O Governo angolano vai usar uma parte do financiamento de 500 milhões de dólares obtido junto do banco francês Crédit Agricole Corporate and Investment (CACIB) para electrificar as zonas rurais de três municípios da província do Cuanza Norte.
A decisão consta de um despacho de 28 de Junho, assinado pelo Presidente João Lourenço, autorizando o negócio, de 88,6 milhões de euros, e a adjudicação da empreitada, através de um procedimento de contratação simplificada, aos espanhóis da Elecnor.
De acordo com o teor do documento, a empreitada já estava inscrita no Programa de Investimento Público de 2017 e visa a “melhoria das condições de vida, de trabalho e habitabilidade das populações” das áreas rurais dos municípios de Banga, Bolongongo e Ngonguembo.
João Lourenço aprovou em Dezembro um empréstimo de 500 milhões de dólares (430 milhões de euros) a conceder pelo grupo Crédit Agricole, negociado e viabilizado ainda pelo chefe de Estado anterior, José Eduardo dos Santos.
A informação consta de um despacho presidencial de 15 de Dezembro, aprovando os termos do acordo-quadro de financiamento para esta linha de crédito, utilizado agora nesta empreitada de electrificação.
Contudo, apesar de manter o valor, o mesmo despacho revoga o anterior, assinado por José Eduardo dos Santos, de 5 de Maio, estabelecendo novas condições, não divulgadas.
Mantém-se o objectivo deste financiamento, que de acordo com a mesma autorização presidencial passa por garantir a “continuidade e a concretização do Programa do Governo relativo à execução de projectos inseridos no Programa de Investimentos Públicos e de outros programas e projectos de interesse nacional enquadrados no Plano Nacional de Desenvolvimento 2013-2017”.
Além disso, a contratação do financiamento junto do grupo francês enquadra-se na “estratégia do Governo” de “diversificação das fontes de financiamento para a cobertura das despesas inerentes à execução de projectos de investimento público necessários ao desenvolvimento económico e social do país”.
Angola vive desde finais de 2014 uma profunda crise financeira, económica e cambial, decorrente da quebra nas receitas com a exportação de petróleo, necessitando de aumentar o endividamento do Estado para estimular a economia através de investimento público.
… E por falar em crise
A crise (económica, financeira, cambial, moral etc.) levou o Governo a cortar para metade os quase 20.000 milhões de euros que previa investir no sector da energia e águas entre 2014 e 2017. Isso não evitou que, na sua visita à Europa, o Presidente João Lourenço tenha usado – segundo a Imprensa espanhola – um avião de 320 milhões de euros e um séquito gigante. ”Uma aeronave de luxo jamais vista na região”, segundo o portal de informação espanhol La Nueva España.
A informação sobre este corte no investimento no sector da energia e águas consta de um documento governamental que recorda que o programa de reforma do sector energético, implementado a partir de 2014, prevendo nomeadamente a reestruturação das empresas públicas da área e a conclusão de vários empreendimentos de geração de energia e cobertura no fornecimento de electricidade e água, foi considerado como prioritário.
Contudo, lê-se no mesmo documento elaborado pelo Governo do MPLA, devido à crise provocada pela quebra nas receitas angolanas com a exportação de petróleo, o plano inicial de 23.000 milhões de dólares (19.800 milhões de euros) a aplicar até 2017 ficou afinal reduzido em 42,6%, para 13.200 milhões de dólares (11.300 milhões de euros).
No melhor dos cenários, o plano do Governo prevê duplicar, até 2022, o número de angolanos com acesso a um sistema de electricidade, para 2,6 milhões de pessoas.
Em concreto, este programa visava aumentar a produção de electricidade, nas centrais hidroeléctricas e a diesel já construídas e com a construção de novas, bem como “diversificar a capacidade de geração de energia de Angola”, através de centrais hidroeléctricas de menor dimensão, para garantir os consumos locais.
O programa visa igualmente estudar a viabilidade da geração de energia solar e eólica em alguns pontos do país.
Entre 2018 e 2022, a nova previsão do Governo passa por investimentos públicos de 13.500 milhões de dólares (11.600 milhões de euros). Desta verba, 70% será utilizada para projectos ligados à energia (geração e distribuição) e os restantes 30% ao fornecimento de água.
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África subsaariana, com cerca de 1,7 milhões de barris por dia, mas o gás natural resultante desta exploração continua a ser queimado ou injectado de novo nos poços. Também é um dos maiores “produtores” de corrupção, de mortalidade infantil e de pobres (20 milhões… por enquanto).
O Governo do MPLA tem por isso a meta de, até 2025, mais de 20% da energia eléctrica produzida no país resultar do aproveitamento do gás natural, através da instalação de centrais de ciclo combinado.
A posição foi transmitida anteriormente pelo ministro da Energia e Águas, João Baptista Borges, no âmbito do plano de desenvolvimento do sector eléctrico, que até 2025 prevê elevar a capacidade de produção instalada a cerca de 9.000 MegaWatts (MW), praticamente o triplo no espaço de 10 anos.
