Enquanto candidato, João Lourenço deslocou-se à província do Bié para um acto político, no âmbito da campanha para as eleições gerais de 23 de Agosto. Perante milhares de pessoas (são sempre milhares e milhares), lembrou que a bandeira do MPLA “é mais conhecida que a Coca-Cola”, numa alusão à bandeira nacional angolana que é uma réplica da bandeira do MPLA.
No seu discurso, João Lourenço referiu-se igualmente ao passado histórico da província do Bié, fortemente atingida no período de guerra civil, considerando que a mesma “deveria passar para a história como a cidade do perdão”.
Perdão que o regime de João Lourenço confunde com submissão. Sim. João Lourenço não chegou agora a Angola ou ao MPLA. Embora agora acuse os que estiveram dentro do galinheiro a roubar os ovos de ouro, ele esteve muitas vezes à porta a garantir a segurança dos ladrões.
Para João Lourenço, a província do Bié e a sua capital, Cuito, são a “cidade do perdão, da tolerância”, por terem sabido “perdoar, serem tolerantes ao ponto de terem contribuído bastante para que a reconciliação nacional entre os angolanos vingasse”.
Reconciliação? Essa só contaram para João Lourenço que, como ministro da Defesa, deu o exemplo de que o mais importante para o regime é a razão da força e não a força da razão.
Reconciliação pela força é como acontecia durante o colonialismo português, em que os chefes do posto apresentavam à sociedade os “voluntários devidamente amarrados”.
João Lourenço pediu o voto do povo do Bié, para acabar com a fome, pobreza e a miséria, que ainda grassa por algumas regiões do país, reactivando a agricultura e a indústria, promovendo milhares de empregos para a juventude. Isto é, o MPLA promete fazer agora o que o MPLA não fez durante 42 anos.
Sem citar nomes, deixando a identificação para os militantes, João Lourenço recordou que o país já teve num passado recente um potencial de indústrias, no entanto, destruídas em tempo de guerra. Guerra em que, como todos sabemos, só as balas, as bombas, as minas da UNITA matavam o Povo. As do MPLA, inteligentes, paravam e perguntavam: és Povo? Se era… elas desviavam.
“Vamos repor as indústrias, não só para que voltemos a produzir os bens industriais, mas sobretudo para resolvermos um problema, que é o emprego. Aqueles que destruíram a indústria e, consequentemente, destruíram os postos de trabalho que a indústria oferecia são os mesmos que hoje vêm dizer que a juventude não tem emprego”, acusou.
Ora aí está. A culpa só pode ser daqueles que destruíram tudo e mataram quase todos. A UNITA, é claro. Aliás, um dia destes ainda se provará que os massacres do 27 de Maio de 1977 foram levados a cabo pela UNITA sob comando de Jonas Savimbi. Mais atrasado está o dossier em que o MPLA trabalha para provar que Savimbi também foi responsável pelo holocausto nazi.
“Hoje com maior descaramento vêm dizer que a juventude não tem emprego. Vamos criar milhares de postos de trabalho para a nossa juventude. Os que destruíram os postos de trabalho vão ser penalizados e duramente penalizados (…) vamos castigá-los no voto, é a melhor forma de os castigar”, frisou o candidato que, pelos vistos, nada tem a ver com o passado do MPLA pois, asseguram-nos fontes do regime, só ontem (ou terá sido hoje?) chegou a Angola.
Na campanha eleitoral, importa ir recordando, João Lourenço tinha todos os dias novas supostas realizações para anunciar. Foram pediatrias, fábricas, estradas, postos de trabalho, fontenários ou até mesmo o paraíso. Valeu tudo. Reconheça-se que foi um método (ainda) eficaz porque um povo faminto (20 milhões de pobres) não escolhe… obedece.
Assim, o Estado vai investir – prometeu João Lourenço – mais de 10 milhões de euros na criação de uma empresa pública para produzir calçados e uniformes militares.
A constituição da Empresa Fabril de Calçados e Uniformes – Empresa Pública (EP) foi aprovada em reunião de Conselho de Ministros a 7 de Junho e o decreto presidencial com a sua formalização publicado em Julho.
