O ministro da Defesa de Angola, vice-presidente do MPLA e putativo substituto de José Eduardo dos Santos, João Lourenço, não é homem de deixar os créditos do seu MPLA por verdades alheias. Recorde-se, por exemplo, que disparou no dia 17 de Setembro de 2016, todo o seu arsenal bélico contra os que estavam a “denegrir” a imagem de Agostinho Neto.
O governante discursava em Mbanza Congo, província do Zaire, ao presidir ao acto solene das comemorações do dia do Herói Nacional, feriado alusivo precisamente ao nascimento do primeiro Presidente de angolano.
“A grandeza e a dimensão da figura de Agostinho Neto é de tal ordem gigante que, ao longo dos anos, todas as tentativas de denegrir a sua pessoa, a sua personalidade e obra realizada como líder político, poeta, estadista e humanista, falharam pura e simplesmente porque os factos estão aí para confirmar quão grande ele foi”, afirmou o homem que também espera entrar para o galarim dos presidentes.
João Lourenço nunca pôs o nome as coisas, mas o Bureau Político do MPLA criticara em Julho de 2016, duramente, o lançamento em Portugal de um livro sobre aquele partido e o Presidente Agostinho Neto, queixando-se então de uma nova “campanha de desinformação”.
Em causa estava o livro “Agostinho Neto – O Perfil de um Ditador – A História do MPLA em Carne Viva”, do historiador luso-angolano Carlos Pacheco, lançado em Lisboa a 5 de Julho, visado no comunicado daquele órgão do Comité Central do partido no poder em Angola desde 1975.
Carlos Pacheco disse que a obra resulta de uma década de investigação histórica e que “desmistifica” a “glória” atribuída ao homem que conduziu os destinos do movimento que lutou pela libertação do jugo colonial português em Angola (1961/74). Contudo o livro tem sido fortemente criticado em Luanda, por parte de dirigentes e elementos afectos ao MPLA e da fundação com o seu nome.
“A República de Angola está a ser vítima, mais uma vez, de uma campanha de desinformação, na qual são visadas, de forma repugnante, figuras muito importantes da Luta de Libertação Nacional, particularmente o saudoso camarada Presidente Agostinho Neto”, dizia o comunicado do MPLA.
Na intervenção de 17 de Setembro de 2016, João Lourenço, que falava em representação do chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, sublinhou que Agostinho Neto “será sempre recordado como lutador pela liberdade dos povos” e um “humanista profundo”.
“Como atestam as populações mais carenciadas de Cabo Verde, a quem Agostinho Neto tratou gratuitamente, mesmo estando ele nas condições de preso politico. É assim como será sempre lembrado, por muitas que sejam as tentativas de denegrir”, afirmou o ministro da Defesa.
“Em contrapartida”, disse ainda o governante, os “seus detractores não terão nunca uma única linha escrita na História, porque mergulhados nos seus recalcamentos e frustrações, não deixarão obra feita digna de respeito e admiração”.
“Não terão por isso honras de seus povos e muito menos de outros povos e nações. A História encarregar-se-á de simplesmente ignorá-los, concentremos por isso nossas energias na edificação do nosso belo país”, disse João Lourenço.
Como em 1977, em 2017, pensar mete medo aos donos do poder.
Sabendo o que diz mas não dizendo o que sabe, João Lourenço alinha na lavagem da imagem de Agostinho Neto numa altura em que, como sabe o regime, os angolanos começam cada vez mais a pensar com a cabeça e não com a barriga… vazia.
Terá João Lourenço alguma coisa a dizer aos angolanos sobre os acontecimentos ocorridos no dia 27 de Maio de 1977 e nos anos que se seguiram, quando dezenas de milhar de angolanos foram assassinados por ordem de Agostinho Neto?
Agostinho Neto, então Presidente da República, deu o tiro de partida na corrida do terror, ao dispensar o poder judicial, em claro desrespeito pela Constituição que jurara e garantia aos arguidos o direito à defesa. Fê-lo ao declarar, perante as câmaras da televisão, que não iriam perder tempo com julgamentos. Tal procedimento nem era uma novidade, pois, na história do MPLA tornara-se usual mandar matar os que se apontavam como “fraccionistas”. O que terá a dizer sobre isto o general João Lourenço?
Agostinho Neto deixou a Angola (mesmo que João Lourenço utilize toda a lixívia do mundo) o legado da máxima centralização de um poder incapaz de dialogar e de construir consensos, assim como de uma corrupção endémica. E os portugueses que nasceram e viveram em Angola, ainda hoje recordam o papel que teve na sua expulsão do país. Antes da independência declarava que os brancos que viviam em Angola há três gerações eram os “inimigos mais perigosos”.
Em 1974, duvidava que os portugueses pudessem continuar em Angola. Em vésperas da independência convidava-os a sair do país. E já depois da independência, por altura da morte a tiro do embaixador de um país de Leste, cuja viatura não parara quando se procedia ao hastear da bandeira de Angola, dirigiu-se, pela televisão, aos camaradas, para lhes dizer que era preciso cuidado, pois nem todos os brancos eram portugueses.
Numa só palavra, quando este MPLA sente o poder ameaçado, não hesita: humilha, assassina, destrói, elimina, atira aos jacarés.
É a sua natureza perversa demonstrando não estar o MPLA preparado para perder o poder e, em democracia, com a força do voto se isso vier a acontecer, a opção pela guerra será o recurso mais natural deste partido, não é general João Lourenço?
