Algumas dezenas de estudantes, activistas e académicos angolanos manifestaram-se hoje no centro de Luanda contra o que afirmam ser a amnistia dos desvios de dinheiros públicos, através das propostas de lei sobre repatriamento de capitais.
Em causa está a aprovação, na generalidade, a 22 de Fevereiro, pela Assembleia Nacional, de duas propostas de lei sobre repatriamento de capitais – de iniciativa do Presidente da República e da UNITA -, numa discussão centrada na possibilidade de legalização de dinheiro obtido e retirado do país de forma ilícita.
“Ladrão não pode ser patrão” e “Devolvam ao Estado o dinheiro roubado” ou “Lavagem não”, foram algumas das palavras de ordem ouvidas no protesto de hoje, que decorreu sem incidentes no centro da capital angolana.
“Nós achamos que a forma como eles redigiram a proposta [de lei] é para se auto beneficiarem, visto que, se nós formos olhar para as ostentações, as pessoas ligadas ao MPLA são as que mais nos roubaram. Um ministro não pode ter bilhões, não pode ter 10 casas, tirou dinheiro de onde”, questionou, durante o protesto, a activista Laura Macedo, porta-voz do grupo promotor deste protesto.
As críticas visam a Proposta de Lei de Repatriamento de Recursos Financeiros Domiciliados no Exterior do País, de iniciativa do Presidente da República, e que tem o apoio do MPLA, maioritário no Parlamento, e o Projecto de Lei do Regime Extraordinário de Regulação Patrimonial (RERP), de iniciativa da UNITA.
Este grupo de personalidades e activistas angolanos, que tem como porta-vozes Laura Macedo e Luaty Beirão, tem vindo a criticar publicamente, desde Fevereiro, a possibilidade de repatriamento de capitais sem perguntas e mantendo a titularidade, por ser “injusta e, uma vez mais, beneficiar o infractor”.
Numa carta subscrita por mais de 300 pessoas, dirigida em Fevereiro à Assembleia Nacional, este grupo reclama opções “mais justas” que “devem ser impostas aos que ilicitamente adquiriram riqueza em Angola e que, entretanto, a guardaram fora de Angola”.
Reclamando que 70% do dinheiro obtido ilicitamente, a repatriar ou já no país, seja revertido a favor do Estado e que o restante seja aplicado obrigatoriamente em projectos de desenvolvimento em Angola, além de afastar os prevaricadores dos negócios com o Estado angolano.
“Não podemos continuar a premiar aqueles que não tiveram remorsos em delapidar o Estado, provocando situações calamitosas”, afirma Luaty Beirão, numa posição substancialmente diferente das propostas aprovadas, ainda na generalidade, pelos deputados.
As duas propostas estão agora em discussão na especialidade, antes da aprovação final de uma delas.
É o caso da promovida pelo Presidente da República, permitindo repatriar depósitos no exterior sem fazer perguntas sobre a origem do dinheiro e a do maior partido da oposição, prevendo o pagamento ao Estado de uma taxa de 45% sobre o total.
Adalberto da Costa Júnior, líder parlamentar da UNITA, afirma que o projecto de lei do RERP, que envolve a regularização de depósitos e património não declarado, foi entregue ao presidente do parlamento quase duas semanas antes de João Lourenço, chefe de Estado e vice-presidente do MPLA, ter anunciado, em Dezembro, que estava em preparação regulamentação para permitir o repatriamento de depósitos no exterior sem investigações.
“No modelo anunciado pelo Presidente, quem roubou agora traz e fica com tudo. Não pode ser assim”, afirmou o deputado da UNITA, partido que prevê que as receitas provenientes do RERT financiem o Fundo de Erradicação da Pobreza.
Na proposta levada a plenário pelo Presidente da República, os angolanos com depósitos superiores a 100 mil dólares (83 mil euros) no estrangeiro e não declarados vão ter seis meses para fazer o seu repatriamento para Angola sem estarem sujeitos a qualquer investigação criminal, tributária ou cambial.
Lusa