Quando esse plano for concluído, 62% do volume de electricidade a produzir será proveniente dos recursos hídricos, com a construção de várias barragens.
A segunda parcela será garantida pelo aproveitamento do gás natural, de 21% do total, o equivalente a uma capacidade instalada, dentro de sete anos, de cerca de 2.000 MW.
“O que se está a projectar é a construção de centrais de ciclo combinado ao longo do litoral do país, em Cabinda, Benguela e Namibe”, explicou o governante.
O ministro João Baptista Borges lembrou que depois da água, o gás é o segundo maior recurso natural disponível em Angola para a produção de electricidade, sendo objectivo do Governo diversificar as fontes de energia, para que o país não fique “dependente de um único combustível primário”.
Promessas às… escuras
Em Setembro de 2016 ficou a saber-se que o Estado iria capitalizar a nova empresa pública nacional responsável pela comercialização e distribuição de electricidade com mais de 38 milhões de euros, segundo um despacho presidencial.
De acordo com o documento assinado pelo então Presidente José Eduardo dos Santos, de 18 de Agosto, foi autorizado um crédito adicional para a capitalização da Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade, criada em Novembro de 2014.
Estabelecia-se ainda que caberia ao Instituto para o Sector Empresarial Público a abertura do crédito necessário, no valor de 5.417.600.000 de kwanzas (38,6 milhões de euros).
O Governo criara em 2015 três novas empresas públicas para gerir a área da energia, avaliadas em mais de 9,5 mil milhões de euros, e a extinção de outras duas.
A decisão foi justificada pelo Executivo de então com a “estratégia de desenvolvimento do sector eléctrico” do país e pela necessidade de “saneamento financeiro das empresas do sector”.
A nova estrutura organizativa do sector, também no âmbito do desenvolvimento programado até 2025, envolvia a criação de unidades de negócio dedicadas expressamente à Produção, Transporte e Distribuição de energia.
O diploma com estas medidas entrou em vigor a 20 de Novembro de 2016 e aprovou a extinção das empresas públicas ENE (Empresa Nacional de Electricidade) e EDEL (Empresa de Distribuição de Electricidade).
Os activos destas duas empresas – e ainda do Gabinete de Aproveitamento do Médio Kwanza -, bem como responsabilidades e trabalhadores foram distribuídos, em função das unidades de negócio, pelas novas empresas criadas.
Foi o caso da empresa pública de Produção de Electricidade (PRODEL), “responsável pela exploração, em regime de serviço público, dos centros electroprodutores”, integrando um capital estatutário de 4.997 milhões de dólares (4,4 mil milhões de euros).
Outra das novas empresas públicas constituídas foi a Rede Nacional de Transporte de Electricidade (RNT), “dedicada exclusivamente à gestão do sistema, à operação do mercado (comprador único) e à gestão da rede de transporte” e com um capital estatuário de 2.997 milhões de dólares (2,6 mil milhões de euros).
Por último, o mesmo diploma criou a Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade (ENDE), dedicada “exclusivamente à comercialização e distribuição de energia eléctrica, no âmbito do sistema eléctrico público”, representando um capital estatuário de 2.918 milhões de dólares (mais de 2,6 mil milhões de euros).
Produção hidroeléctrica
Recorde-se, entretanto, que o Governo chamou na altura uma empresa privada para estudar a potencialidade e viabilidade de novos projectos de produção hidroeléctrica no país.
Segundo o despacho presidencial de 8 de Abril de 2016, o Ministério da Energia e Águas foi autorizado a celebrar um Memorando de Entendimento com a empresa Organizações Mário Freitas & Filhos, para a realização em conjunto de estudos preliminares de viabilidade para projectos de infra-estruturas eléctricas nos domínios de Produção, Transporte e Distribuição.
“Tendo em conta a existência em Angola de um potencial hidroeléctrico elevado e a possibilidade de serem consideradas ampliações na capacidade de geração de energia hidroeléctrica”, lê-se no documento.
Além disso, o Governo reconhece neste projecto a “necessidade de reabilitar e expandir as redes de distribuição de electricidade das sedes municipais e implementar os projectos de electrificação rural”.
Na prática, o défice energético provoca sistemáticos cortes no fornecimento de electricidade à população, face ao aumento do consumo, explicado com o registo de subida das temperaturas no país, além da reduzida taxa de cobertura do território.
O plano de reforço da capacidade instalada em Angola envolveu, até 2017, a ampliação da barragem de Cambambe, a construção da barragem de Laúca (ambas na província do Cuanza Norte) e da Central do Ciclo Combinado do Soyo (província do Zaire), permitindo atingir a produção considerada necessária para assegurar os consumos de uma população de 24,3 milhões de pessoas.
Folha 8 com Lusa