A porta-voz da Comissão Nacional Eleitoral de Angola (sucursal do MPLA) desvalorizou hoje os casos de eleitores que foram colocados em cadernos eleitorais por vezes a mil quilómetros das suas residências, alegando que poderão ter cometido erros no pré-registo. Pois. Somos todos matumbos, é isso não é Júlia Ferreira?
Eleitores de Luanda queixaram-se de que foram colocados em cadernos eleitorais a mais de mil quilómetros, enquanto outros ainda desconhecem em que locais deverão votar nas eleições gerais da próxima quarta-feira.
Residente do município de Cacuaco, zona da CAOP-B, em Luanda, Antonica Fernando Gouveia contou à Lusa que, pese embora ter dado pontos de referência aquando do processo de registo eleitoral, com actualização do seu cartão eleitoral, “não sabe até agora onde vai votar”.
“Porque nos arredores temos cerca de três assembleias de voto e, pela mensagem que enviámos à Comissão Nacional Eleitoral [CNE], ela dirige-nos para um outro local e mesmo na igreja em que nos foi indicada não encontramos nenhuma assembleia de voto”, disse.
A porta-voz da sucursal eleitoral do MPLA (CNE), Júlia Ferreira, atribuiu o problema a erros cometidos pelos eleitores no pré-registo eleitoral que lhes foi pedido e à falta de “toponímia nas ruas”. Pois. Somos todos matumbos, é isso não é Júlia Ferreira?
“Nós temos um grande problema: não temos toponímia nas ruas. [Em muitos casos] não há número nas residências, não há absolutamente nada. E a pessoa depois pede para ver o endereço no bilhete de identidade. E esse endereço, muitas vezes, já era o da província [de onde saiu]”, disse.
Em antecipação às eleições, as autoridades angolanas procederam supostamente a uma actualização das residências, para permitir que os cidadãos pudessem votar mais perto da área onde moram.
Este processo incluiu uma geo-referenciação de pontos facilmente identificáveis no mapa, tais como intercepções de estradas e de rios, pistas de aeroportos, edifícios proeminentes ou topos de montanha.
Os eleitores forneciam posteriormente um ponto de referência próximo da sua área de residência, que depois seria cruzado com o mapa, para se saber onde e quantas assembleias de voto seriam colocadas nessa área.
“Outra questão provável [para estes erros] é o ponto de referência que o cidadão deu. (…) Este é outro erro, as pessoas não sabem que indicar pontos de referência não é indicar a assembleia de voto. É só para dizer a zona de residência”, argumentou Júlia Ferreira. Pois. Somos todos matumbos, é isso não é Júlia Ferreira?
Outro caso relatado à Lusa foi o de Simões António, 31 anos. Este eleitor revelou que foi transferido de Luanda, onde reside, para votar na província do Namibe, a mais de mil (1.000) quilómetros de distância, desconhecendo as motivações, uma vez que fez a actualização do cartão de eleitor e a prova de vida na capital angolana.
“De seguida indiquei a zona onde vivo, que é na Funda Escola 8012, mas agora, quando consultei onde votar, a informação que me foi dada é que terei de votar na província do Namibe, município do Tômbwa, Escola João Firmino, mesa n.º 4”, explicou. É uma situação que, acrescentou, o deixa “muito triste” porque o impede de votar.
A Lusa ouviu também eleitores como Adriano João, que reside em Luanda e cujo nome consta dos cadernos eleitorais do Dundo, na província da Lunda Norte, a cerca de 1.100 quilómetros, ou Baptista Domingos e Adriano Sandendo, que continuam sem saber se vão poder votar porque os seus nomes não constam da base de dados. Ambos tinham solicitado uma segunda via dos cartões de eleitor.
A CNE constituiu 12.512 assembleias de voto, que incluem 25.873 mesas de voto, algumas a serem instaladas em escolas e em tendas por todo o país, com o escrutínio centralizado nas capitais de província e em Luanda, estando 9.317.294 eleitores em condições de votar.
E se a sucursal do MPLA fosse gozar com outros?
