A culpa é sempre dos outros. Apesar de (in)dependentes há décadas, alguns dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa continuam a mascarar muita da sua enorme incompetência com o recurso a todo o tipo de acusações, seja aos eventuais inimigos internos seja, ainda, à antiga potência colonial.
Por Orlando Castro
Terão legitimidade para isso? Têm com certeza! O «pai» é sempre responsável, pelo menos do ponto de vista moral, pelas acções dos «filhos», até mesmo quando estes renegam as origens. É um complexo que acompanhará sempre os progenitores, sobretudo aqueles que se esqueceram de dar uns tabefes aos filhos quando eles precisavam. Se o tivessem feito evitariam hoje esse mesmo complexo, embora de sentido contrário.
A Angola de José Eduardo dos Santos (que não dos angolanos) foi um (in)digno exemplo do «filho» que cuspiu no prato que lhe deu comida mas, ao mesmo tempo, revela que o «pai» em vez de o mandar trabalhar para ter o que comer, aceita lavar os pratos cuspidos e voltar a servir nova refeição.
O estratagema (felizmente não adoptado por outros PALOP, pelo menos com a mesma grandeza) revela-se fácil, barato e – é claro! – dá milhões. E é assim porque Portugal (e tanto faz que seja em tons rosa ou alaranjados) continua a achar conveniente lamber as botas aos poucos que têm milhões, esquecendo os milhões que têm (e continuarão a ter) pouco, muito pouco… ou nada.
É que, e não faltam exemplos, Portugal não pode (nem deve) continuar a dar peixe aos parasitas que, a troco de tudo e de nada, o insultam e o tratam abaixo de cão. Portugal ensinou-nos (bem ou mal) a pescar e, por isso, não tem que nos dar o peixe.
Por outras palavras, e apesar de a psicologia explicar o complexo do colonizador, importa a Portugal cortar de uma vez por todas o cordão umbilical com as ex-colónias. Já somos crescidinhos. Desde logo porque o cordão umbilical só tem um sentido, só serve para alimentar uma das partes, por sinal a que menos precisa. Aliás, a parte que nem precisa.
Se nós, africanos colonizados por Portugal, quisermos substituir o cordão de sentido único por um sistema de vasos comunicantes, de dois sentidos, então teremos autoridade moral. De outra forma, o melhor é esquecer até que o este tipo de «filho» acorde… ou desapareça de uma vez por todas.
Recorde-se que um dos presidentes da República da Guiné-Bissau, Kumba Ialá, fez-se homem em Portugal. Não tão homem como seria de esperar mas, mesmo assim, foi lá que aprendeu a pescar.
Apesar disso, disse à Rádio Bombolom FM que o seu país poderia cortar relações com Portugal, caso o Governo português viesse a “desencadear” uma resposta a uma eventual “acção” da Guiné-Bissau contra alguns políticos guineenses “que andam a ladrar em Portugal”.
Parafraseando o próprio Kumba Ialá, quem diz isso não fala… ladra.
“Há políticos que andam a ladrar em Portugal, pensando que estão nos céus, mas nós podemos agarrá-los mesmo aí e, se Portugal “mermerí” (palavra crioula que significa em português algo como piar ou tugir), cortamos as relações”, disse Kumba Ialá.
Algo semelhante defendeu em 2001, o então secretário para as relações exteriores do MPLA, Paulo Teixeira Jorge, quando disse que o Governo português não deveria permitir que “portugueses de ocasião” interferissem nos assuntos internos de Angola, tal como os “angolanos de ocasião” deveriam também ser impedidos de falar sobre Angola.
Noutro passo da sua criminosa e complexada intervenção, Kumba Ialá, disse que “há políticos teleguiados a partir de Portugal”, acrescentando que “Portugal pode ficar ciente que nunca mais um português voltará a mandar num guineense”.
E, a fazer fé no muito que se vai lendo, as teses de Paulo Teixeira Jorge fizeram escola. Ao Portugal de hoje, muito mais do que em 2001, convirá que todos o entendam de uma vez por todas. Ou estão agora à espera que João Lourenço explique?
E é por isso que, mais ou menos de forma velada, as autoridades de Lisboa vão aconselhando a que se moderem as críticas ao regime angolano. Acrescentam, aliás, que se não houver moderação… outras medidas terão de ser tomadas.
Seja como for, todos aqueles que catalogam os angolanos e os portugueses em duas classes, os de primeira (afectos ao MPLA ou ao PS, ou a ambos) e os de segunda (afectos aos outros partidos ou simplesmente apartidários), devem perceber que nem mesmo pela barriga conseguirão calar os que são livres.