Não é em vão que temos dois exércitos: as FAA e o exército privado a UGP (Unidade de Guarda Presidencial), mais a partidarização da Polícia Nacional; da Segurança de Estado; do SIC (Serviços de Investigação Criminal); do sistema de Justiça e dos Tribunais e a maioria dos juízes, tudo previamente montado, para contrariar a vontade popular.
É só para recordar
Vamos lá puxar um pouquinho pela memória. No dia 30 de Abril de 2008, uma viatura de marca Land Rover, foi entregue ao rei Ekuikui IV “Katehiotololo” do Bailundo, na sede comunal do Alto Hama, município do Lunduimbali, província do Huambo.
E quem foi o portador de tal oferta? O carro foi entregue pelo coordenador adjunto para a campanha eleitoral do MPLA, João Lourenço, “à margem de um acto político de massas, na sequência do realizado no dia anterior na cidade do Huambo, ao qual o soberano fez questão de assistir”.
“O rei Ekuikui IV do Bailundo, acompanhado por uma das suas esposas, agradeceu o gesto de José Eduardo dos Santos, ao mesmo tempo expressou a sua satisfação pela reabilitação das estradas e progressiva melhoria das condições de vida das populações do Bailundo”, salientou então a agência oficial do regime, ou seja, do MPLA e do seu presidente, José Eduardo dos Santos.
O soberano anunciou então, em declarações à imprensa, que em Setembro desse ano, por ocasião das eleições legislativas, diria algo importante aos angolanos.
Nessa altura ficou a dúvida se o rei iria ao volante do seu Land Rover fazer as anunciadas importantes declarações e, igualmente, uma certeza – o rei não iria cuspir no prato de quem lhe ofereceu a viatura. E foi isso que aconteceu. Ekuikui IV, também conhecido pelo soba dos sobas, manifestou o seu apoio ao MPLA.
De acordo com o comunicado do bureau político do MPLA, “o partido que serviu durante vários anos reconhece nele um exemplo de resistência tenaz contra o colonialismo português, de amor à pátria, de trabalho e de muita devoção à causa da paz, da unidade e reconciliação nacional, da liberdade e desenvolvimento do país”.
Com tantas qualidades só poderia ser do MPLA. Aliás, Ekuikui IV só passou de besta a bestial quando, para além do Land Rover, aceitou filiar-se no partido que governa Angola desde 1975.
Ainda em termos de memória, com a morte do líder da UNITA, Jonas Savimbi, em 2002, e o fim da guerra, Ekuikui IV passou a ser o dono do trono.
E foi depois de 2002 que o até então poderoso, respeitado e honorável reino do Bailundo entrou na sua fase mais descendente com uma inaudita vassalagem ao rei do MPLA, José Eduardo dos Santos.
Vassalagem que, de acordo com a estratégia o MPLA e com a colaboração activa de Ekuikui IV, levou em 2008 à eliminação física do rei Utondossi II.
Uma espinha chamada Cabinda
Novembro de 2014. O Ministro da Defesa Nacional, João Lourenço, recomendou que os militares das Forças Armadas Angolanas (FAA) na Região Militar Cabinda se mantenham permanentemente vigilantes, visando a preservação da paz, soberania e das instituições do Estado, perante qualquer ameaça.
Uma posição no mínimo curiosa. Isto porque, segundo as teses do regime, Cabinda é uma região há muito pacificada. Pelo que parece, João Lourenço tinha na altura (e tem hoje) outras informações que podiam indiciar duas coisas. Ou a FLEC-FAC estava (como está) de facto viva e disposta, apesar de tudo, a lutar, ou está em preparação uma – mais uma – caça às bruxas, mesmo que elas não existam.
“A província de Cabinda tem um particular histórico na sua trajectória para a soberania nacional. Daqui saíram grandes combatentes que aprenderam a defender o país não só a província de Cabinda, como noutras regiões de Angola. Para isso, temos em memória muitos desses valorosos combatentes quando ainda a província era II região Militar”, recordou João Lourenço.
O governante apelou às Forças Armadas em Cabinda para estarem atentas na defesa das fronteiras com os países vizinhos. Sim, porque qualquer acção que eventualmente a FLEC leve a cabo será sempre, do ponto de vista do regime, atribuída a bandos terroristas que se alojam noutros países.
“Temos que estar sempre em prontidão e estado de alerta. É necessário a preparação combativa permanente, para que as nossas fronteiras sejam protegidas e ninguém possa vir molestar a paz que o país tem. Cabe a vós essa missão para a defesa da soberania e integridade territorial”, disse o ministro, quase parecendo que Angola não tem fronteiras com outros países para além das de Cabinda.
O Ministro da Defesa Nacional, que falava na parada na 10ª Brigada de Infantaria Motorizada, na localidade de Ntó, disse também que neste momento de paz e,então, dos 39 anos de Independência Nacional, as FAA deviam participar em tarefas que visam garantir o aumento da economia nacional.
“Para o nosso país aumentar a sua economia é preciso que haja estabilidade política. São as Forças Armadas o garante dessa segurança e estabilidade, para que todos possam trabalhar para o engrandecimento de Angola e seu desenvolvimento em todos os sectores da vida nacional”, frisou o ministro, certamente tendo no subconsciente o papel das Forças Armadas do Burkina Faso.
Durante a sua curta visita a Cabinda, o Ministro da Defesa Nacional, que se fez acompanhar do Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas Angolanas, general Sachipengo Nunda e do Comandante do Exército general Lúcio Amaral, manteve um encontro com a direcção do Comando da Região Militar Cabinda onde recebeu informações sobre a situação político militar da região tida de calma e estável.
Calma e estável? Quem diria?