O documento refere a “necessidade de se reduzir os custos de importação de uniformes e calçados militares” para justificar a criação desta fábrica estatal, mas também a “importância estratégica” que representa essa produção, sobretudo para os efectivos militares.
A empresa terá sede na zona industrial do Cazenga, arredores de Luanda, e poderá ainda estabelecer filiais ou sucursais noutros pontos do país ou mesmo representações no exterior do país, conforme previsto no seu estatuto orgânico.
A sua criação implica um capital estatutário inicial, público, de 1.920 milhões de kwanzas (10,1 milhões de euros), entre capital fixo e circulante, ficando sob tutela do Ministério da Defesa Nacional.
Apesar de ter por como “objecto principal a confecção de calçados e uniformes militares”, a empresa poderá exercer outras actividades comerciais “desde que não prejudiquem a prossecução do seu objecto principal”.
Os três ramos das Forças Armadas Angolanas integram actualmente mais de 100.000 militares, somando-se ainda as forças de segurança, bombeiros e protecção civil.
Recorde-se que em 2015 foi noticiado que Angola aprovou a compra de fardamento e outro equipamento militar no valor de 44,6 milhões de dólares (quase 40 milhões de euros) a uma empresa chinesa.
Segundo um despacho do Presidente angolano autorizando a compra, o negócio envolvia a China Xinxing and Export Corporation, que de acordo com informação da própria empresa conta com 180.000 trabalhadores e mais de 50 subsidiárias da área militar, como fábricas de vestuário, calçado e protecção individual.
A empresa chinesa refere ter negócios com 40 países africanos, para onde vende anualmente mais de 100 milhões de dólares (88,9 milhões de euros) em equipamentos.
Mas há mais. É só escolher
Duas construtoras de origem portuguesa foram escolhidas pelo Governo para construir, em Luanda, por mais de 200 milhões de euros, duas unidades sanitárias pediátricas, segundo despachos presidenciais de final de Junho.
Uma dessas obras envolve a construção e apetrechamento do Instituto Hematológico Pediátrico de Luanda, entregue à Mota-Engil Angola pelo valor de 38,5 milhões de dólares (33,7 milhões de euros).
Igualmente a contratar pelo Ministério da Saúde, conforme previsto num segundo despacho assinado pelo então Presidente José Eduardo dos Santos, a construtora Casais Angola vai construir e apetrechar a primeira fase do Hospital Geral de Pediatria de Luanda, neste caso um negócio no valor de 194,1 milhões de dólares (170 milhões de euros).
Em ambos os despachos é invocada a necessidade de “se desenvolver e assegurar a funcionalidade do Serviço Nacional de Saúde em todo o território”, através da construção e apetrechamento de novas unidades sanitárias “para garantir uma assistência diferenciada à população”.
O Governo angolano prevê gastar em 2017 mais de 310,7 mil milhões de kwanzas (1,6 mil milhões de euros) com o sector da Saúde, o que corresponde a um peso de 4,21% de toda a despesa pública, liderada pela Defesa, com 535,1 mil milhões de kwanzas (2,8 mil milhões de euros), equivalente a 7,24% do total.
E agora como será?
João Lourenço sublinhou que o programa do MPLA para os próximos cinco anos “é coerente e consistente”, mas para a sua aplicação “de modo efectivo e com sucesso” são precisas instituições fortes e credíveis.
Tem razão. Para o MPLA manter a sua coerência e consistência lá continuaremos a ter Angola no topo do ranking dos países mais corruptos do mundo, tal como lidera o ranking mundial da mortalidade infantil.
“Para a efectiva implementação deste programa temos de ter os homens certos nos lugares certos”, referiu João Lourenço, efusivamente aplaudido pelos militantes presentes, formatados e pagos para aplaudir seja o que for que João Lourenço diga, tal como fizeram durante 38 anos com José Eduardo dos Santos. É, aliás, mais uma demonstração da coerência e consistência do MPLA.
