A empresária Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente angolano mas Presidente do MPLA, acusa o Jornal de Angola (estatal) de “manter os angolanos mal informados”, respondendo às notícias sobre uma rejeição da proposta de José Eduardo dos Santos, na transição na liderança do MPLA.
Isabel dos Santos, exonerada em Novembro, pelo novo Presidente da República, João Lourenço, do cargo de presidente do Conselho de Administração da petrolífera Sonangol, usou hoje as redes sociais para criticar a manchete do Jornal de Angola de hoje, que refere que o “Comité Central do MPLA rejeita proposta do líder [José Eduardo dos Santos]”, de um congresso extraordinário sobre a transição da liderança do partido apenas em Dezembro ou Abril de 2018.
“Afinal, é-nos apresentada mais uma mentira do Jornal de Angola! Até quando o director do Jornal de Angola, o senhor Vítor Silva, vai insistir em manter os angolanos mal informados? O Jornal de Angola é dos angolanos, os salários e o papel para imprimir o Jornal de Angola são pagos com os impostos do cidadão. A informação tem que vir correta, factual e imparcial”, escreveu hoje Isabel dos Santos.
“Estão a tirar a credibilidade do Jornal de Angola. Até quando vai continuar essa desinformação? Sensacionalismos não! Verdades e factos sim”, defende a empresária, que volta desta forma a atacar o diário estatal, à semelhança do que já tinha acontecido em 2017, sobre a publicação, por aquele jornal, de editoriais arrasadores para a sua gestão de 17 meses na Sonangol.
Hoje mesmo, o porta-voz do MPLA negou hoje, em Luanda, que tenha sido rejeitada a proposta apresentada pelo líder do partido no poder em Angola desde 1975, para a realização de um congresso extraordinário sobre a transição da liderança do partido.
Norberto Garcia reagia a notícias divulgadas, sexta-feira, depois de o presidente do MPLA, José Eduardo dos Santos, ter proposto a realização de um congresso extraordinário para Dezembro deste ano ou Abril de 2019.
O anúncio foi feito na abertura da 5.ª sessão ordinária do Comité Central do MPLA, tendo no comunicado final sido informado que terão lugar, este ano, duas reuniões de reflexão sobre a proposta apresentada, a primeira, em Abril, pelo Bureau Político e a segunda, em Maio, pelo Comité Central.
Segundo o secretário para a Informação do Bureau Político do MPLA, não houve rejeição da proposta do líder, mas sim um “melhoramento” da mesma.
“Estamos a evoluir positivamente, estamos a trabalhar com bastante harmonia e coesão, é evidente que há situações que, em sede das quais, poderá haver uma abordagem mais crítica, menos crítica, o que é normal, estamos em democracia e é isso que nós queremos, um partido cada vez mais democrático, cada vez mais aberto”, disse.
“Discussões houve e houve várias propostas, que não foi só esta. A verdade verdadeira é que perante o facto de ter havido discussão, desta discussão resultou aquilo que nós colocamos no comunicado final”, salientou.
Nos últimos tempos têm crescido os comentários na sociedade angolana sobre a existência de uma suposta bicefalia entre o chefe de Estado angolano e vice-presidente do MPLA, João Lourenço, e o líder do partido, José Eduardo dos Santos, onde se incluem críticas internas sobre a situação.
José Eduardo dos Santos, líder do MPLA desde 1979, anunciou em 2016, que este ano deveria deixar a vida política activa, sendo esta a primeira vez que se pronunciou sobre o assunto, propondo que o congresso extraordinário seja realizado em Dezembro deste ano ou Abril de 2019, sem adiantar mais pormenores sobre este processo.
Isabel tem memória selectiva
Está a fazer um ano que o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, o grupo McClatchy e o Miami Herald, receberam o prémio Pulitzer pela reportagem interpretativa dos Panama Papers. Lamentavelmente a Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque, voltara a esquecer-se do Jornal de Angola.
Considerados os prémios mais prestigiantes do jornalismo, os Pulitzer são atribuídos em 14 categorias de jornalismo, fotografia, crítica e comentário de jornais, revistas e sítios na internet.
O Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação expôs a forma como políticos, criminosos e pessoas ricas desviam dinheiro para contas em paraísos fiscais, também designados como offshore, através da análise daqueles documentos, designados pela expressão em Inglês “Panama Papers”.
Mais uma vez o Pulitzer escapou ao Pravda, Boletim Oficial ou Jornal de Angola. Tratou-se de uma, mais uma, afronta ao então regime de sua majestade o rei de Angola, José Eduardo dos Santos.
E Isabel, tal como pai, nunca perdoou essa falha sucessiva e, ao que parece, tudo está a fazer para que o agora maquilhado JA nunca ganhe o Pulitzer. Mas não havia necessidade. Isso nunca acontecerá.
No tempo do pai de Isabel, muito mais do que agora, todos os dias, em todos os textos, o JA mostrava o que é a democracia mais evoluída do MPLA e ensinava ao mundo o que é o verdadeiro e único jornalismo.
Dizia o pasquim do regime, então dirigido por um sipaio de nome José Ribeiro, que os órgãos de informação privados nada mais eram do que um “Cavalo de Tróia que vomita do seu seio a subversão dos mais elementares valores que regem o jornalismo.”
