Carta aberta (e pública) ao Presidente João Lourenço

Recordando (como se fosse preciso) os métodos de José Eduardo dos Santos durante 38 anos, hoje os “anónimos” servidores de João Lourenço (provavelmente alguns reciclados do governo anterior e outros que o Presidente nem conhece) voltaram a pôr as garras de fora. Não gostaram do texto “Sociedade civil, João Lourenço e nós” e, como os sipaios de outros tempos, partiram para as ameaças, para as acusações.

Por Orlando Castro

Pela forma, mas também pelo conteúdo e pela escrita, percebe-se que são gente evoluída e que gravita junto de quem tem o Poder, tal a forma canina como se arrogam ter o dever de defender quem, de facto, não precisa de ser defendido por gentalha deste tipo – João Lourenço. Numa estratégia concertada, todas as ameaças tinham uma pergunta comum: “Quem é que o William Tonet julga que é?”.

Pois bem. Em vez de respondermos aos párocos do bairro, vamos directamente a “Deus”, evitando intermediários. Assim, permita-me V. Exa. Senhor Presidente da República, João Lourenço, que lhe relembre sinteticamente quem é William Tonet. Se, eventualmente, achar por bem fazer alguma pedagogia e passar a informação aos seus assessores que dizem, mentindo, que não lêem o Folha 8, esteja à vontade.

Em 1965, no Congo-Brazzaville, na base do Movimento, por orientação de Agostinho Neto, o ex-vice-presidente do MPLA, Matias Miguéis, foi enterrado vivo, tendo ficado a cabeça de fora durante dois dias para receber todo tipo de humilhações até sucumbir.

Não seria importante que o presidente do MPLA, João Lourenço, nos dissesse se sabe, se tem uma ideia ou se não quer saber, quantas crianças soldados e guerrilheiros assistiram a esta barbárie?

Em 1966, foi queimado numa fogueira, logo barbaramente, assassinado, na Frente Leste, o abnegado e valoroso comandante Paganini e mais seis outras pessoas, acusados de feitiçaria e tentativa de golpe contra a direcção de Agostinho Neto, em Brazzaville. Será prova de coragem varrer estes factos para debaixo do tapete?

Consta dos arquivos da PIDE, que repousam na Torre do Tombo, em Lisboa, que Guilherme Tonet fundou, em 1960, a FPLA (Frente Popular de Libertação de Angola), partido responsável pela manutenção dos núcleos de guerrilha em Luanda depois da sublevação do 4 de Fevereiro de 1961 e que foi ainda o criador de uma região militar, na zona dos Dembos e Piri, que viria posteriormente a converter-se na 1.ª Região Político Militar do MPLA. Guilherme Tonet partiu, consta também, para os húmus libertários, com seu filho primogénito (William Tonet), então com três anos de idade.

O cartão de pioneiro n.º 485, atesta William Tonet como sendo natural da 1.ª região político-militar do MPLA. Nas matas, as crianças não andavam a brincar à cabra-cega, eram “guerrilheiros-mirins”, servindo de antenas e carregadores dos guerrilheiros.

Na tentativa de abertura de mais uma frente, no Planalto Central, em 1968, o grupo de guerrilheiros foi preso, dentre eles Guilherme Tonet, que viria a ser desterrado para a cadeia de São Nicolau. Foi nestas bandas que William Tonet encontrou, estudou e conviveu com o actual Vice-Presidente da República, Bornito de Sousa.

Por tudo isso, brada aos céus a presunção (passiva ou activa) de monopólio da verdade de muitos altos dirigentes do MPLA que se arrogam a cometer, com total impunidade, o crime de difamação e violação primária da verdade quando dizem:

“O cidadão William Tonet nunca pertenceu ao movimento guerrilheiro, dirigido pelo MPLA, no período de luta pela independência nacional de Angola, nem integrou qualquer estrutura ou força governamental, que se tivesse envolvido directamente, na luta pela preservação da independência ou pela defesa da integridade do solo pátrio”.

