Mais de metade da dívida pública externa de Angola já é garantida desde 2016 com carregamentos de petróleo, modelo que o próprio Governo admitiu este ano estar a atingir “a exaustão”.
Segundo informação governamental económica de Maio, disponibilizada aos investidores internacionais, 48,8% de toda a dívida pública angolana contraída fora do país estava garantida, no final de 2013, com pré-carregamentos de petróleo, cuja produção angolana é de mais de 1,6 milhões de barris por dia.
Esse valor desceu para 43,8% em 2014 e para 39,2% em 2015, mas disparou nos anos seguintes.
Em 2016, o petróleo era dado como garantia para 57,6% de toda a dívida pública externa angolana, peso que subiu para 59% no ano seguinte.
Este tipo de garantia, petróleo em troca de financiamento, é utilizado sobretudo pela China, maior financiador de Angola. Contudo, o mesmo documento do Governo angolano refere que a linha de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES), do Brasil, para exportações e obras de empresas brasileiras em Angola, está igualmente garantida por pré-carregamentos de petróleo.
O Governo angolano estima fechar 2018 com um endividamento público de 77.300 milhões de dólares (65.100 milhões de euros), equivalente a 70,8% do Produto Interno Bruto (PIB) do país para este ano, excluindo a dívida da petrolífera estatal Sonangol.
De acordo com informação do Governo, a República de Angola deverá “aumentar significativamente” os empréstimos em 2018 e nos próximos anos. Acrescenta que na mais recente estimativa governamental, o Estado angolano captou aproximadamente 3.400 milhões de dólares (2.800 milhões de euros) de dívida no primeiro trimestre deste ano, dos quais 1.300 milhões de dólares (1.000 milhões de euros) foram arrecadados no mercado interno e aproximadamente 2.100 milhões (1.800 milhões de euros) foram levantados externamente.
Com estes indicadores, o volume da dívida pública deverá ascender a 70,8% do PIB em 2018, quando em 2017 foi de 67%.
O Governo angolano anunciou no início deste ano que pretendia diversificar os mecanismos de financiamento externo, admitindo “a exaustão” do modelo de carregamento de barris de petróleo como garantia das linhas de crédito de países financiadores, como a China.
O alerta surge no Plano de Estabilização Macroeconómica (PEM), revelado em Janeiro, com medidas para melhorar a situação financeira e os principais indicadores económicos.
O Governo reconhece que Angola tem recorrido a financiamento externo “maioritariamente para apoio à carteira de projectos do Programa de Investimento Público (PIP)”, um sistema de linhas de crédito, Estado a Estado, habitualmente suportado por seguros à exportação e taxa variáveis, que tem sido “a alternativa mais disponível no financiamento da renovação e requalificação das infra-estruturas nacionais”.
Alguns destes financiamentos são garantidos por carregamentos de petróleo, mas o documento do executivo liderado desde Setembro por João Lourenço deixa o alerta: “O sistema de linhas de crédito tem a vantagem de permitir um acesso mais alargado ao financiamento externo. Contudo, vive-se, actualmente, uma situação de exaustão deste instrumento, na medida em que os carregamentos de petróleo têm estado completamente comprometidos com o serviço da dívida de três países: China, Brasil e Israel”.
Só a China já emprestou a Angola, desde 1983, conforme revelou esta semana o embaixador chinês em Luanda, mais de 60.000 milhões de dólares (50.000 milhões de euros), para obras de reconstrução após a guerra, valores que por norma são liquidados pelo Estado angolano com carregamentos de petróleo.
Petróleo, petróleo, petróleo…
A consultora britânica BMI Research considerou hoje que as novas regras fiscais aprovadas pelo Governo de Angola para os investimentos no sector petrolífero podem influenciar de forma positiva os investidores que ainda estão indecisos em investir.
“Com uma extensa infra-estrutura ao largo do país e um grande volume de recursos ainda por desenvolver, o offshore de Angola continua a ter um potencial significativo”, escrevem os analistas, salientando que “um ambiente fiscal mais favorável coloca riscos positivos para os fluxos de investimento”.
Numa análise enviada aos investidores, estes analistas (por regra formatados para dizer “sim”, “não” e “talvez”) escrevem que, “como as grandes empresas petrolíferas internacionais continuam a aplicar uma rigorosa disciplina orçamental e são mais rigorosas na escolha dos projectos, a capacidade de alavancar a infra-estrutura já existente deve funcionar a favor de Angola”.
Para além disso, acrescentam, “o aumento dos preços e a melhoria da posição financeira dos gigantes petrolíferos aumenta a probabilidade de o foco regressar ao investimento”, e aqui “a fama de Angola como um país com provas dadas no sector pode ajudar” neste aspecto, com as novas regras a poderem ajudar a ’empurrar’ vários projectos ainda em fase de pré-decisão final de investimento”, o que, concluem, “será fundamental para estabilizar a produção petrolífera a médio prazo”.
O Governo de Angola reduziu os impostos para alguns campos petrolíferos mais pequenos, com menos de 30 milhões de barris, descendo a taxa de 20% para 10% e o imposto de 50% para 25%, uma iniciativa que a BMI encara como “um esforço para acelerar a reforma e voltar a incentivar o investimento no sector.
Apesar de elogiar as reformas, a consultora britânica alerta que os riscos permanecem, nomeadamente no elevado nível de endividamento e nos “intermitentes problemas de liquidez” da Sonangol, a companhia nacional de petróleo, que “continua com problemas de pagamento às companhias internacionais, o que limita o investimento na exploração”.
Ainda que assuma cautela “sobre o ímpeto da reforma na empresa, com questões sobre a transparência e a corrupção a deverem persistir no tempo”, a BMI Research conclui que acredita que “os investidores vão encarar os desenvolvimentos recentes, quer na economia angolana, quer na parte referente à Sonangol, como passos positivos para melhorar o ambiente empresarial, particularmente se os planos para pagar dívidas atrasadas forem em frente”.
Folha 8 com Lusa