O MPLA garantiu hoje que o processo de transição política no partido, com a saída do seu presidente, José Eduardo dos Santos, cargo ao qual concorre o chefe de Estado angolano, João Lourenço, decorre num “ambiente de perfeita harmonia”. Nem seria de esperar outra coisa de um partido que nos últimos 38 anos foi gerido pelo “escolhido de Deus” que, por sua vez, foi quem escolheu o seu sucessor.
A informação consta do comunicado da reunião do secretariado do Bureau Político do MPLA, realizada hoje em Luanda sob direcção (claro está) de João Lourenço, que é também vice-presidente do partido, a qual antecede o Comité Central da próxima sexta-feira, durante a qual será formalizada a convocatória do sexto congresso extraordinário, previsto para 8 de Setembro, com a eleição do novo líder que, eventualmente, poderá adoptar a designação de “O novo escolhido de Deus”.
“O secretariado do Bureau Político considerou que o processo de transição política na liderança do MPLA está a decorrer num ambiente de perfeita harmonia, ampla participação e aceitação dos militantes, na salvaguarda dos princípios e valores do MPLA, com vista ao reforço da sua unidade e coesão”, lê-se no mesmo comunicado.
Na mesma reunião de hoje foi apreciado ainda o Plano de Realização do Acto de Convocação do sexto congresso extraordinário, “a decorrer em todas as províncias do país, de forma a manter os militantes, amigos e simpatizantes do partido esclarecidos e envolvidos na preparação e realização do magno evento”. Vai ser uma tarefe ciclópica pois, como se sabe, o MPLA deve nesta altura perto de… 28 milhões de militantes.
O Comité Central do MPLA já tinha aprovado no final de Maio a proposta de candidatura de João Lourenço, vice-presidente do MPLA e chefe de Estado angolano desde Setembro, ao cargo de presidente do partido, que é liderado desde 1979 por José Eduardo dos Santos.
Nos últimos tempos têm crescido os comentários na sociedade angolana sobre a existência de uma suposta bicefalia entre João Lourenço e o líder do partido, José Eduardo dos Santos, em que se incluem críticas internas sobre a situação.
José Eduardo dos Santos, de 75 anos, anunciou em 2016 que deveria deixar a vida política activa este ano, tendo confirmado a sua saída, na última sessão extraordinária do Comité Central do MPLA, realizada a 25 de Maio, argumentando que “tudo o que tem um começo tem um fim”.
A liderança do MPLA foi assumida por José Eduardo dos Santos a 21 de Setembro de 1979, na sequência da morte do primeiro Presidente de Angola, António Agostinho Neto, a 10 de Setembro do mesmo ano, em Moscovo.
Na altura, com 37 anos, José Eduardo dos Santos admitiu que não seria “uma substituição fácil nem possível”.
Ao contrário da tese imposta por João Lourenço e “livremente” aceite pelos dirigentes do partido, o MPLA, desde que o seu Presidente, José Eduardo dos Santos, deixou de ser Presidente da República começou a mostrar um dinamismo assinalável e, reconheça-se, muito mais político e social do que nos 38 anos em que o seu líder acumulava as duas funções.
Seja por corresponder a uma tentativa para que o seu Presidente não perdesse poder, seja porque os laivos de uma democracia interna, embora ainda embrionária, começavam a medrar, foi visível que o MPLA dava sinais de que, afinal, não era incompatível (pelo contrário) o Presidente da República ser um e o Presidente do partido que o sustenta politicamente ser outro.
Nas democracias mais avançadas do mundo, o Presidente da República – mesmo nos casos e m que acumula o cargo com o poder executivo – não é o líder do partido a que pertence.
Aliás, até mesmo por uma questão de ética e moral, ao ser eleito Presidente da República, João Lourenço passou (ou deveria ter passado) a ser o Presidente de todos os angolanos e não apenas dos que são do MPLA.
Do ponto de vista do funcionamento democrático, certamente que os deputados do MPLA teriam mais liberdade de escolha e de posicionamento em relação às questões que preocupam o país, se o Titular do Poder Executivo não fosse Presidente (nem vice-Presidente) do seu partido.
Chegaram a ser visíveis duas correntes de opinião, tanto no seio do MPLA como na própria sociedade. A maioria a defender que o Presidente da República deve ser também Presidente do partido. Foram 42 anos a funcionar nesse sistema e, cristalizados no temor de que para pior já basta assim, os angolanos (sobretudo os do MPLA) continuam agarrados ao passado.
Importa, contudo, sem sofismas nem complexos, analisar e discutir o que é melhor para Angola. Nos EUA, o Partido Republicano está no poder mas a sua Presidente, Ronna Romney McDaniel, nada tem a ver com o Governo. Em Portugal, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, embora seja do PSD não é líder deste partido.
O “MPLA pós 2017”pareceu querer assumir um papel novo e mais actuante, no concerto da tribo partidocrata e da sociedade, com a realização de actos normais e regulares de um partido político que há muito não se assistia.
Registe-se, por exemplo, que este ano o secretariado do bureau político do MPLA já se reuniu mais vezes (na sua sede, sob liderança do presidente), do que em cerca de 24 meses de actividade em 2016 e 2017. A justificação reside no facto, dizem, de pela primeira vez em 42 anos ter um Presidente exclusivamente virado para a sua organização interna e demitido das tarefas do Estado.
O MPLA colocava-se desta forma, pela primeira vez, igual aos demais partidos, onde o seu actual Presidente, teria apenas papel duplo, num único órgão: Conselho da República, onde tem assento como presidente do MPLA e ex-presidente da República.
O modelo poderia representar um ganho para a verdade democrática, não tendo ele capacidade de fazer dos cofres do Estado a extensão das necessidades financeiras do partido, para manutenção do poder e alimentação da máquina da fraude estadual.
Mas não vai ser assim. João Lourenço jamais poderá dizer que é Presidente de todos os angolanos. Pelo menos enquanto não conseguir, como é seu desejo, que todos os angolanos sejam do MPLA.
Folha 8 com Lusa