Lembram-se os actuais, os anteriores dirigentes bem como o actual Presidente do MPLA de todos os membros que estiveram na comissão de redacção do congresso de Lusaka de 1974? William Tonet lembra-se. Quem mente?

Saberá o Presidente do MPLA, os nomes dos guerrilheiros que vieram, em 1975, no primeiro navio de cimento a partir de Cabinda? O MPLA deve assumir se tinha ou não nas suas fileiras crianças-soldados, antes e depois da independência. Isto para se aferir quem mente…

Em 1975, em Luanda, William Tonet fez parte do grupo de contra-informação, que “invadiu” o então hospital universitário de Luanda (actual Américo Boavida) e de lá retiraram, crianças mortas, corações, fígados e outros órgãos humanos, que serviam de objecto de estudo, aos alunos do curso de medicina, para os colocar nas Casas do Povo da FNLA, acusando-os de canibalismo e de comerem pessoas. Tese que vingou e perdura por muitos anos. Será que o MPLA já pediu desculpa aos angolanos e à FNLA, sobre essa mentira? Tonet penitenciou-se, ainda Holden Roberto estava em vida e junto da direcção da FNLA. Ngola Kabangu e outros podem confirmar.

Ainda em Luanda, no bairro Vila Alice, no quadro das actividades dos “Comités Ginga”, em 1975, antes da proclamação da nossa Independência, sob coordenação do nacionalista Guilherme Tonet, que organizava e ministrava cursos de formação de activistas pró-MPLA, dos quais se salienta o Curso de Monitores Político-Militares, participaram uma plêiade de jovens que mais tarde desenvolveram acções de realce em prol da construção da Pátria angolana.

O espaço reservado para as referidas aulas situava-se na residência de Guilherme Tonet, que na sua acção formativa contou com o apoio do seu filho primogénito William Tonet, cuja missão primordial se centrava na produção, impressão e distribuição dos materiais que serviram de apoio aos formandos.

Eis alguns nomes dos participantes nas actividades formativas levadas a cabo por Tonet: Ana Dias Lourenço, Luís Carneiro “Luisinho”, Evelize Fresta, Mariana Afonso Paulo, Ana Maria de Sousa Santos “Nani”, Pedro de Almeida, Fernanda Dias, Artur Nunes, Sara Bernardete Barradas e Maria da Conceição Guimarães.

Estes são alguns nomes dos muitos jovens que receberam formação política em prol do MPLA no período que antecedeu a proclamação da Independência Nacional e que integraram os múltiplos Comités de Autodefesa (braço armado embrionário do MPLA na cidade de Luanda) sob tutela dos Comités Ginga espalhados nos bairros como Sambizanga, Prenda, Golfe, Cazenga, Marçal, Rangel, Bairro Popular, Ilha de Luanda, Ingombota, etc..

William Tonet foi um dos comandantes que levou pioneiros de Luanda para o Largo 1.º de Maio, afim de servirem de porta bandeira, na noite de 11 de Novembro de 1975, data da proclamação da Independência. Um destes pioneiros, dentre outros, foi Toninho Van-Dúnem, ex-secretário do Conselho de Ministros.

Em 1976, era um dos integrantes do “estado-maior” das Comunicações da 9.ª Brigada das FAPLA, tendo sido nessa condição colocado, por orientação da Comissão Executiva do MPLA, no gabinete do Comandante Nito Alves, para a área juvenil e de mobilização em Luanda. Participou nas várias reuniões preparatórias e electivas, dos membros das Comissões Populares de Bairro. Foi autor, na campanha de diabolização do adversário político, mais temeroso da altura, da expressão, que viria a ser musicalizada: “Holden é como camaleão”! “Ele é lacaio do imperialismo internacional”, num dos comícios no campo de São Paulo, em Luanda! Alguém do MPLA pode desmentir isso?

Em 1977, por ocasião do 27 de Maio foi preso, sem culpa formada, pelo agente da DISA, Carlos Jorge, também conhecido por Cajó, acusado de fraccionismo, na companhia de seu pai, Guilherme Tonet, mais dois tios, que viriam a ser enterrados vivos.

