuidade é um mero facto (material), geográfico, sem consequência ou sanção jurídica. A especificidade já é totalmente diferente: é o reconhecimento, a aceitação duma identidade própria, diferente, autêntica.
Uma simples província dum Estado (unitário) qualquer pode ter, com toda a normalidade, uma especificidade em relação a esse Estado? Essa é a questão que deve ser colocada, fria, calma e serenamente. Enquanto se mantém o status quo, os jovens (maioritariamente) mantêm-se presos, e bem presos: em prisão preventiva porque, diz-se, foram todos presos em flagrante delito, por mais diferentes e díspares que tenham sido as circunstâncias da sua detenção. E porque foram todos presos em flagrante delito, não foram necessários quaisquer mandados: nem de detenção, nem de busca, nem de apreensão.
Mas um dia, há-de se impor a necessidade de conhecer individualmente cada um dos detidos; de considerar a sua personalidade «própria», as reais circunstâncias da sua detenção e os objectivos que entendia (e poderá ainda entender) prosseguir com a sua mobilização e acção políticas.
Folha 8 com Lusa