“… Eles são portugueses de ocasião, fundamentalmente são angolanos que se tornaram portugueses depois da evolução da situação em Angola”, afirmou na altura Paulo Teixeira Jorge, para quem o Governo português também deveria “chamar a atenção” dos elementos da Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC) que se encontravam em Portugal.
De ocasião ou não, angolanos ou portugueses, recusemo-nos a deixar de dizer o que pensamos ser a verdade. Quem resistiu a 38 anos de governo de José Eduardo dos Santos, escorado nos seus acólitos portugueses, certamente que já aprendeu a viver… sem comer.
Velhos amigos… divorciados
José Sócrates viajou para Nova Iorque, nos EUA, para se encontrar – eventualmente tomar um café – com o vice-Presidente de Angola, Manuel Vicente. Tudo normal entre velhos amigos.
As escutas telefónicas realizadas no âmbito da Operação Marquês, que levaram à prisão do ex-primeiro-ministro português, mostram José Sócrates e Carlos Santos Silva a fazerem, à pressa, as marcações da viagem.
Depois de admitir na entrevista à SIC que telefonou a Manuel Vicente para interceder pelos negócios do Grupo Lena, num mais do que óbvio acto de despretensiosa amizade, sabe-se que o ex-primeiro-ministro de Portugal, igualmente amigo íntimo .na altura – do impoluto regime de Eduardo dos Santos, se encontrou com o vice-Presidente angolano no consulado de Angola em Nova Iorque.
O semanário português SOL escreveu que a viagem foi marcada à pressa entre José Sócrates e Santos Silva e surgiu depois de Manuel Vicente lhe ter dito que estaria na cidade norte-americana. O jornal não esclarece o que é isso de “à pressa”, o que apenas pode significar um raro sentido de oportunidade, o que – aliás – é uma característica de Sócrates.
De acordo com o semanário, as escutas revelam a conversa de José Sócrates em que terá dito a Manuel Vicente que o Grupo Lena (“pessoas a quem devo atenções”) estava interessado num concurso público em Angola, na área da construção, pedindo-lhe então para receber os patrões do grupo e tentando marcar o encontro em Luanda.
E onde está o mal? Uma mão lava a outra, as duas lavam a cara. Além disso, em matéria de lavagem sabe-se que Portugal tem altos profissionais espalhados pelos principais areópagos da economia e da política mundiais.
No entanto, Manuel Vicente tinha uma viagem agendada para Nova Iorque, onde iria representar o Presidente Eduardo dos Santos na Assembleia-Geral das Nações Unidas. Fazendo uso do tal sentido de oportunidade, José Sócrates reparou que – por mera coincidência – também ele e os amigos tinham compromissos na mesma cidade e na mesma altura.
Assim sendo, combinaram o encontro através do embaixador angolano na ONU. Dada a transparência do encontro, terá sido o representante português na ONU, o embaixador Álvaro Mendonça e Moura, a agendar o encontro no consulado de Angola em Nova Iorque.
Esta reunião tinha sido negada por José Sócrates quando foi questionado pelo juiz Carlos Alexandre após a detenção, mas posteriormente assumida como tendo acontecido para tratar de assuntos “triviais”. A negação inicial deveu-se apenas a um mero lapso de memória, isto porque – ao contrário do seu amigo José Eduardo dos Santos – o ex-primeiro-ministro português não tem poderes divinos.
Na entrevista dada à SIC, José Sócrates afirmou que intercedeu pelo Grupo Lena “por mera simpatia e fiz esse contacto com gosto, sem nenhum interesse que não fosse ajudar uma empresa portuguesa, como, aliás, fiz com outras”. Tratou-se pois de um louvável acto de diplomacia económica, a bem dos dois países…
Em entrevista à RTP, o advogado de José Sócrates, João Araújo, afirmou que a questão de Angola não tinha “importância nenhuma”. Está bom de ver que os inimigos do ex-primeiro-ministro estão a empolar a questão por manifesta ignorância e maldade.
Todos sabem que em matéria de transparência negocial, de luta contra a corrupção e outros crimes similares, tanto Angola como Portugal são paradigmas. A relação de José Sócrates com Angola, segundo aqueles que ainda não perceberam que o regime angolano é também um paradigma de democraticidade só igualado pela Coreia do Norte, levanta dúvidas na medida em que pode configurar crime de tráfico de influências, reforçando ainda os indícios de corrupção e favorecimento do Grupo Lena.
Estão errados. Completamente errados. Nunca o regime de Eduardo dos Santos (tal como agora o de João Lourenço) permitiria tráfico de influência, corrupção e favorecimento. Aliás, essas e outras maleitas não existem em Angola. São a própria Angola.