William Tonet está registado com o n.º 5369/86, como Antigo Combatente, emitido no período de partido único, onde o rigor de pendor comunista era mais acentuado. O processo foi constituído e repousa nos arquivos da então Secretaria de Estado dos Antigos Combatentes, tendo sido emitido a 28 de Agosto de 1986, Ano da Defesa da Revolução Popular.

Nos anos 80 foi delegado da TPA (Televisão Popular de Angola) em Benguela. Trabalhou ainda a nível da JMPLA com a deputada do MPLA, Ângela Bragança e com o actual Presidente do Tribunal Supremo, Rui Ferreira.

Na qualidade de oficial de comunicações, especialista em intersecção militar, foi requisitado em nome do governo e na sua condição, para trabalhar, em diversas ocasiões com os generais Kundy Pahiama, Fernando da Piedade Dias dos Santos “Nandó” e Fernando Garcia Miala, então chefe da Casa Militar da Presidência da República.

Ainda na qualidade de oficial e no estado-maior de comunicações militares, sua especialidade, trabalhou, entre os anos 80 e 90, em muitas das grandes operações militares das FAPLA, nas regiões Sul, Norte, Leste e Sudoeste, na criação de linhas de intersecção, com os generais, Ngueto, Faceira, João de Matos, Armando da Cruz Neto, Jorge Sukissa, entre outros. Aliás nessa condição, com conhecimento do general João de Matos, foi impedido, por ordem militar do comandante-em-chefe, José Eduardo dos Santos, de se retirar da Frente Centro.

Em 19 de Maio de 1991, após quatro dias de negociações directas entre William Tonet e os líderes do MPLA e da UNITA, respectivamente José Eduardo dos Santos e Jonas Malheiro Savimbi, foi assinado no Alto Cauango, Luena-Moxico, o Primeiro Acordo de Paz de Angola, pondo fim a uma guerra de 57 dias, entre as tropas militares das FAPLA/MPLA e FALA/UNITA. Foram subscritores ou testemunhas oculares, Higino Carneiro, Nelumba Sanjar, Chilingutila, Mackenzi, entre outros.

Há, de tempos em tempos, que tomar-se a altura do Sol para que a rota se não extravie pela superfície movediça de factos e circunstâncias, num mar-alto sem referências nem horizontes. Também hoje, “Angola vagueia num mundo transformado e revolto, sem horizonte” nem pontos de referência angolanos.

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3 Thoughts to “Carta aberta (e pública) ao Presidente João Lourenço”

  1. Cristovão

    Verdades que libertam e te deixão a solta e livre da opressão

  2. Manuel Carlos de

    Esse episodio de Matias Miguéis era contado em Portugal antes do 25 de Abril de 1974 para colocar em crise os fins prosseguidos por Agostinho Neto, nomeadamente a sua luta de libertação e humanismo. A ser verdade é mais uma achega para juntar às atrocidades cometidas aquando do 27 de Maio de 1977. Sou português mas também cidadão do mundo e não aceito que se bajule, se façam monumentos ou memoriais a pessoas que, mesmo sob a capa de suspeita, lhes atribuem autênticos crimes de genocídio ao seu próprio povo. Salazar e os colonialistas comparados a certos vultos angolanos responsáveis por estas atrocidades são meninos de coro. E viu-se. Nunca se roubou nem maltratou tanto um povo, como o período pós independência. Claro que sou anticolonialista. Porém, a verdade é para colocar no seu sítio.

  3. DOMINGOS EDUARDO

    É impressionante. Este mais velho tem que nos deixar em livros todas as informações da história de Angola vivida desde que nasceu até hoje. Eu comecei a ler e não parei mais. Como é que alguém em sã consciência poderia chamar o MPLA de partido político democrático? É uma organização assassina e muito perigosa meu Deus. Angola é governada por satanás, literalmente.

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