Dando como adquirido que o paizinho de Isabel estava para os angolanos (e não só) como Deus estava para os cristãos, e que o JA estava para o jornalismo como o MPLA estava para Eduardo dos Santos, todos os jornalistas do mundo eram obrigados a aceitar a superioridade moral, ética, deontológica e o que mais por aí houvesse deste legítimo filho do Pravda, o principal jornal da União Soviética e órgão oficial do Comité Central do Partido Comunista da União Soviética entre 1918 e 1991.
Dizia o JA que no reino do pai de Isabel, e certamente com o beneplácito do Comité Central do MPLA, que em Angola “a liberdade de imprensa convive com abusos repugnantes e os novos jornais até começaram a servir para crimes de chantagem e extorsão”, para além de que ”quase sempre são palcos de intrigas, veículos de ataques pessoais, mananciais de insultos, calúnias e difamações.”
Crê-se que um desses crimes tem a ver com o 27 de Maio de 1977, uma purga que os jornais privados dizem ter sacrificado milhares de angolanos mas que, na verdade e certamente segundo a análise do JA, nem sequer existiu. É isso, não é Isabel?
Dizia o JA que “o Presidente da República é o alvo privilegiado dos jornais privados. Há entre eles uma competição estranha que consiste em ver qual deles fere mais a honra e o bom-nome de José Eduardo dos Santos. O mais alto magistrado da Nação é tratado como um pária ante a indiferença dos órgãos de Justiça, das organizações dos jornalistas, das associações patronais e, pasme-se, do Conselho Nacional da Comunicação Social.”
Mais um ponto a favor do Pravda. Perdão, do Jornal de Angola. Estávamos todos conluiados para denegrir a imagem do impoluto Presidente pai de Isabel, não compreendendo que estar há 38 anos no poder sem nunca ter sido nominalmente eleito é a mais sublime prova da vitalidade democrática do regime angolano.
Da brilhante (como sempre) análise do JA resultava que “de 2008 para cá as coisas melhoraram”. Isto é, “os jornais privados que mais se destacavam na calúnia e no insulto ao Chefe de Estado abandonaram esse caminho. Mas em compensação outros redobraram os crimes de abuso de liberdade de imprensa. Sabe-se agora porquê.”
O jornal não explica, certamente no cumprimento das mais puras e transparentes regras éticas e deontológica, a razão pela qual alguns jornais abandonaram esse caminho. Também não precisa de explicar. Todos sabem que foram comprados e ou silenciados pelo regime.
Escrevia o JÁ (recorda-se Isabel?) que “o “Folha 8” era o órgão oficial da CASA-CE e dava uma mão à UNITA, nas suas investidas contra o Estado Democrático e de Direito. O “Novo Jornal” era o suporte de “manifestantes” que têm uma única mensagem à sociedade: insultos grosseiros ao Presidente da República e o objectivo de derrubá-lo.”
Em cheio. Não há dúvida. Nenhum jornal no mundo batia o Jornal de Angola. É que não só analisava como dava notícias em primeiríssima mão. Então não é que Angola é um Estado Democrático e de Direito? Ora tomem!
Ao fim e ao cabo, todos os jornais “se encarregam de fazer alastrar a mancha da calúnia e do insulto. Com mais ou menos competência. Mas seguramente com resultados catastróficos para o jornalismo angolano.” Valha-nos ao menos, diria Isabel nesse tempo, a existência desse paradigma de nobreza e altruísmo, verdadeira catedral do jornalismo, que dá pelo nome de Jornal de Angola.
O JA insurgia-se contra algo que os políticos aprenderam com o MPLA e com o seu Pravda, mas que – obviamente – só deve ser aplicado em relação aos outros. Então não é que “com um sorriso próprio dos porcos”, os dirigentes do PRS “chamam aos membros do Executivo mafiosos e ladrões” e “acusam instituições do Estado de envenenarem e assassinarem cidadãos”?
Francamente. Os políticos, mesmo em campanha eleitoral, deveriam saber que há verdades que não devem ser ditas.
“A UNITA segue o mesmo caminho mas com um pouco mais de compostura. Tem como mentor um qualquer Rafael Marques. A CASA-CE faz dos tempos de antena sucursais do “Folha 8” mas um pouco mais primários. São violentíssimos ataques à inteligência dos eleitores e golpes fatais contra a ética política. Se não havia ética no “jornalismo” que faziam, muito menos existe agora, quando vivemos num período em que os salteadores da política agem como se valesse tudo menos tirar olhos”, escreve o JA.
Ficamos também a saber, graças – corrobore-se – à honorabilidade desse saudoso (para Isabel dos Santos) JA, que os leitores têm inteligência e que Rafael Marques e William Tonet estão a desgraçar o país e a cometer crimes contra tudo, nomeadamente contra a segurança do Estado. E estão mesmo, reconhecemos. É que eles pensam que Angola é mesmo um Estado de Direito Democrático. E como não é, todos os que teimam em pensar de forma diferente são culpados de tudo.
Perante tudo isto, e esperamos que com o contributo decisivo de Isabel, os angolanos têm de lançar todos os anos uma petição, um amplo movimento mundial, para que Nobel da Paz seja atribuído a Eduardo dos Santos e o Pulitzer ao Pravda do regime (versão José Ribeiro), em português “Jornal de Angola”.
Folha 8 cm Lusa