Quando não sabe o que diz (o que acontece quase sempre) e nem diz o que sabe, a CNE apresenta-se com a farde de virgem ofendida e explica que a indicação do ponto de referência dado pelos eleitores no acto de registo eleitoral não determinava a sua assembleia de voto. Ou seja, o ponto de referência pode ser Luanda e a assembleia de voto ser no… Lubango.
A poucos dias das eleições, são muitos – cada vez mais -, os eleitores em todo o país que não localizaram os seus nomes ou nas consultas feitas, os seus nomes foram transferidos para outras localidades das mesmas províncias ou para outras províncias.
Consultadas as ordens superiores, Júlia Ferreira diz que está a haver “alguma confusão na terminologia e no sentido prático que se deve dar ao termo pontos de referência e à expressão e terminologia assembleias de votos”. O que isto quer dizer? Nem Júlia Ferreira sabe. Também não é preciso saber. Basta a tese de que os angolanos que não são do MPLA são desprovidos de inteligência.
Acrescenta Júlia Ferreira que a distribuição dos eleitores pelas assembleias de voto obedece à lei e é consequência de um instrutivo aprovado pelo plenário da CNE, no qual foram definidos vários critérios para nortear a tarefa referente ao mapeamento das assembleias de voto e acomodação dos eleitores nas respectivas mesas de voto.
Teria sido mais simples, embora menos filosófico, dizer que a CNE se acha no direito de ser dona da verdade e do destino eleitoral dos angolanos, sobretudo se existem suspeitas de estes não serem simpatizantes do seu patrono e patrão, o MPLA.
A responsável da CNE lembra que procederem à actualização e novos registos eleitorais “não indicaram assembleias de voto”, sendo importante sublinhar que foram escolhidos pontos de referência em função das suas áreas de residência. E que melhor ponto de referência para um eleitor que reside em Luanda do que mandá-lo votar no Lubango?
“Logo, notamos também que neste processo de indicação de pontos de referência, os cidadãos não indicaram em concreto as suas moradas e isto justifica-se plenamente”, disse Júlia Ferreira, aludindo à ausência de uma toponímia actualizada, dificultando assim a indicação precisa de uma rua ou número da residência em que vive.
Ou seja, dizer-se que se mora no Sambizanga é claramente insuficiente porque a CNE não advinha, e o que mais existe em Angola são bairros chamados Sambizanga. E mesmo assim os eleitores tiveram sorte porque, ao que parece, também existe bairros no Burkina Faso com esse nome…
“Todos estes factores guindaram a que efectivamente se destacasse nesse processo do registo eleitoral a indicação dos pontos de referência”, que foram, ainda segundo a responsável, a título de exemplo, estabelecimentos comerciais, hospitalares, notoriamente mais conhecidos, todos dentro do seu perímetro residencial.
E, diga-se, o perímetro residencial de quem vive em Luanda estende-se, segundo a CNE, pelo menos até à Huíla. É um perímetro alargado, mas não deixa de ser um perímetro.
A porta-voz do órgão eleitoral do regime avançou que foi com base nestas referências, dentro de um perímetro – chamando a atenção de que “não foram moradas, não foram endereços” – que foi feita a distribuição dos eleitores pelas respectivas mesas de voto.
Relativamente aos eleitores que estão a localizar os seus nomes em outras províncias, Júlia Ferreira apresentou como explicação que os eleitores fizeram o registo eleitoral numa outra província e agora se encontram em Luanda, constituindo assim uma situação de deslocalização. Como anedota não está mal.
“Outrossim, é que há cidadãos que não fizeram actualização do registo eleitoral, que teve uma natureza de prova de vida, que de acordo com os dados que nos foram entregues pelo Ministério da Administração do Território, temos estimadamente cerca de 2.800.000 deste número de cidadãos do universo eleitoral de cidadãos que não fizeram a actualização do seu registo eleitoral”, disse. Para os que se encontram nesta condição, a lei determina que os seus nomes não sejam incluídos nos cadernos eleitorais.
Resumo. Com os mesmos palhaços, o espectáculo teria necessariamente de ser o mesmo.