Ainda de acordo com João Lourenço, o MPLA vai “promover e estimular a competência, a honestidade e entrega ao trabalho e desencorajar o ‘amiguismo’ e compadrio no trabalho”.
Embora saiba que Angola é um dos países mais corruptos do mundo, João Lourenço suaviza a questão dizendo que a corrupção é um fenómeno que afecta todos os países, advertindo que o problema é a “forma” como Angola encara o problema: “Não podemos é aceitar a impunidade perante a corrupção”.
“O MPLA reafirma neste programa de governação o seu compromisso na luta contra a corrupção, contra a má gestão do erário público e o tráfico de influências”, reitera João Lourenço, acrescentando que o partido conta com “os angolanos empenhados na concretização do sonho da construção de um futuro melhor para todos”.
João Lourenço admitiu que o “MPLA tem consciência de que muito ainda há a fazer e que nem tudo o que foi projectado foi realizado como previsto”. Por outras palavras, se ao fim de quase 42 anos de poder, 15 de paz total, o MPLA só conseguiu trabalhar para que os poucos que têm milhões passassem a ter mais milhões, esquecendo os muitos milhões que têm pouco… ou nada, talvez seja preciso manter o regime do MPLA mais 50 anos no poder.
“Contudo, o país tem rumo e estamos no caminho certo, no sentido da satisfação progressiva das aspirações e dos anseios mais profundos do povo angolano”, disse João Lourenço. Provavelmente em vez de 20 milhões de pobres Angola possa reduzir, durante este mandato do MPLA, esse número para 19.999.000…
Segundo João Lourenço, para que todos os angolanos beneficiem cada vez mais das riquezas do país, o MPLA tem como foco no seu programa de governação para os próximos cinco anos dar continuidade ao seu programa de combate à pobreza e à fome, bem como o aumento da qualidade de vida do povo.
Para a juventude, a franja da sociedade a quem o MPLA atribui “importância fundamental nos processos de transformação política e social de Angola”, João Lourenço disse que vai continuar “a contar cada vez mais com os jovens nas imensas tarefas do progresso e do desenvolvimento”.
Sobre a consolidação da democracia angolana, o general, ministro e agora Presidente destacou a realização de eleições autárquicas, a permissão para posicionar o país “num movimento de verdadeira descentralização administrativa”.
“Com a instauração das autarquias, a administração estará mais próxima das populações, o que tornará mais fácil a percepção das suas necessidades e aspirações e também a sua satisfação”, realçou. Terá João Lourenço descoberto a pólvora?
No Lubango disse: “Uma das nossas preocupações, depois de Agosto, será precisamente, não digo criar, mas procurar ampliar ao máximo essa classe média angolana, à custa da redução dos pobres (…) Fazer com que a classe média seja superior à soma dos pobres e dos ricos”.
João Lourenço pode dizer todas estas barbaridades aos escravos do MPLA que são, voluntariamente, obrigados a participar nos seus comícios e que se limitam a comer e a calar. Eles aplaudem sempre. Se lhes chamar escravos, burros ou camelos eles aplaudem na mesma. Não pode, contudo, é julgar que todos estamos formatados para pensarmos como pensa o “escolhido de Deus” (versão II) e os seus acólitos.
Se para esses acólitos o período de guerra civil (apesar de ter terminado em 2002) justifica tudo, para nós não. Dá jeito ao MPLA estar sempre a falar disso, ir ressuscitando Jonas Savimbi, e, misturando tudo, dizer que sem o MPLA Angola acaba. Mas não é assim. Os escravos arregimentados pelo regime pensam com a cabeça que têm mais ao pé (a do “querido líder”, agora numa nova versão), mas há cada vez mais angolanos que – desobedecendo às “ordens superiores” – pensam com a sua própria cabeça. E esses, embora dando o benefício da dúvida a João Lourenço, estão fartos.
E esses sabem que Angola é um dos países mais corruptos do mundo. Sabem que é um dos países com piores práticas políticas e de direitos humanos. Sabem que é um país com enormes assimetrias sociais. Sabem que é um país com o maior índice de mortalidade infantil do mundo. Mas também sabem que Angola não é um país eternamente condenado a isso.