O músico e escritor angolano Kalaf Epalanga estreia-se no romance com “Também os brancos sabem dançar”, um livro que fala de música, mas também de identidade e migrações, misturando ficção e realidade, e que é apresentado hoje em Lisboa.
O título do romance poderá ter uma “leitura básica sobre a capacidade, ou falta dela, de os brancos saberem dançar”. O provérbio angolano que o inspirou – “Ó mundele uejia miimbu iauaba muene, em Kimbundu” (uma das línguas nacionais angolanas, falada sobretudo na região de Luanda) – diz que os brancos também conhecem boas canções, o que significa, como Kalaf explicou em declarações à Lusa, que “todos têm algo de valor para partilhar com o mundo”.
Por isso, optou por dar ao livro três narradores: ele próprio, uma professora de dança e um polícia nórdico, este último “totalmente o oposto” dele.
As histórias que cada um conta misturam personagens e acontecimentos reais e outros ficcionados. Se é verdade que Kalaf já ficou retido numa fronteira, é fantasia que se tenha casado com uma professora de dança por conveniência.
Essa mistura de realidade e ficção foi um dos pontos em que encontrou “mais dificuldade” ao escrever o livro que, desde as primeiras notas até sair da gráfica, levou dois anos e oito meses.
“Tem personagens reais e pessoas que me são próximas e tive algum cuidado e respeito de não as colocar em situações difíceis, e isso leva tempo, até encontrar o tom certo”, referiu.
Kalaf precisou também de “encontrar uma forma de introduzir no romance” temas – como a música, “não há propriamente ficção a explorar esse universo de uma forma bastante concreta, a identidade ou as migrações, que “só encontram espaço nos ensaios e nas teses académicas” – que “respeitassem o género” no qual se aventurou pela primeira vez.
O músico conta no currículo com dois livros de crónicas: “O angolano que comprou Lisboa (Por metade do preço)” e “Estórias de amor para meninos de cor”.
Algumas das histórias no livro baseiam-se em experiências que viveu como músico e emigrante.
Ter trocado Angola por Lisboa, e, agora, esta por Berlim, permite-lhe afirmar que “ser emigrante é duro em qualquer circunstância”, para alguém “que sai do seu país sem ser por escolha”. Mas o músico lembra que “toda a existência é feita disso [de migrações], simplesmente às vezes escolhe-se ter certas amnésias selectivas”.
“Não nos colocarmos na pele do outro, perceber o que o outro passa quando a situação se inverte, coloca-nos nesses lugares de certa forma de intolerância e que são nocivos no conjunto da convivência global”, considerou.
Com o livro espera conseguir “trazer luz” sobre alguns assuntos, como a questão do PER (Programa Especial de Realojamento – programa que visa proporcionar aos municípios condições para proceder à erradicação das barracas e ao realojamento dos seus ocupantes em habitações de custos controlados), “uma coisa dramática que merece ser falada, fazer parte da cultura nacional, seja no registo ficção, ensaio ou tese, embora em tese já exista alguma coisa”.
“Tentei colocar isso no caminho de um dos meus personagens, mas podemos ir muito mais além e mais longe e trazer luz para uma questão que afectou muitas famílias e continua a afectar. Como sociedade não podemos dormir descansados sabendo que há pessoas que não ficaram incluídas em algo que foi e é benéfico”, disse, lembrando o trabalho que Vhils fez recentemente no bairro 6 de Maio, na Amadora.
Considerando que “um romancista traz e fala”, Kalaf admite ainda ser “novo” no género e estar a tentar “encontrar o caminho de como trazer esses assuntos para a ficção e ainda assim serem úteis para a conversa no conjunto das comunidades”.
Para o músico, é “muito importante o livro chegar às pessoas que falam português”. Já editado em Portugal e com “edição garantida no Brasil no próximo ano”, Kalaf Epalanga faz questão que chegue a outros países.
“Não ia descansar se o livro não estivesse nas prateleiras em Angola, Moçambique e Cabo Verde”, disse.
“Também os brancos sabem dançar”, que está à venda desde 21 de Novembro, é apresentado hoje no Teatro São Luiz, em Lisboa, às 18:30, numa sessão que conta com a participação da actriz Cláudia Semedo, da investigadora Cristina Roldão e do artista Nástio Mosquito.
Lusa